Índice de Capítulo

    “O que está acontecendo?”, pensou Illia Lindsay após aceitar o convite de Airen Farreira.

    Meio nervosa e meio animada, ela aguardava seu velho amigo. Nunca imaginou que as coisas tomariam esse rumo quando acordou pensando em como poderia amenizar seus erros e fazer com que tudo voltasse ao normal sem parecer estranho.

    Claro, isso era o menor de seus problemas no momento. A cabeça de Illia estava cheia de pensamentos sobre o encontro que estava prestes a ter. Isso era óbvio até mesmo pela maneira como estava vestida.

    “Será que minha roupa está boa?”, pensou.

    Embora não estivesse tão extravagante quanto no baile, também não estava tão prática quanto quando viajava. A roupa que escolheu era fofa sem ser exagerada. Ainda assim, estava preocupada.

    Como Airen reagiria a esse seu lado, usando um perfume suave, uma maquiagem leve e brincos que normalmente não usaria?

    Enquanto esses pensamentos corriam por sua mente, a pessoa que ela esperava apareceu.

    — Illia — chamou Airen.

    — Airen… — murmurou Illia.

    — Faz um tempo.

    — Sim. Faz um tempo.

    Illia corou levemente. Para ser justa, não fazia tanto tempo assim. Afinal, eles haviam se visto no dia anterior, por mais que ela quisesse apagar aquele dia da memória.

    Felizmente, Airen não mencionou nada sobre aquele incidente, apenas olhou para ela com um sorriso. Illia retribuiu o olhar. Enquanto encarava o rosto que tanto ansiava ver, pensava no que poderia dizer. Por algum motivo, ele parecia ainda mais bonito do que imaginava.

    — Ficou bom em você — comentou Airen.

    — Hã? Ah! — respondeu Illia.

    — Seus brincos. Acho que nunca a vi usando antes.

    — Oh? Ah, eu só…

    Blush.

    Illia corou ainda mais, sua mente girando. O que ele quis dizer? Será que ele a elogiou? Estava dizendo que ela era bonita? Ou apenas que os brincos combinavam com ela? Talvez ela não devesse extrapolar.

    De qualquer forma…

    “Ele percebeu na hora”, pensou Illia.

    De fato, Airen notou imediatamente que havia algo diferente nela. Era estranho ver Airen reconhecer tão rápido justamente o detalhe no qual ela havia pensado tanto.

    Claro, ela não podia reclamar. Na verdade, estava bastante feliz, tão feliz que não conseguia controlar sua expressão.

    “Ugh, como será que estou parecendo agora?”, pensou Illia, estremecendo antes de tentar recompor o rosto.

    Mesmo sem ver seu próprio rosto, tinha certeza de que estava parecendo estranha. Sentindo-se envergonhada novamente, desviou o olhar, preocupada que Airen pudesse achá-la esquisita.

    Ah, por quanto tempo teria que ficar ali? Felizmente, não precisou se preocupar por muito tempo. Uma carruagem desceu do céu.

    Para ser exata, não era uma carruagem puxada por cavalos, mas sim por um grifo de cabeça de papagaio com um laço engraçado. A criatura pousou com uma graça incomum. A carruagem em si também desceu suavemente, talvez auxiliada por feitiçaria, parando diante de Illia e Airen. Então, Kiril Farreira saltou de Cherry, o grifo, fazendo uma reverência.

    — Olá. Meu nome é Kiril Farreira. Serei responsável pelo transporte de vocês hoje — saudou.

    — Prazer em conhecê-la. Sou Lulu.

    — Podemos ir, então? — convidou Kiril.

    — Hm… — Illia hesitou, atordoada.

    — Vamos, Illia — disse Airen, segurando sua mão.

    — Oh — murmurou Illia.

    Ao invés de agarrar sua mão, Airen a segurou gentilmente para não a incomodar. Assim, Illia não conseguiu evitar segui-lo para dentro do veículo. Logo, estava sentada em um assento macio, de frente para Airen.

