Índice de Capítulo

    Como mencionado antes, as pessoas preferiam histórias de superação em vez de trajetórias lineares de elites. Foi por isso que a história de Ignet Crecensia se espalhou tão rapidamente pelo mundo. Embora sua esgrima fosse o que a colocara no topo, sua origem também desempenhou um grande papel em sua fama.

    O mesmo aconteceu com Airen Farreira que, apesar de ser um nobre, foi desprezado por muito tempo até superar a si mesmo e se tornar o campeão da Terra da Provação, derrotando ninguém menos que Illia Lindsay, a prodígio das Cinco Casas e uma das maiores elites do continente.

    Agora, ele vivia um romance pelo qual qualquer um daria tudo. Muitos repórteres, incluindo Heintz, o jornalista-chefe, escreveram inúmeras matérias sobre ele. Sedentos por qualquer fofoca, continuaram a publicar sobre Airen mesmo depois de seu retorno para casa.

    E então… surgiram os impostores.

    “Bem, como posso culpá-los?”, pensou Ethan, líder dos aventureiros, ao se deparar com mais um desses farsantes.

    Talvez porque Airen tenha viajado bastante pelo continente, ou talvez porque as pessoas percebessem poucas consequências, muitos passaram a se apresentar falsamente como Airen Farreira.

    Embora a febre tenha diminuído um pouco, no ano passado qualquer mercenário loiro e minimamente atraente se apresentava como Airen. Alguns dos mais sérios até arranjavam um gato preto de algum lugar. É claro que a farsa era descoberta assim que as pessoas percebiam que o gato não falava.

    “Mas comparado aos outros, esse cara parece bem decente…”, pensou Ethan, observando o homem loiro à sua frente.

    Com seus cabelos dourados e brilhantes, pele suave, traços gentis e um tom de voz tranquilo, ele era o mais próximo de Airen Farreira que já havia encontrado. O distintivo dele também era bem detalhado. Considerando que Alcantra ficava perto da Academia de Esgrima Krono, esse sujeito devia ter se empenhado bastante para acertar os detalhes.

    Mas…

    — Ei, rapaz. Você pode ter feito tudo certo, mas esqueceu do gato — apontou Ethan.

    — Hã? Um gato? — perguntou Airen.

    — Sim! Lulu, a gata feiticeira! Quero dizer, como alguém pode acreditar que você é Airen sem um gato preto?

    — Hah, acho até melhor que ele não tenha um. Se tivesse, seria desmascarado na hora ao tentarmos falar com o bicho — comentou outro aventureiro.

    — Isso é verdade, mas…

    — Hm, será que há algum jeito de contornar isso?

    Airen olhou para os aventureiros com um olhar vazio. Três homens discutiam entre si sobre como ele poderia parecer mais Airen Farreira sem ao menos ouvir sua resposta, enquanto a elfa do grupo apenas suspirava, exausta.

    “Isso está… estranho”,  ele pensou.

    Era bom que não tivessem percebido quem ele era. Deveria estar feliz com esse mal-entendido. No entanto, sentia-se estranhamente ofendido ao perceber quantos estavam andando por aí fingindo ser ele. Além disso, o fato de aqueles homens estarem tão convencidos de que ele não poderia ser ele mesmo o incomodava ainda mais.

    — Hum… — murmurou.

    — Hã?

    — O que foi, rapaz?

    — Lulu está focada no treinamento de feitiçaria ultimamente… — explicou Airen.

    — Por isso ela não está comigo.

    Crack, crack.

    Silêncio.

    Quietude absoluta.

    Um peso pairou sobre o grupo. Ethan, os aventureiros falantes e a elfa ficaram em silêncio. Apenas o estalar da fogueira preenchia o espaço.

    Mas, claro, aquilo não durou para sempre. Vulcanus, que havia assistido tudo em silêncio, finalmente falou:

    — Como Airen disse. Esse rapaz é Airen Farreira, e eu sou Vulcanus. Saí para conhecer o mundo e aprimorar minhas habilidades para criar espadas numeradas ainda melhores. É isso. Sou o maior ferreiro do continente, Vulcanus.

