Capítulo 271: Visitante Secreto (4/5)
No frio do amanhecer, Airen Farreira despertou e sentou-se para entrar em sua mente pela primeira vez em muito tempo.
A espada de ferro permanecia firme como sempre, enquanto o fogo ardia para mantê-la afiada. A água fluía ao redor, contendo as chamas. À primeira vista, nada parecia ter mudado desde sua epifania na propriedade Lloyd.
Mas isso não era verdade. Observando o quanto o rio havia se tornado mais profundo e mais amplo, Airen assentiu.
“Mais uma vez, me beneficiei de muitas pessoas”, pensou.
Liberando as emoções que se acumulavam num canto escuro de sua mente e deixando-as serem levadas pela correnteza, voltou-se para se comunicar com aqueles que amava e recuperou sua paz. A palavra-chave era: comunicar. Assim como Airen expressou sua verdade, os outros também expressaram suas emoções e verdades. Foi algo ainda mais intenso do que aquilo que ele havia liberado. Embora tenha enfrentado malícia de pessoas como o grande mago de Runetell, experimentou muito mais boa vontade.
O pequeno fio de água tornou-se um riacho, que cresceu até se tornar um rio. A energia crescente da água parecia conceder a Airen um imenso poder. Como sabia que essa sorte inesperada não era mérito apenas seu, não pôde deixar de sentir ainda mais humildade ao reconhecer as amizades refletidas naquela corrente.
“Não devo me envaidecer. Este é um momento delicado”, advertiu-se.
Mas ele não tentava ostentar humildade. Agora, entendia que havia aprendido a Arte dos Cinco com a tribo Drukali. Ter em excesso era mais perigoso do que ter pouco. Era necessário algo que equilibrasse essa energia transbordante.
De fato, era por isso que ele buscava a energia do fogo para controlar seu aço. Da mesma forma, aprendera a espada da água para conter o fogo que havia herdado de Ignet. Então, como deveria controlar a torrente de água que fluía de toda a boa vontade que recebera?
Ele tinha uma ideia geral do que precisava fazer. Precisava fortalecer a energia da terra para sustentar a água. No entanto, ainda não sabia exatamente como faria isso.
O que o surpreendeu, porém, foi perceber que a energia da terra já havia crescido notavelmente.
“O que aconteceu?”
Airen franziu a testa. Ele sabia que a energia da terra se tornara mais forte. Agora, era ampla o bastante para suportar o grande rio que fluía dentro dele. Se fosse menor, já teria enfrentado problemas. Estaria se afogando — seja em seus próprios sentimentos ou nos dos outros.
— Uff…
Decidindo que já havia meditado o suficiente, Airen abriu os olhos e empurrou a janela. Ele sorriu ao ver o céu brilhante antes de adotar uma expressão melancólica. Hoje era o dia em que os Lindsay, que haviam permanecido na propriedade por um longo tempo, finalmente partiriam.
Depois de observar o lado de fora por mais um tempo, Airen se preparou para despedir-se dos convidados.
— Voltarei na próxima vez — disse Illia.
— Não. Da próxima vez, eu é que irei visitá-la — respondeu Airen.
— Tudo bem.
— É.
Para um casal recém-formado, Airen e Illia pareciam bastante calmos. No entanto, seus olhares diziam o contrário.
“Calma. Está tudo bem. Claro que ficariam assim ao estarem juntos”, pensou Joshua em silêncio, observando o casal se encarar intensamente.
Ele fechou os olhos quando uma energia começou a emanar de seu corpo.
Porém, seu desconforto não durou muito. Ele relaxou um pouco quando o Barão Harun Farreira chamou sua atenção.
— Na próxima vez, visitarei sua casa — disse Harun.
— Quando quiser. Estarei esperando — respondeu Joshua.
A conversa foi curta e objetiva, como costumava ser entre pais. Mas isso bastava. Os dois homens haviam cultivado uma amizade tão forte que até Airen, Illia, Amelia, Kiril e Lulu podiam perceber.
Por outro lado, alguns, como Marcus, eram mais calculistas.
“Os Farreira agora são muito mais do que uma mera casa de barões!”, pensou ele, orgulhoso.
Mesmo antes, os Farreira já tinham uma situação financeira equivalente à de um visconde comum. E agora? Talvez estivessem no nível de um conde, ou até mais alto!
Marcus não conseguia fazer os cálculos exatos. Mas uma coisa era certa: aquela pequena terra tornara-se mais influente do que todo o Reino Heyle.
— Então, estou indo — disse Joshua.
— Cuide-se. A senhora também — respondeu Harun Farreira.
— Obrigada por tudo. O grifo da senhorita Farreira poderá nos levar de volta em uma semana… Quando chegarmos, ao menos escreveremos uma carta. Vamos amarrá-la ao pescoço dele.
— Amarre nos pés! Cherry não gosta quando prendem algo no pescoço dela — alertou Kiril.
— Entendido.
— Terminarei o trabalho antes de sua próxima visita, então se anime. Se puder, farei mais uma para você, Mestre Lindsay — disse Vulcanus, o ferreiro.
— Agradeço. Bem, então…
Após a despedida de Vulcanus, os Lindsay montaram em Cherry, o grifo. Illia Lindsay acenou enquanto Joshua Lindsay olhava para baixo, sério como sempre.
Os dois foram ficando cada vez menores, até finalmente desaparecerem no horizonte. Airen permaneceu ali, olhando para o céu por um longo tempo, nostálgico.
Queria passar mais tempo com Illia. No entanto, isso não era insuportável.
