Capítulo 263: É Bom Ver Você (1/3)
O que imediatamente vinha à mente ao se pensar no leste do continente eram o Reino de Runetell, renomado por sua magia, e o Principado de Cezar, famoso por sua feitiçaria. Graças a esses dois reinos desenvolvidos, as pessoas imaginavam o leste do continente como uma região agradável.
Infelizmente, a verdade não poderia ser mais diferente. Exceto por esses dois reinos, a área era repleta de caos, assim como o continente do sul, com vastas regiões infestadas de monstros perigosos.
Um desses lugares era a Floresta Gabir, localizada a sudeste do Principado de Cezar. Quente e úmida, com árvores enormes que quase cobriam o céu, a floresta era cheia de insetos que sugavam humanos até a última gota, plantas venenosas capazes de fazer alguém desmaiar com um simples toque e monstros terríveis que se banqueteavam com suas presas.
— Não entre na Floresta Gabir. Lá vive um diabo.
— Nem por um milhão de barras de ouro eu entraria na Floresta Gabir.
Assim diziam até os guias mais renomados. Assim, a Floresta Gabir tornou-se um refúgio para monstros. E isso era algo que o ‘verdadeiro’ diabo, recém-chegado à região, não gostava.
Crash! Splat! Crash! Splat!
Uma enorme faca cortou os membros e a cabeça de um goblin. Um torso ainda sangrando pendia de um gancho. O ato não tinha significado algum. Era puro entretenimento.
No entanto, a diversão durou apenas até a semana passada. Depois de massacrar centenas e milhares de monstros, o diabo percebeu que queria mais. Queria sentir mais.
“Preciso de humanos”, pensou o diabo.
Foi por isso que decidiu deixar sua morada e sair da floresta. Teria encontrado a alegria que procurava se tivesse sido descoberto por um grupo qualquer da equipe de extermínio de diabos do Reino Sagrado. Mas foi puro azar ter encontrado o bufão na entrada da floresta.
— Ufa, que alívio. Que alívio! Você ainda não fez nada! — exclamou uma voz alegre.
— Certo, certo. Este lugar pode não estar no mesmo nível da grande floresta do sul, mas é um esconderijo e tanto. Há mais do que encrenqueiros suficientes por aí. Você não precisa…
Swoosh!
Em vez de ouvir o bufão, o diabo ergueu sua amada grande faca. Normalmente, não teria feito tal coisa. Agiria com mais elegância, querendo sentir a emoção e o medo humanos que só existiam em suas memórias. Mas o diabo sentiu que havia algo estranho naquele bufão. E estava certo. No entanto, isso não significava que havia tomado uma decisão sábia ao atacar.
O bufão sorriu e ergueu seus braços finos para bloquear o ataque.
Clang!
Então, abaixou a mão.
Splat!
— Hmph, hmph, acho que isso deve ser suficiente para me recuperar — cantarolou o bufão enquanto subia no diabo.
O corpo estremeceu ocasionalmente, apesar de ter perdido a cabeça, mas parou quando o bufão acariciou sua barriga. À medida que o bufão absorvia a energia demoníaca, o imenso cadáver murchava enquanto sua máscara quebrada se regenerava.
O bufão estava concentrado em sua recuperação quando notou uma carta caindo do céu.
— Hmm…! — exclamou o diabo bufão, surpreso.
A carta não era o que esperava. Em vez de repreendê-lo por brincar com o homem renascido, o sacerdote trazia notícias completamente inesperadas.
— Um demônio mais poderoso que um diabo, hein…? — murmurou o bufão.
Se a notícia tivesse vindo de qualquer outra criatura, teria simplesmente rido. Um demônio era um humano que recebia energia demoníaca por meio de um pacto com um diabo. Logo, não poderia estar à altura de um diabo que nascera do próprio mal.
Para compensar essa diferença fundamental, o humano em questão precisaria ter poderes sobre-humanos. No entanto, aqueles com tal poder geralmente tinham um ego forte demais para cair na tentação de um diabo.
No entanto…
“Já vi algo parecido antes, então isso não soa como uma ideia impossível”, refletiu o bufão.
