Capítulo 287: Incontáveis (1/3)
— Vamos juntos para o Reino Sagrado.
— O quê? Não está feliz?
— Não, não é isso… — Airen Farreira deixou a frase no ar.
Para ser sincero, estava surpreso. Vulcanus não era um anão sociável. Passava o dia inteiro na forja, a menos que fosse absolutamente necessário sair, um hábito que piorara depois do que aconteceu dois anos atrás. Por isso, não pôde evitar o espanto quando o anão expressou interesse em acompanhá-lo até Arvilius.
“É uma oportunidade rara, com dezenas de mestres espadachins. Talvez ele queira vê-los e se inspirar…”, pensou.
Mas balançou a cabeça logo em seguida. Se fosse esse o caso, Vulcanus não precisaria viajar com ele. Afinal, Airen pretendia seguir a pé para observar o mundo, algo que não fazia há tempos. Seria mais fácil para o anão viajar de grifo com Kiril depois. Ou talvez a história de Airen sobre como o mundo o ajudou a crescer tivesse influenciado Vulcanus?
Mais uma vez, sacudiu a cabeça. Não havia como um anão teimoso como ele ser influenciado tão facilmente.
Mas, surpreendentemente, foi exatamente isso que aconteceu.
— Quero ir com você e experimentar o mundo. Pretendo refletir sobre mim mesmo ao me deparar com diferentes pessoas — explicou Vulcanus.
— Sim, fui influenciado por você. Você pode ser bem mais jovem, mas é alguém de quem posso aprender algo. Achei que não seria uma má ideia seguir no seu ritmo.
— Seu bastardo, por que não diz nada? O que foi esse olhar?
— Ah, eu…
Airen ficou ainda mais nervoso. Não esperava que Vulcanus, que sempre teve padrões elevados para si mesmo e para os outros, deixasse seu orgulho de lado para aceitar o conselho de alguém, e ainda admitisse os pontos fortes desse alguém.
Um dos aprendizes olhava para seu mestre completamente perplexo. Mas Vulcanus não parecia abalado.
— Não tenho vergonha de admitir isso para você, embora talvez não dissesse o mesmo a mais ninguém. Afinal, esses são meus sentimentos honestos — disse o anão.
Ele também sabia que não era do tipo que ouvia os outros. Em parte, era de sua natureza; em parte, vinha do orgulho de ter alcançado o topo de sua arte. De fato, Vulcanus tinha certeza de que não se curvaria a ninguém, fosse um rei poderoso ou um dos Três Grandes Espadachins do continente. Nem conseguia imaginar a possibilidade de elogiar outra pessoa.
E foi isso que tornou Airen Farreira tão especial. Sua influência gentil fez até mesmo um anão rabugento e exigente como Vulcanus abrir seu coração.
Enquanto muitos se concentravam apenas na habilidade de Airen com a espada, o ferreiro Vulcanus acreditava que sua verdadeira força era sua bondade.
— Vou ser sincero com você. Obrigado. Obrigado por me inspirar tanto e por me tirar do meu pequeno mundo para experimentar algo maior. Eu não teria conseguido sem você. Não posso dizer que isso é um pagamento, mas… Pretendo usar meu talento para o bem — continuou.
— O quê? — questionou Airen.
— Vou fornecer armas tão boas quanto as Espadas Numeradas para todos que participarem do Festival dos Heróis e para aqueles que lutam contra diabos e demônios — declarou Vulcanus.
— Não farei isso em meu nome. Farei em seu nome. E não aceito um “não” como resposta.
— Uhm… ah… — murmurou um dos aprendizes, parecendo ter perdido a alma.
Afinal, ele conhecia o orgulho de seu mestre em relação ao próprio trabalho. De fato, o próprio Vulcanus ponderou muito antes de tomar essa decisão. Nos últimos dois anos, suas habilidades cresceram, tornando-o ainda mais criterioso ao escolher quem merecia suas obras. Oferecer suas criações a tantos, sem seguir seus padrões rígidos, teria sido impensável em circunstâncias normais.
Mas isso era diferente. Ele fazia isso para expressar sua gratidão a Airen. Queria apoiar o herói com um sonho que tantos ridicularizavam. Queria encorajá-lo para que sua vontade se espalhasse um pouco mais pelo continente.
Talvez sentindo os pensamentos do anão, Airen Farreira sorriu suavemente e disse:
— Obrigado. De verdade.
— Sinto que recebi um presente mais valioso do que qualquer outro. Agradeço novamente.
— Você não precisa exagerar… — resmungou Vulcanus, balançando a cabeça.
Embora gostasse desse humano e acreditasse que ele estava seguindo na melhor direção possível, não pôde deixar de notar o quão absurdamente maduro Airen era para sua idade.