Por fim, Airen desviou o olhar e fechou os olhos para sentir o fluxo dentro de si. Entre todos os laços preciosos que tinha, fosse com seu pai, mãe, irmã, Lulu, colegas da Academia de Esgrima ou os Drukali, o que compartilhava com Illia era o que mais ressoava em seu coração.
Disse a si mesmo que precisava ter um coração grande e firme para poder abraçar esse relacionamento em vez de ser levado por ele.
— Ah.
Foi então que Airen percebeu por que havia crescido tão rapidamente ultimamente e como a energia da terra havia aumentado antes mesmo que ele notasse. Se antes queria fugir da atenção, das expectativas e do amor dos outros, agora queria retribuir esses sentimentos. Essa determinação provavelmente ajudou em seu crescimento.
— Vou dar o meu melhor… — murmurou.
— Hã? O que disse? — perguntou Lulu.
— Nada. Bem, não é nada, mas…
— Hmm?
Lulu inclinou a cabeça, encarando Airen, que apenas riu. Após acariciar a cabeça da gata negra, dirigiu-se ao campo de treinamento. Embora dissesse a si mesmo que focar nos outros ou aprender sobre o mundo também era parte do treinamento, hoje queria focar em sua espada.
“Aprendi bastante”, murmurou Joshua Lindsay enquanto voava sobre o grifo de cabeça de papagaio.
De fato, enquanto pensava que estava ensinando Airen no começo, Joshua percebeu que foi ele quem aprendeu algo novo.
Airen deixou para trás seu passado doloroso e seguiu seu próprio caminho, sem deixar que o medo de um futuro pouco promissor o paralisasse.
Por outro lado, Joshua ainda lamentava o passado e deixava o trauma dominar seu presente e futuro. A forma como ele superprotegia Illia Lindsay era uma prova disso. Ele finalmente percebeu que a razão pela qual estava obcecado pela segurança e futuro de sua filha era porque…
Era porque ainda não superei a culpa que sinto por Karl Lindsay,
meu filho.
Joshua fechou os olhos em silêncio, imaginando um rosto que parecia se tornar cada vez mais distante. Sua própria expressão, no entanto, estava dura e severa, enquanto seu filho se tornava cada vez mais sombrio a cada dia. Ele precisava deixar ir. Precisava fazer isso se quisesse que sua família e ele mesmo voltassem ao normal, se quisesse que sua filha fosse feliz.
No entanto, havia alguns pontos positivos. O primeiro foi que ele finalmente encarou a verdade que vinha negando. O segundo foi que Airen Farreira lhe mostrou o caminho.
Joshua lembrou da espada de Airen, de seus olhos e de sua determinação. Também se lembrou do espadachim de cabelo azul que conheceu em seu caminho até a propriedade Farreira.
— Pai, estamos quase lá — disse Illia.
— Já? — perguntou Joshua, surpreso, saindo de sua meditação.
— Sim. Já consigo ver.
Ela estava certa. Ele assentiu enquanto olhava para suas próprias terras. Sentiu-se bastante bem. A turbulência interna que o consumia até mesmo enquanto subia no grifo parecia ter se acalmado.
Claro, isso não significava que todos os sentimentos negativos haviam desaparecido. Ele precisaria de mais tempo e esforço. Seria um caminho difícil e lento, já que havia ignorado tudo por tanto tempo. Ainda assim, ele não se importava. Era o suficiente para ele ter feito essa realização antes que fosse tarde demais.
O chefe da casa sorriu para sua filha enquanto saltava do grifo. Foi então que uma voz familiar atingiu seus ouvidos como uma agulha.
— Mestre Lindsay — ela chamou. — Ignet Crecensia, a Capitã dos Cavaleiros Negros do Reino Sagrado Arvilius, pede por uma lição.
Joshua Lindsay, chefe das cinco casas de espadachins, virou-se lentamente para encarar uma cavaleira de cabelos negros que o olhava com sinceridade. Ele percebeu imediatamente que ela havia se tornado muito mais forte desde a última vez em que cruzaram espadas em Lavaat ou quando teve sua epifania. Mas ele não se importou em apontar isso.
— Não estou me sentindo muito bem hoje — disse ele, com a expressão impassível. — Estou avisando que vou ser bem rude. Se você só quer uma luta amistosa…
Swoosh!
— Você deveria ir agora.
No entanto, Ignet não se intimidou diante do vento feroz. Não importava o quão vasto fosse o céu ou o quão cruel fosse o vento, o sol não perderia seu brilho.
Mantendo a compostura, ela sorriu friamente.
— Por favor, seja tão duro quanto prometeu. Cheguei ao ponto onde não posso crescer se não me esforçar ao máximo.
— Vamos para outro lugar — disse Joshua, interrompendo Ignet.
Mas ele não estava evitando a luta. Pelo contrário, ele queria fazer isso da maneira certa. Se lutasse ali, acabaria quebrando coisas, então preferia ir para um lugar onde pudesse enfrentá-la sem se preocupar com mais ninguém.
Foi quando uma voz falou. Era Illia Lindsay.
— Eu quero assistir — disse ela.
— Posso?
— Siga-me — acenou Joshua Lindsay.
Illia Lindsay olhou para ele nervosa.
Ignet Crecensia parecia brilhar através da tempestade. Embora seus acompanhantes não pudessem segui-los enquanto saíam rapidamente do castelo, alguns fizeram.
Um sacerdote, um bufão e um espadachim observavam a luta em silêncio.
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