Um grande mago de Runetell, hein? Embora se perguntasse como o sacerdote planejava subjugar uma criatura tão orgulhosa, decidiu deixar seu colega fazer o trabalho. Afinal, o sacerdote compreendia os corações humanos um nível acima do bufão, e foi exatamente por isso que fizeram um acordo.
— Hmm… hmm.
Crush! Crush!
Enquanto dilacerava o cadáver com uma faca do tamanho do próprio corpo, o diabo bufão resmungava. Ainda não se sentia muito bem. Esperando o momento do reencontro, esgueirou-se para o coração da Floresta Gabir.
— Obrigado, Mestre Airen Farreira e Barão Harun Farreira! Ah, e não podemos esquecer de você, Senhorita Kiril Farreira. Nós estamos tão, tão…! — exclamou o rei de Heyle ao se despedir dos Farreira após o término do banquete. Embora fosse algo habitual para o amistoso rei, as emoções em seu rosto diziam o contrário.
Mas como ele poderia não se emocionar, depois que aqueles três salvaram o banquete de um desastre e preservaram o orgulho dele, e do reino?
— Phew, nem sabemos o que dizer. Desculpem-nos. É só muito comovente vê-los… — murmurou o rei.
— Estamos honrados com sua graça, Vossa Majestade — respondeu Harun.
— Haha, que pena não podermos pedir sua mão em casamento, pois não temos uma filha.
— Haha… Agradeço sua oferta.
O rei lambeu os lábios ao ouvir a resposta respeitosa do barão. De fato, sentia-se lamentável. Se pudesse, teria uma filha naquele instante só para implorar pela mão de Airen, embora soubesse o bastante para não expressar tal absurdo em voz alta.
Felizmente para ele, Airen também recusou todas as propostas vindas de Sonan ou Colon. Afinal, o rei não suportaria entregá-lo a um desses reinos. Não importava o que dissessem, os quatro reinos seriam rivais para sempre.
— Opa, seguramos vocês por tempo demais. Pedimos desculpas — disse ele.
— De maneira alguma, Vossa Majestade. Não precisa se desculpar… — respondeu Airen.
— Phew. Mais uma vez, obrigado. Muito obrigado. Se pudesse, eu mandaria erguer sua estátua bem no meio do castelo com meu próprio dinheiro…
— Pode parar por aí, Vossa Majestade — disse a rainha, interrompendo o rei antes que ele continuasse divagando e finalmente permitindo que os Farreira deixassem o palácio.
O pai, o filho e a filha passaram um tempo silencioso juntos, embalados pelo som ritmado das rodas da carruagem.
Infelizmente, aquela paz não durou muito.
— Filho — chamou o barão.
— Sim, senhor — respondeu Airen.
— Você disse que já tem alguém em mente?
— Sim, senhor…
— Ela é… aquela jovem da renomada… Casa de Lindsay que eu conheço…?
Airen Farreira ficou em silêncio por um momento antes de finalmente assentir.
Era estranho. Desde que pegou sua própria espada, não, desde que começou sua jornada para encontrar sua espada, Airen nunca hesitou em se expressar.
No entanto, agora sentia-se envergonhado e queria se esconder, apesar de saber que seus sentimentos não eram errados.
“Por que será?”, pensou.
“Vejo que ele ainda tem um longo caminho a percorrer nesse tipo de coisa”, pensou o pai, sentindo-se afeiçoado pelo filho e por seus sentimentos confusos.
Para ser sincero, Harun sentia-se um pouco distante de seu próprio filho ultimamente. Em sua mente, Airen ainda era um menino frágil que precisava de orientação. Seus pensamentos não mudaram nem mesmo quando Airen se formou na Academia de Esgrima Krono e derrotou demônios.
No entanto, desde que Airen voltou para casa após dois anos de jornada, especialmente depois de mostrar sua espada na aula especial, Harun percebeu que seu filho havia crescido além dele.
É claro que ele acolhia essa mudança. Tinha orgulho do filho. No entanto, perceber que seu filho agora estava além de seu alcance, enquanto o via se destacar como um herói durante a competição de caça, o deixava melancólico.
“Bem, vejo que ele ainda precisa de alguma ajuda do pai”, pensou Harun com um sorriso gentil.
Ele não se lembrava da última vez em que pensara em amor e confissão. No entanto, acreditava que, pelo menos nisso, tinha um pouco mais de experiência que o filho, especialmente considerando o jeito envergonhado de Airen.