    — Partiremos agora — anunciou Kiril, a condutora.

    — Partiremos — repetiu Lulu.

    A carruagem começou a se mover. Graças às duas feiticeiras conduzindo cuidadosamente, o trajeto era surpreendentemente suave.

    — Há um lugar para onde quero ir, mas seria um pouco longe demais para ir de carruagem comum — explicou Airen.

    — Como está? Espero que não esteja desconfortável. Ah, e desculpe por decidir o itinerário sem perguntar antes — ele se desculpou.

    — De forma alguma. Você não precisa se desculpar… — sussurrou Illia, olhando pela janela.

    Era estranho. Não era como se nunca tivesse viajado em grifos antes, nem como se estivesse vendo aquela paisagem pela primeira vez. Afinal, foi pelos mesmos céus que voou quando foi para a propriedade Farreira. Ainda assim, parecia diferente, muito diferente.

    “Se antes eu me sentia como a protagonista de uma novel de aventura, voando em um grifo para derrotar um rei demônio, agora…”, pensou Illia, lançando um olhar furtivo para Airen.

    Agora, sentia-se como uma personagem de uma novel romântica, cruzando os céus em uma carruagem mágica conduzida por uma gata feiticeira ao lado de alguém que amava.

    — Oh, chegamos — disse Airen.

    — Hã? Já? — perguntou Illia, surpresa.

    Ela queria aproveitar a atmosfera por mais um tempo, voando pelo céu com Airen como se estivessem sozinhos no mundo.

    Claro, não deixou seus sentimentos transparecerem. Não precisava.

    — Permita-me escoltá-la, minha senhorita — disse Airen, brincalhão, mas sincero.

    Illia o encarou por um instante antes de aceitar sua mão e descer da carruagem. Não precisava se preocupar ou se decepcionar. Ao contrário da história que leu quando criança, nada mudou quando saiu da carruagem.

    “Ele ainda estava ali…”

    Airen ainda estava ao seu lado, sorrindo. Ela não soltou sua mão.

    — Eles parecem bem.

    — Sim. Não precisamos nos preocupar.

    — De fato, parecem bem.

    Kiril, Lulu e Brett observavam o casal com carinho.


    Sebantino, a cidade livre do Reino Gaveirra, era conhecida por sua arte.

    Artistas de todas as disciplinas, de pintura e música a performances, enchiam as ruas, assim como as pessoas que vinham para apreciá-los, tornando a cidade especialmente festiva no outono.

    Illia e Airen sentiam o mesmo. Caminhar por aquelas ruas lhes permitia um raro momento para aproveitar algo além da esgrima.

    — Devemos ir ver aquilo?

    — Uau, eles estão pintando um retrato em menos de um minuto.

    — A música soa agradável…

    — Agora que já vimos bastante das apresentações de rua, devemos entrar?

    No começo, Illia estava hesitante em aproveitar a Rua dos Artistas. De fato, parecia bastante nervosa no início do encontro, apenas seguindo Airen enquanto ele a guiava. Mas isso logo mudou. À medida que esquecia o incidente embaraçoso do dia anterior e percebia que Kiril e Lulu haviam sumido, a realidade de que tinha aquele momento só para si, sem ninguém observando, finalmente se fez presente. Assim, ela começou a aproveitar de verdade seu tempo com Airen.

    No passado, isso teria sido impossível. Como alguém que evitava se expor, que não gostava que os outros soubessem o que fazia ou demonstrar seus sentimentos, jamais teria conseguido agir assim diante daquele que amava. Afinal, não confiava em ninguém, nem em si mesma.

    Agora, no entanto, era diferente. Illia parou e olhou para Airen.

    — O que foi? — perguntou o loiro com um sorriso caloroso.

    — Só estou feliz — disse Illia, sorrindo, olhando para o rosto dele como se fosse uma obra de arte.

    Ele sorriu.

