Capítulo 262: Sob a Água Corrente (5/5)
Iphrain Slick, o grande mago de Runetell, normalmente não conhecia o medo. Não apenas possuía habilidades e um histórico formidável, como também conseguia analisar e compreender a maior parte do mundo através da magia. Desde que soubesse, ou eventualmente descobrisse, o que era, não havia motivo para temer.
Em outras palavras, o que mais assustava Iphrain era o ‘desconhecido’.
— Como… — murmurou.
De fato, o que Airen Farreira fez era mais do que suficiente para aterrorizar Iphrain. O feitiço que ele lançou era sorrateiro, sem cor, sem cheiro, com apenas um leve traço de mana. Nem o próprio Iphrain seria capaz de detectá-lo uma vez disperso no ar.
Mas ali estava aquele jovem, pegando-o com as mãos nuas. O feitiço flutuava no ar, e Airen o segurava como se fosse um simples fio de lã.
Isso era impossível.
Isso ia além do que ele conhecia como mago.
— Feitiçaria… — murmurou Iphrain Slick, pronunciando a palavra que mais odiava.
— Hmph — Airen Farreira soltou um murmúrio baixo enquanto observava sua própria mão.
Ele não achava que o que havia usado fosse feitiçaria. Na verdade, acreditava que era uma forma de esgrima. Airen Farreira era capaz de moldar sua vontade para proteger o mundo, e aqueles que lhe eram preciosos, em sua espada. Era o que chamavam de ‘espada do herói’ ou ‘espada da mente’, ensinada por Ignet.
A força mais poderosa que um espadachim, não, que um humano, poderia usar contra o desejo destrutivo de um demônio.
Ainda assim, Iphrain Slick não estava totalmente errado. Embora nunca tivesse questionado Ignet, Airen não sabia se aquilo poderia ser chamado de esgrima. Muitas técnicas que combinavam vontade e mente tinham esse mesmo dilema. Talvez a Espada da Mente fosse, de fato, algo que mesclava feitiçaria e esgrima.
Mas isso não importava agora.
O que importava era por que Airen conseguia agarrar a magia de Iphrain Slick, por que ele conseguia sentir a mana de outra pessoa, mesmo sem saber nada sobre magia.
A resposta era simples: malícia.
Airen Farreira podia enxergar a energia terrível e repugnante que se assemelhava à de um verdadeiro demônio.
K-sshh…
Chamas douradas brilharam na mão de Airen. Sua aura, tão intensa e refinada quanto quando usada na lâmina de sua espada. Mesmo que nunca tivesse manifestado sua aura diretamente com as mãos nuas, não sentiu dificuldade.
Talvez tivesse crescido muito.
Ou talvez… fosse a raiva que o impulsionava.
De fato, a atual capacidade de Airen não se devia apenas ao seu próprio crescimento. Afinal, emoções e instintos não eram algo que se replicava facilmente. Airen lembrava a si mesmo que sua experiência ainda importava.
Mas, mais uma vez, isso não era o que importava agora.
Enquanto o jovem herói cerrava o punho, a aura dourada queimava a mana espalhada pelo palanquim.
Boom!
K-sshh…
— Ah, uh! AARGH! — gritou Iphrain, seus gritos distorcidos pelo medo e pelo pânico.
Claro, isso não era tudo.
Consumido pela fúria e pelo ódio, o grande mago ergueu a mão para lançar um feitiço, ativando diversos círculos mágicos ao redor do palanquim.
Mas foi inútil.
Num piscar de olhos, Airen surgiu diante de Iphrain e liberou sua energia.
Frosh!
Airen não desferiu socos ou chutes.
Ele não puxou sua espada.
Ele apenas liberou sua energia.
A aura dourada irradiava não apenas de sua mão direita, mas de todo o seu corpo.
Era a mesma luz avassaladora que até mesmo um diabo ancestral, que viveu por milênios, não conseguiu suportar.
Era a mesma luz deslumbrante que perfurou a vontade póstuma daquele diabo.
Era o fogo sagrado que dava esperança às pessoas de bem.
No entanto, Iphrain Slick não achava aquela luz nada agradável.
— Aaaargh… — gemeu.
O velho não era um demônio.
Afinal, seu orgulho era tão grande que impedia até mesmo os sussurros do reino demoníaco de alcançá-lo. Nem mesmo o maior dos diabos conseguiria corrompê-lo.
Mas…
O velho também não possuía um coração humano.
Infelizmente, desde que os demônios desapareceram, cada vez mais pessoas no continente começaram a perder seus corações humanos.
Ou talvez, essas pessoas já existissem, mesmo quando os demônios andavam livremente.
Lembrando-se de sua conversa com Karakhum e Khubaru na tribo Drukali, Airen recolheu sua energia.
— Ah! Argh… hah… — arfou Iphrain.
— Como já deve ter percebido, suas artimanhas não funcionarão comigo nem com aqueles ao meu redor — disse Airen, sua voz fria e firme, enquanto seus olhos ainda brilhavam com intensidade.
Iphrain sentiu como se aqueles olhos dourados queimassem diretamente seu coração.
— Se em algum momento se sentir tentado a tentar algo de novo… lembre-se de hoje.
Lembre-se de mim.
Airen virou-se.
— Não precisa me acompanhar até a saída.
E então deixou o grande palanquim.
Ele não precisava de uma resposta. Olhar nos olhos de Iphrain lhe dizia que ele jamais seria capaz de prejudicar o Reino Heyle ou a Casa de Farreira.
Ao sair, Airen viu os sessenta e quatro magos. Embora sentisse seus olhares, não desviou. Pelo contrário, foram os próprios magos que baixaram a cabeça e se viraram.
Airen os encarou por um longo tempo antes de deixar o terreno.