    — Pfft…

    — Ha, ugh, hahaha… hahaha!

    — Ah, vocês são os melhores comediantes que já conheci! Ah, certo! Havia um boato de que Airen tem uma Espada Numerada!

    — Sim, eu também ouvi. Dizem que ele usa tanto uma espada de feitiçaria quanto uma numerada.

    — Sério? Achei que a espada de feitiçaria foi feita com a ajuda de um ferreiro.

    — Vocês dois estão errados. Ainda não fiz uma espada para Airen. Por isso estou treinando para criar algo que supere sua espada de feitiçaria — protestou Vulcanus.

    — Entendi!

    — Uau, não sabia disso.

    — Claro que não sabia. Não interajo com muitas pessoas.

    — Esse rapaz não é ruim, mas o senhor anão é um espetáculo!

    — Pois é. Você é um ator e tanto, senhor.

    Os aventureiros entraram na brincadeira, animados. Imaginar que esse farsante deixaria de fora a gata feiticeira, já prevendo que isso poderia desmascará-lo, e no lugar traria um anão que fingia ser Vulcanus, o lendário ferreiro!

    Esse Airen falso era o melhor que já haviam visto. E, honestamente, não o achavam desagradável. Afinal, ele não parecia querer tirar vantagem da situação. Apenas contava piadas inofensivas, mas hilárias!

    — Isso não vai dar. Não podemos nos divertir sem uma bebida — declarou Ethan.

    — Ei, Ethan! Não é essa a sua bebida favorita?

    — Seu bastardo. Se acha que sou tão pão-duro, então pode ficar sem bebida.

    — Desculpa, irmão.

    — Hmph! Se essa bebida fizer jus ao nome, posso até dar uma olhada na sua espada depois — resmungou Vulcanus.

    — Uau! Obrigado, senhor Vulcan! — respondeu Ethan.

    — Vulcanus, não Vulcan. E esse aqui também não é Aron, é Airen.

    — Ah, certo. Desculpe. Não vou mais me confundir.

    Airen permaneceu sentado, observando o grupo trocar bebidas alegremente. A essa altura, não havia mais nada que pudesse fazer. Para eles, tanto ele quanto Vulcanus eram impostores. Felizmente, pelo menos, não pareciam incomodados com isso.

    “Bem, acho que alguém está, sim…”, pensou Airen, lançando um olhar para a elfa, que assistia a tudo com uma expressão de desagrado, cutucando a fogueira com um galho.

    “Mas acho que vai ficar tudo bem…”

    Desviando o olhar, Airen sorriu e entrou na conversa dos aventureiros.

    — Que tal eu contar sobre a vez em que treinei com o 101º espadachim antes de ir para a Terra da Provação?


    — Temos mesmo que viajar com ele?

    — Digo, há algum motivo para não irmos? Não é como se você fosse tímido ou algo assim.

    — Como você pode confiar em caras que fingem sua identidade?

    — Ah, qual é. Você viu eles. Não estão fazendo isso de má fé. Só estão se divertindo.

    — Isso é…

    — Além disso, você sabe o quão perigoso é o continente central. Está quase tão ruim quanto o sul ou o oeste. Eu duvido que esses caras tenham noção do perigo. Provavelmente saíram de casa pela primeira vez porque queriam ver o Festival dos Guerreiros. Se encontrarem um monstro ou algo assim, estarão mortos. Você quer ver esses caras morrerem?

    — Estamos indo para o mesmo lugar de qualquer forma. Vamos levá-los conosco, certo? Se surgir algum problema ou se eu sentir algo errado no caminho, mando eles embora.

    — Tsk.

    Jarin, a maga élfica do grupo de aventureiros, não estava nada feliz com a companhia atual. Ela entendia o que Ethan queria dizer, mas não concordava completamente com ele. Para ela, aquele jovem não teria um distintivo de mercenário tão bem feito se não tivesse a intenção de enganar alguém.

    “Pode parecer normal por fora, mas quem sabe?”, pensou.