    Ela, no entanto, não estava tão relaxada assim. Embora não estivesse corada nem paralisada, sentia-se tão nervosa quanto possível, mesmo tendo total controle de seu corpo. Mas queria ser sincera. Queria expressar-se e dizer o que sentia. Foi por isso que disse o que disse. Ainda assim, não conseguia se expressar completamente de forma que os outros não a interpretassem mal.

    — Eu também gosto disso — respondeu Airen com outro sorriso.

    Ele provavelmente não quis dizer nada com isso. Provavelmente se referia ao festival e ao momento de descanso que estava tendo. Provavelmente não estava falando sobre ela.

    Illia sentiu-se ao mesmo tempo nostálgica e aliviada.

    “Eu ainda não consigo fazer isso…”, pensou, enquanto seguiam para o jantar.

    — Boa noite. Obrigado por escolher o Vanglass. Permitiria-me servir o vinho primeiro? — disse o garçom.

    — Preparamos um vinho de Sebantino que harmoniza com a entrada. Por favor, apreciem o sabor rico e refinado.

    — Como acompanhamento para o bife, que tal um vinho tinto? Temos uma garrafa maravilhosa que acabou de chegar…

    — E para a sobremesa, gostaria de recomendar alguns coquetéis. Tem um toque cítrico e…

    — Você é o Brett, não é? — Illia interrompeu de repente.

    — Do que está falando… — protestou o garçom.

    — Por favor, vá embora.

    — Me desculpe, mas quem é Brett? Meu nome é…

    — Já chega, Brett — disse Airen.

    — Como vocês sabiam…? — murmurou Brett.

    — Apenas vá — resmungou Illia.

    O garçom, ou melhor, Brett disfarçado, afastou-se, murmurando sobre como seu disfarce era perfeito. O casal suspirou. Era impossível não reconhecer seu amigo com seus gestos nobres e sua obsessão por bebidas.

    — Desculpe. Não sei por que ele fez isso — desculpou-se Airen.

    — Está tudo bem. Foi engraçado — respondeu Illia com um sorriso.

    Era verdade. Para ser sincera, ela não estava se sentindo muito bem antes do jantar. O convite repentino de Airen e a mudança de comportamento a haviam deixado animada além do que podia controlar, a ponto de perder o domínio sobre suas próprias emoções.

    “Não posso me precipitar”, disse a si mesma, forçando suas emoções para baixo.

    Embora estivessem mais próximos do que nunca, e embora fosse totalmente possível que aquilo com que sonhava pudesse acontecer naquele dia, ela não queria pensar no contrário. A ideia de que aquele momento feliz poderia se desfazer a assustava.

    De fato, foi por isso que não se incomodou com a travessura ridícula de Brett. Sentada diante daquele que mais amava, Illia sentiu-se encolher.

    “Estou tão nervosa.”

    Airen Farreira olhou para Illia atentamente. Seus olhos pousaram em seu nariz, lábios, orelhas, nos brincos que ela normalmente não usava, e finalmente encontraram os belos olhos dela, que o encaravam de volta. Eram lindos. Talvez não fossem menos belos antes, mas agora pareciam ainda mais bonitos.

    “Provavelmente porque meus sentimentos por ela cresceram”, pensou Airen.

    Acostumado a se rebaixar, o antigo nobre preguiçoso sentia-se tão nervoso quanto Illia. Mas… hoje, ele não podia recuar.

    — Illia — chamou Airen.

    Os dois caminhavam pela rua após saírem do restaurante. Illia parou e olhou ao redor antes de voltar seu olhar para Airen. O fato de a rua estar deserta e a maneira como ele a olhava intensamente fizeram suas emoções entrarem em conflito novamente. Sua mente lutava entre esperança e cautela.

    Foi então que Airen lançou a bomba.

    — Eu te amo. Não como amiga, mas como mulher.

    — Eu te amo muito — disse Airen, clara e firmemente, para que ela não o interpretasse mal.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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