Para ser sincero, ele nem parecia um jovem maduro. Mais parecia um sumo sacerdote com décadas de experiência, mas Vulcanus não podia fazer nada a respeito disso.
“Bem, acho que não posso esperar que ele aja inocente e alegre como qualquer outro da sua idade.”
Vulcanus reprimiu um suspiro. Em vez disso, mencionou outra coisa.
— Ah, a propósito, a espada de Illia Lindsay está pronta.
— Hã? Sério? Sério mesmo?
— Hm, posso vê-la? Ah, talvez eu não devesse olhar antes da Illia. Mas estou curioso. Argh, será que devo me segurar? O que eu faço?
— Mas como está a espada? Ela é incrível, certo? Não que eu duvide das suas habilidades, mas… ugh, por que não consigo organizar minhas palavras?
— Certo. Você não precisa mais falar.
Vulcanus balançou a cabeça, assim como seu aprendiz.
Trocando olhares, ambos pensaram ao mesmo tempo: “Ah, ele continua o mesmo.”
De fato, por mais que Airen agisse de forma calma e centrada como um homem de fé experiente, quando se tratava de sua amada, ele se comportava como qualquer jovem da sua idade.
— Fiz melhor do que você poderia imaginar, então não pergunte mais nada.
— Hm, certo. Mas ainda assim… — murmurou Airen.
— Cale-se.
— Sim, senhor…
— Não quer saber como está a sua própria espada?
— Não muito…
— Vamos parar por aqui — resmungou Vulcanus, virando-se e jogando Airen para fora.
Dez dias após visitar a forja, Airen Farreira partiu em jornada para o Reino Sagrado. Vulcanus era sua única companhia. Kiril tinha assuntos a tratar no Principado de Cezar, e Airen não queria viajar com um grande grupo de pessoas. Sua família parecia planejar viajar de grifo antes do festival. Até mesmo Lulu, que inicialmente iria com ele, desistiu no último momento.
— Desculpe! Meu treinamento em feitiçaria está indo tão bem ultimamente. Quero continuar! — disse Lulu.
— Não se desculpe. Faça o que precisar — respondeu Airen.
— Sim! Irei com Kiril depois, então não fique chateado! Mostre a todos do que é capaz!
Depois de dois anos de viagens, Lulu havia se tornado bastante independente. A gata estava mais reservado e frequentemente ficava perdido em pensamentos.
Ver isso preocupava Airen, especialmente porque Lulu nunca lhe dava uma resposta clara.
“Tenho certeza de que ficará tudo bem”, assegurou a si mesmo.
De fato, ele não estava muito preocupado. Sabia que os sentimentos entre eles não haviam mudado. Não era uma questão de magia, mas sim da forte amizade que compartilhavam.
Tudo ficaria bem. Se houvesse algum problema sério, tinha certeza de que Lulu lhe contaria. Afinal, a gata prometera que se apoiaria nele caso surgissem dificuldades que não pudesse enfrentar sozinha.
“Espero que Lulu se anime logo”, pensou Airen, ao deixar a propriedade e partir em sua jornada pelo continente.
— Faz tempo — disse.
— Para mim também — respondeu Vulcanus.
— Se estiver com dificuldades, me avise. Posso conseguir um cavalo ou algo assim.
— Está me chamando de velho gagá? Ficarei bem, mesmo se monstros aparecerem. Não precisa se preocupar — respondeu o anão, exibindo os bíceps.
Airen riu. De fato, o anão provavelmente era mais confiável do que qualquer mercenário iniciante, considerando sua força adquirida no trabalho na forja. O martelo de guerra que carregava nas costas não era apenas para exibição. Assim, os dois partiram em sua jornada, e uma semana se passou.
— Parece diferente de antes — comentou Airen.
— É mesmo? — perguntou Vulcanus.
— Sim, definitivamente…
Mas Airen não estava apenas se referindo à expressão das pessoas nas cidades e vilas. Embora parecessem mais sombrias, isso poderia ser apenas uma impressão sua. Não tinha provas concretas.
No entanto, a presença cada vez maior de hordas de monstros era uma evidência inegável de que o mundo estava se aproximando das trevas.
— Isso será um golpe enorme para os pequenos comerciantes — comentou Vulcanus.
— Sim. Eles terão que contratar mais mercenários… Também ouvi dizer que o número de viajantes solitários caiu bastante, considerando o quão perigoso está — respondeu Airen.
É claro que isso não se aplicava a eles. Afinal, o que poderia ameaçar um anão musculoso que poderia estourar a coluna de um mercenário comum com as próprias mãos e um espadachim humano que poderia enfrentar centenas de anões como esse?
