Capítulo 259: Sob a Água Corrente (2/5)
— Eeek — soluçou o Rei de Heyle ao observar a conversa entre o grande mago e o mestre espadachim. Felizmente, ninguém prestava atenção nele, pois todos os olhares estavam voltados para aqueles dois.
Cobrindo a boca, sentiu as mãos gentis de sua esposa acariciarem suas costas. Ainda assim, não conseguia se acalmar facilmente.
“Será que ele deveria rejeitá-lo de forma tão direta?”, pensou.
Para ser justo, foi Iphrain Slick quem agiu sem educação primeiro. Mesmo que não tivesse antagonizado ninguém abertamente, não só estragou o clima com sua atitude arrogante, como também ousou recrutar Airen bem diante de seu rei.
O Rei de Heyle, no entanto, preocupava-se mais com a resposta de Airen. Por mais talentoso e bem-relacionado que fosse, não se comparava a Iphrain, que tinha o respaldo da Casa Slick e do Reino de Runetell.
“Espero que nada aconteça…”, pensou o rei, inquieto, ou melhor, apenas mexendo os dedos dos pés, já que estava montado a cavalo.
O capitão e o Capitão Tenente da Ordem dos Cavaleiros do Crepúsculo podiam sentir o desconforto do rei. Mas não havia nada que pudessem fazer. Embora estivessem mais do que prontos para correr até o velho, grande mago ou não, e agarrá-lo pelo colarinho…
“Não temos escolha além de observar.”
Percebendo que não havia nada ao seu alcance para ajudar, cerraram os dentes e focaram sua atenção em Airen, decidindo confiar nele.
Foi então que Iphrain Slick estalou os dedos.
Snap!
Woosh!
Uma barreira branca formou-se instantaneamente. Os representantes dos quatro reinos se sobressaltaram, chocados pelo simples fato de que o grande mago acabara de lançar um feitiço, ainda que não fosse ofensivo.
“Não consigo ver nem ouvir nada… O que devemos fazer?”
Nem mesmo os reinos de Sonan, Colon, Heyle e Bisau, que trouxeram um mestre espadachim e um grande mago cada, se moveram.
Foi quando um dos sessenta e quatro magos, que permaneciam parados como bonecos, deu um passo à frente e explicou:
— Nosso mestre deseja ter uma conversa particular. Esperamos que compreendam. Se não puderem, não nos importamos que continuem a caça sem nós.
Ninguém ousou se mexer, exceto alguns, como Kiril Farreira.
No entanto, quando todos os sessenta e quatro magos se viraram para ela, até mesmo Kiril não pôde deixar de hesitar.
— Kiril, vamos apenas esperar por agora — pediu seu pai.
A prodígio de Cezar conteve sua raiva. A pressão da tropa mágica e o pedido de seu pai tiveram peso em sua decisão, mas, além disso…
“Airen derrotou até mesmo um diabo ancestral. O que de pior poderia acontecer?”
De fato, ela confiava em seu irmão.
— Hmph.
Kiril bufou e assentiu, lançando um olhar afiado ao mago de meia-idade que falara e ao restante da tropa.
Pssss…
Enquanto isso, uma leve mana vazava da barreira branca sob seu olhar atento.
— O que deseja? — perguntou Airen.
— Queria conversar em particular — respondeu Iphrain.
— Creio que já disse tudo o que precisava dizer.
— Eu ainda não.
— Não quero conversar com você.
— Por quê? Por causa da minha atitude?
— Sim.
— Mas eu nunca lhe fiz mal.
— Você fez a outros…
— Você e eles são diferentes. Eu só demonstro respeito a quem merece.
— De certa forma, sou parecido com você. Você também me julgou, não foi? Por isso está sendo tão frio comigo, diferente de como age com os outros. Da mesma forma, julguei aqueles que estão aqui e os tratei de acordo. Se não gostaram, deveriam ter se manifestado e reclamado.
O velho mago sorriu.
— Mas eles não o fizeram. Não tiveram coragem nem poder.
— Por isso, não tive escolha senão ignorá-los.
— O que quer dizer com isso?
— Já lhe disse. Quero que venha para Runetell.
— Já dei minha resposta…
— Dizem que os magos da Casa Slick são arrogantes.
— Mas eu não concordo. Apenas queremos interagir, trocar ideias e construir relações com aqueles que consideramos dignos de nossa companhia. Não me afeta em nada se aqueles excluídos da grande história nos entenderem mal, nos difamarem ou nos insultarem. Também não os prejudico. Apenas os deixo latir à vontade.
Airen suspirou, percebendo que sua intuição antes do banquete estava certa. De fato, até agora, ele só havia conhecido e interagido com boas pessoas. Ver alguém que simplesmente não compreendia isso apenas enfatizava ainda mais o contraste.
“Isso é tão frustrante”, pensou.
No entanto, tinha a sensação de que algo ainda mais frustrante poderia acontecer se não deixasse aquele velho falar.
Soltando mais um suspiro de exasperação, perguntou a Iphrain:
— Por que o grande mago da Casa Slick deseja me levar se eu não sou um mago?
— Runetell não é composto apenas de magos. Temos grandes espadachins, ainda que em menor número. Contamos até mesmo com três mestres espadachins — respondeu Iphrain.
— Então isso deveria ser o suficiente.
— Não é. Queremos mais do que apenas um mestre espadachim.
— Por mais, você quer dizer…
— Queremos fundar uma grande casa de espadachins, comparável a Runetell, Slick e Corcoran. Queremos iniciar a história… de algo maior do que as Cinco Casas do Oeste.
— E acredito que você seja a pessoa mais adequada para essa tarefa.