Tendo tomado sua decisão, o barão voltou-se para a filha, que o encarava com confusão.
— Filha — chamou Harun.
— Sim? — respondeu Kiril.
— Pode nos deixar por um momento?
— Hã? Por quê?
— É difícil conversar com Airen com você por perto.
— Hah, sério? Isso é ridículo. Por que eu não posso ficar quando você pode? Eu sou muito boa em dar conselhos sobre relacionamentos, sabia? — protestou Kiril.
— Mas você também não tem experiência com relacionamentos — apontou o pai.
— Ah, bem… suponho que sim — murmurou Kiril, sem estar exatamente pronta para contar ao pai tudo sobre sua vida amorosa.
Afinal, Kiril era tão jovem quanto Airen. Sem palavras, resmungou e saiu da carruagem. Mesmo em movimento, ninguém se preocupou. Ela era uma feiticeira, afinal.
Agora a sós, Harun sorriu.
— Se quiser dizer algo, pode dizer. Se não quiser, não tem problema. Mas estou curioso para saber como meu filho desenvolveu tais sentimentos por essa pessoa… — começou. — Devemos beber alguma coisa?
— Não, estou bem — murmurou Airen, balançando a cabeça.
Mas isso não significava que não queria conversar. Apenas não achava que precisaria de um empurrão extra. Para ser sincero, Airen estava frustrado desde que percebeu seus próprios sentimentos. Queria mostrar a alguém a urgência e a paixão que sentia, mas não queria conversar com qualquer um.
Nesse sentido, seu pai era o ouvinte perfeito. Logo, Airen começou a falar sobre Illia.
— Então, hum…
Embora nunca tivesse sido um grande orador, Airen achou particularmente difícil encontrar as palavras naquele dia, hesitando repetidamente enquanto tentava explicar algo que simplesmente não conseguia expressar. Aquilo era mais difícil do que discutir esgrima diante de uma plateia.
Suor escorria de sua testa. E, conforme tentava explicar, percebeu que amava Illia mais do que imaginava.
— Hmm… hmm — murmurou o pai, começando a entender os sentimentos do filho.
Ele também começou a enxergar quem era Illia Lindsay. Não apenas a prodígio que abalou o continente inteiro, mas também uma mulher encantadora que conquistou o coração de Airen.
“Ela parece ser uma boa garota”, pensou, desejando vê-la e conversar com ela, mesmo que por um breve momento.
Embora não quisesse se intrometer na vida amorosa do filho, não pôde evitar sentir curiosidade como pai. Harun Farreira sacudiu a cabeça. Aquilo era ridículo. Não era como se os dois jovens estivessem juntos há muito tempo, ou sequer estivessem juntos. Seu filho apenas nutria sentimentos por ela, o que significava que também poderia ser rejeitado. E, ainda assim, ele já estava pensando em conhecê-la…
“É como se eu estivesse me preparando para conhecer os pais dela antes mesmo de estarem noivos!”
Calma. Precisava se acalmar. Harun Farreira repreendeu-se mentalmente. Ouvir a história de Airen o deixava mais animado do que o próprio filho. Precisava se controlar.
Agora, eles se aproximavam de casa. Ao passarem pelo portão e se aproximarem da mansão, Harun assentiu, dizendo a si mesmo que conversaria com sua esposa e pensaria em alguns conselhos úteis para o filho.
Estava prestes a descer da carruagem e seguir seu caminho quando…
— Airen! — chamou uma voz desconhecida.
No entanto, Airen e Kiril reconheceram-na imediatamente.
Enquanto os dois olhavam horrorizados, a pessoa que chamara o nome de Airen avançou e o puxou para um abraço.
— Airen — murmurou Illia.
— Hã? — gaguejou Airen.
— Senti tanto a sua falta…
— Ah, sim… eu também…?
Havia algo diferente no tom e na voz de Illia. E Airen sentiu um leve cheiro de álcool. Ele permaneceu parado, desconfortável, diante do rosto corado de Illia Lindsay.
— Ah, acho que já é tarde demais… — murmurou Brett.
— Já é tarde demais, Brett — disse Lulu.
Os dois olharam melancolicamente para Airen e Illia.
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