A única coisa que poderia preocupá-los seria o diabo bufão que perdera e fugira anos atrás. Portanto, não se preocuparam em acampar nos campos, em vez de passarem a noite em uma cidade.
No entanto, um grupo de aventureiros que se aproximou ao ver sua fogueira discordava disso.
— Vocês estão acampando sozinhos nestes tempos perigosos? — perguntou um dos homens.
— Ah, certo. Não somos suspeitos nem nada. Só viemos porque vimos a luz. Só ficamos preocupados ao ver que estão viajando sozinhos… — disse o homem, meio atrapalhado.
— Ethan, você tem que se apresentar primeiro — repreendeu um de seus companheiros.
— Ah, certo. Desculpa. Não somos pessoas estranhas… — murmurou o homem chamado Ethan.
— Isso não parece falso. Vejo que você é um homem de certo renome — murmurou Vulcanus, ao analisar o distintivo de mercenário do homem.
E estava certo. Era dourado, bem, dourado folheado, para ser exato. Mas ainda assim, era um símbolo respeitável. Apenas aqueles qualificados para integrar ordens de cavaleiros recebiam insígnias douradas. Além disso, precisavam de um histórico impecável. Em outras palavras, Ethan possuía as habilidades de um especialista e a reputação de um veterano.
Finalmente relaxando, Vulcanus se apresentou.
— Como podem ver, sou um anão. Nome é Vulcan — disse.
— Ah, entendi. Você é um ferreiro… — começou Ethan.
— É preconceito dizer que todo anão trabalha numa forja. Ou melhor, eu gostaria de dizer isso, mas… é verdade. Ainda assim, tome cuidado com suas palavras — brincou Vulcanus.
— Ah, desculpe. Serei mais cuidadoso a partir de agora. Ei, vocês também deveriam se apresentar — disse Ethan.
— Hã? Bem, isso é meio estranho. Faz tempo que não faço isso. Haha…
Três homens e um elfo se sentaram ao redor da fogueira, rindo de bom humor. Cada um apresentou um item que comprovava sua identidade e se apresentou formalmente. Vulcanus assentiu. Se um mestre artesão como ele não detectava sinais de falsificação, então deviam ser legítimos.
Após todos se apresentarem, a atenção naturalmente se voltou para Airen, que ainda não dissera seu nome. Com um leve aceno de cabeça, ele mostrou sua insígnia de mercenário e disse:
— Prazer em conhecê-los. Sou Airen Farreira.
Mas antes que pudesse terminar a frase, percebeu seu erro.
“Droga, combinamos de usar um nome falso”, pensou.
Vulcanus já era famoso por si só, mas o nome de Airen Farreira se espalhara por todo o continente. Tornar-se um mestre espadachim ainda na casa dos vinte anos e seu recente relacionamento com Illia Lindsay contribuíram para isso.
De fato, a história do romance entre Airen e Illia havia se espalhado do Reino Adan para todo o continente.
Quando as pessoas descobriram que ele já fora um nobre preguiçoso desprezado por muitos, o interesse só cresceu. Afinal, as massas tendiam a se interessar mais por aqueles que subiam ao topo com esforço próprio do que por aqueles que seguiam um caminho de elite desde o início.
Infelizmente, essa fama significava que revelar sua identidade poderia atrapalhar sua viagem. Por isso, decidira usar o nome Aron, enquanto Vulcanus adotava Vulcan.
“Eu devia ter usado o outro distintivo. Acabei mostrando o prateado que fiz em Alcantra…”, pensou Airen, suspirando em arrependimento.
Mas o que poderia fazer agora? Como esperado, os aventureiros começaram a bombardeá-lo com perguntas, olhos arregalados.
— Você é mesmo Airen Farreira?
— Você é aquele de quem falam nos rumores…?
— O mesmo que se tornou mestre espadachim aos vinte e um anos?
— O cara que derrotou a prodígio da Casa Lindsay na Terra da Provação?
— Ah, hum… sim.
No fim, Airen acabou confessando a verdade. Ele era péssimo em mentir. Nunca conseguiria fingir ignorância nessa situação. Mas algo parecia estranho.
— Pfft, pfft… hahahaha!
— Ah… O que é isso?
— Cara… Você interpreta muito bem. É o melhor Airen Farreira que já conhecemos.
— O quê? — questionou Airen.
— Você tem o mesmo cabelo, um distintivo bem feito e… uau, você realmente se esforçou nisso, hein?
— Hã? Eu…
A reação inesperada dos aventureiros fez Airen olhar ao redor, confuso.
“Eles não acreditam nele, acreditam?”, pensou Vulcanus, balançando a cabeça em silêncio.
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