“Isso é o melhor?”, ele se perguntou.
Ele não sabia dizer. O mundo estava repleto de incertezas. Ele percebeu isso quando começou sua jornada dois anos atrás. Não havia uma resposta correta, apenas compromissos decepcionantes que faziam todos sofrerem.
Parece que esse também era o caso agora. Ou talvez fosse ainda pior, pois o incidente envolvia não apenas Airen, mas também seu reino, sua casa e sua família. Era importante que ele enfrentasse a injustiça.
De fato, Airen nunca recuou desde que pegou sua espada. Ele ergueu sua lâmina contra Karakhum por Khubaru e enfrentou o diabo bufão pelo bem da equipe de expedição.
Mas se pessoas inocentes se ferissem por causa de sua escolha… ele deveria continuar buscando justiça? Ou deveria suportar a injustiça pelo bem daqueles que lhe eram queridos?
“Nenhuma das duas é a resposta”, pensou Airen.
O incidente com Iphrain Slick era o mesmo. Airen se lembrou de sua conversa com Tarakhan um ano atrás. Existiam pessoas neste mundo cuja visão de mundo não poderia ser compartilhada. E algumas dessas pessoas sequer poderiam ser convencidas com palavras.
Mas a pessoa mais perigosa era aquela que não hesitava em usar a violência para impor sua vontade… Alguém assim era tão perigoso quanto um diabo.
“O mesmo vale para aquele mago…”, pensou Airen.
Em seu coração, Iphrain era tão maligno quanto um diabo. No entanto, o homem ainda não era um diabo. Airen não pôde deixar de se perguntar: “É realmente justo que eu puna outro humano? Eu realmente tenho esse direito? Mesmo que tenha, posso lidar com as consequências? Se eu pudesse me limitar a apenas ameaçá-lo, então sim, mas…”
“Estou realmente fazendo a coisa certa?”
Certo ou não, eu apenas comprometi porque não queria antagonizar Runetell?
Pensamentos intermináveis atormentavam Airen enquanto seu coração se afundava, ou será que não?
— Hmph — Airen soltou um suspiro.
Então, ele expirou, deixando suas emoções fluírem novamente. Não se deixaria prender ao passado. Ele seguiria em frente.
“Pensar é bom. Tenho que refletir muito e encontrar respostas melhores. Mas não posso me afundar na escolha que já fiz e deixar de avançar…”
Sim. Foi isso que Airen aprendeu com sua luta contra o diabo bufão e sua estadia na Casa de Lloyd.
Recuperando rapidamente sua paz de espírito, Airen sorriu levemente.
“Preciso treinar mais…”, pensou.
O corpo afeta a mente tanto quanto o contrário. O mesmo valia para a aura e a esgrima. Ele precisava buscar crescimento através de um bom ciclo de aprimoramento.
Enquanto Airen consolidava sua determinação, uma nova energia começou a se formar.
Crack.
Ela não era tão versátil e fluida quanto a água, nem tão evidente quanto o metal ou o fogo ardente. Apenas estabelecia a base, mais ampla e estável do que qualquer outra coisa. Firme e inabalável, ajudava a mente de Airen a encontrar seu caminho.
Ao perceber o poder da terra, a quarta energia da Arte dos Cinco, Airen Farreira tornou-se mais estável e confiável do que nunca quando apareceu na corte.
— Mestre Farreira? — saudou Oswaldo.
— Oh, capitão. Ouvi dizer que estava me procurando. O que houve? — perguntou Airen.
— Hm… Na verdade…
— Hã? Sir Airen Farreira? Hmm?
Oswaldo Odone e Hill Burnett demoraram a notar Airen. Mesmo com a própria pessoa que buscavam diante deles, não conseguiram encontrar palavras. Algo nele parecia diferente, e não era apenas sua esgrima.
Embora Airen Farreira sempre tivesse sido um jovem notável para alguém de seus vinte e poucos anos, agora ele parecia…
“Ele parece uma pessoa maior agora…”
“Por que estamos sentindo isso? Será por causa…”
Se perguntando se a mudança repentina de Airen tinha relação com o duelo contra o grande mago, os dois assentiram.
Embora a questão não pudesse ser resolvida apenas com as habilidades de Airen, eles não puderam deixar de se sentir confiantes no que viam. Ainda assim, não conseguiram dizer o que queriam até que aqueles queridos a Airen surgiram.
— Airen.
— Airen!
— Pai, Kiril.
O jovem herói olhou para sua família com um sorriso radiante. Ele parecia ter se tornado muito mais honesto com seus sentimentos. Embora Oswaldo Odone não percebesse, Hill Burnett definitivamente notou.
— Hmph, com tudo que aconteceu hoje, imagino que precise de um tempo com sua família. Não irei atrapalhar — disse Hill.
— Isso mesmo. Nos retiraremos — disse Oswaldo.
— Ah, entendo. Agradeço pela consideração — respondeu Airen, olhando para o capitão e o tenente com uma expressão questionadora, se perguntando por que eles estavam saindo tão rápido, quando antes pareciam apressados.
Claro, ele não podia reclamar, pois queria ver sua família.
Harun Farreira compartilhava desse sentimento.
“Ele cresceu tanto…”, pensou o Barão Farreira, seus olhos se enchendo d’água ao ver Airen sorrindo tão abertamente.
Não era apenas sobre ele ser um mestre espadachim. Apenas ver seu filho diante dele, tão orgulhoso, era algo avassalador.
Sim. Mas, para ser justo, ainda havia algo que ele queria.
Sorrindo de maneira um pouco desconfortável, ele chamou Airen:
— Filho.
— Sim, pai? — respondeu Airen.
— Você tem algum desejo de se casar?
— O quê? — ecoou Airen Farreira, um tanto atordoado.
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