Ele quis dizer exatamente isso. Iphrain Slick acreditava que aquele jovem de aparência mansa tinha um potencial extraordinário. É claro que ele não poderia alcançar tal grandeza sozinho. Precisaria de um ambiente que estivesse à altura de sua enorme capacidade. E o que ele oferecia era o suporte do grande Runetell.
— Muitos gênios deixaram suas marcas na história, mas nem todos fundaram um grande legado. Mas isso não foi culpa deles. Foi culpa do ambiente e das pessoas ao seu redor. Eles não eram bons o bastante. Runetell é diferente — continuou Iphrain, o orgulho estampado no rosto.
Um reino de magos que nada tinha a ver com esgrima? Apenas tolos pensariam assim. Mas essa não era a verdade. Os vastos recursos, as análises meticulosas e o conhecimento acumulado através de experimentos obsessivos não serviam apenas para a magia. Iphrain acreditava que os métodos do Reino de Runetell eram mais eficazes do que os da Academia de Esgrima do Oeste, que se baseava em conceitos abstratos sobre o corpo, a esgrima e a aura.
“Exceto feitiçaria e poder sagrado… não há nada que um mago de Runetell não possa dominar.”
Isso não era um desejo ou uma ambição, era um fato.
Com um sorriso tênue, Iphrain Slick disse:
— Sei que não é uma decisão fácil de tomar. Romper laços não é algo simples.
— Mas você precisa ser sábio e sério quanto a isso. Sua vida e sua espada dependerão de quem estiver ao seu lado e do apoio que receber. Se tiver dúvidas, pode tomar sua decisão depois de ver as coisas com seus próprios olhos. Garanto que não ficará desapontado. Você vai gostar de Runetell.
Iphrain continuou a persuadir Airen com orgulho e entusiasmo, parecendo uma pessoa completamente diferente do velho sonolento e entediado de instantes atrás. Ele não tinha pressa, é claro. O jovem não poderia decidir de imediato. Isso era compreensível. Afinal, alguém que passou a vida inteira dentro de um poço não sabia o quão vasto era o mundo lá fora. Esse jovem precisaria de um pouco mais de tempo para sair de sua concha.
“Mas ele vale a espera… ao contrário daquela bastarda plebeia”, pensou Iphrain.
Ele imaginou Ignet, agora Ignet Crecensia, e balançou a cabeça levemente.
Na época, sentira amargura pelo fato de Arvilius tê-la conseguido. Mas, no fim, aquilo fora para o melhor. Diferente de Ignet, Airen Farreira era conhecido por sua natureza dócil. Além disso, possuía uma linhagem melhor. Ele seria mais fácil de lidar e não mancharia a história de Runetell.
O velho mago sorriu ainda mais. Ele persuadiria esse jovem. Faria de tudo até que Airen mudasse de ideia, até que não tivesse escolha. Iphrain Slick tinha certeza de que conseguiria o que queria no fim das contas. Mas seu humor começou a ruir quando percebeu que o jovem mestre espadachim não estava olhando para ele.
“O que ele está olhando…?”
Os olhos do velho mago estremeceram levemente ao perceber para onde Airen olhava. O jovem parecia enxergar através da barreira branca que o isolava do mundo exterior.
“Não, isso é impossível. Ele nem sequer é um mago.”
Mesmo que fosse, não deveria ser capaz de ver o fluxo de mana através de um feitiço lançado por ele, um dos dez mais poderosos do continente. Perry Martinez, de Lavaat, também não conseguiria fazer isso.
Iphrain controlou sua expressão, tentando afastar suas próprias dúvidas, enquanto Airen se virava para encará-lo.
— Você deveria se desculpar — disse o jovem mestre espadachim após um momento.
— Pelo quê…? — Iphrain Slick perguntou, incrédulo.
Airen estava exigindo um pedido de desculpas após tanto silêncio? Não, ele definitivamente não gostava da atitude do mestre espadachim. Desde o começo, tivera um pressentimento de que aquele jovem não era exatamente como sua investigação sugeria.
— Você deveria se desculpar com o Rei de Heyle, seus cavaleiros e meu pai — repetiu Airen.
— Não vai se fazer de desentendido, vai? Você insultou minha casa, meu país, minha família… e meus próprios pais, que cuidaram de mim melhor do que qualquer outra pessoa poderia.
— E se eu recusar…?
O rosto do grande mago se retorceu de raiva. Isso era ridículo. Por mais talentoso e habilidoso que o espadachim fosse, ele ainda era um jovem. Iphrain Slick não era alguém a ser desafiado por um mestre espadachim com pouco mais de vinte anos.
Mas Airen não tinha intenção alguma de recuar.
— Estou desafiando você para um duelo — declarou.
— Eu não sei o que diabos está pensando. Ouvi dizer que nunca saiu de casa quando era jovem. Por acaso não sabe que tipo de lugar é Runetell? Ou será que não sabe nada sobre mim? — questionou Iphrain.
Para ser sincero, Airen não sabia. Mas também ficou claro que Iphrain não o conhecia.
Airen Farreira lembrou-se de suas amigas e de uma conversa que tiveram.
“Illia, Judith… Faz tempo que não vejo Judith. Espero que seu treinamento esteja indo bem.”
Lembrando-se das palavras de sua amiga, que constantemente irritava os outros com seu temperamento explosivo, ele disse:
— Está com medo?
— Seu maldito espadachim absurdo… — Iphrain rosnou.
Crack, crack…
Boom!
A barreira branca se despedaçou.
Reaparecendo diante da plateia, o segundo homem mais poderoso da Casa Slick assentiu furiosamente.
— Muito bem. Eu aceito.
Thud.
O Rei de Heyle deixou seu arco cair.
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