    Disse a si mesma que ficaria atenta. No entanto, não estava muito preocupada. Afinal, não era alguém que seria enganada facilmente por um viajante qualquer. O mesmo valia para seus companheiros. Além de Ethan, que era um especialista, os outros dois também tinham habilidades suficientes para conquistar um distintivo de prata.

    “Certo. Talvez eu tenha exagerado…”, pensou Jarin, lançando um olhar ao homem loiro.

    Ele era bem constituído e carregava uma grande espada que o verdadeiro Airen provavelmente também carregaria sem esforço, apesar do peso. No entanto, sua expressão gentil sugeria que não era do tipo ardiloso o suficiente para tirar vantagem de alguém.

    “Mas seria tão irritante quanto se tivermos que cuidar dele porque não sabe fazer nada…”, pensou.

    No entanto, a maior parte de suas preocupações desapareceu no terceiro dia de viagem com Airen.

    — Já estive aqui. A Mesa do Katan tem uma comida decente. Que tal irmos lá?

    — Vou pegar um pouco de lenha seca.

    — Eu cuido do jantar.

    O jovem não era nem um pouco inexperiente. Claro, fazia sentido que conhecesse as cidades, caso tivesse nascido na região central. Mas ela nunca imaginou que ele encontraria tão rapidamente seu papel no grupo e ajudaria todos até mesmo nos acampamentos. Sua comida também não era ruim, mesmo comparada à de Giovanni, o cozinheiro designado da equipe.

    — Uau, o que é isso? Não achei que fosse ser tão bom! Você fez aulas ou algo assim? — perguntou Ethan, arregalando os olhos após experimentar um pedaço com hesitação.

    — Sim. Fiz algumas, há dois anos — respondeu o jovem homem.

    — Cara, você fez mais do que apenas algumas aulas. Se está carregando temperos, então deve ter se dedicado bastante.

    — Acho que sim. Eu tinha alguém que gostava da minha comida, sabe.

    — Quem?

    — Illia.

    — Illia? Ah… pfft! Ugh, haha, pfft… Você não pode jogar uma piada dessas enquanto estou comendo. Ah, derramei tudo.

    — Não era uma piada. Aqui, pegue outra tigela. Ah, você também quer mais, senhorita Jarin?

    — Estou bem — cortou Jarin, virando-se friamente diante do sorriso caloroso do falso Airen.

    Bom, era um alívio que ele não estivesse atrasando o grupo, mas ela definitivamente não gostava de suas piadas insolentes, especialmente porque sempre acabava rindo delas sem querer.

    “Como ele consegue dizer essas coisas com uma cara tão séria?”, pensou.

    Ela abaixou a cabeça, refletindo sobre o quão estranho era aquele homem, quando suas orelhas se contraíram. Seu rosto ficou tenso de repente, e ela se levantou, conjurando magia luminosa que iluminou os seres amaldiçoados escondidos na escuridão: esqueletos.

    Essas eram criaturas demoníacas, mortos que foram condenados a vagar pela terra devido à energia demoníaca. No passado, eram quase inexistentes. Mas, nos dias atuais, estavam se tornando cada vez mais comuns pelo continente.

    “Aqueles desgraçados. E a gente nem conseguiu comer direito…”, pensou Jarin, invocando quatro esferas de fogo com seu cajado.

    Os outros foram ainda mais rápidos. Nenhum dos aventureiros pareceu abalado ao avançar para o combate. Afinal, esqueletos, por mais demoníacos que fossem, não eram particularmente poderosos. Para um grupo de veteranos, incluindo um especialista, não representavam ameaça alguma.

    O problema, no entanto, eram os dois novatos. Jarin já vira muitos mercenários paralisarem ao enfrentar a energia negativa de uma criatura demoníaca, que era diferente da de um monstro comum. Ela olhou para trás, preocupada, apenas para ver o anão sentado calmamente.

    Estava prestes a gritar com ele por sua negligência.

    Crack!

    Foi então que olhou de volta para frente. Seus companheiros de equipe estavam cortando os esqueletos com empolgação.

    Mas… não estavam sozinhos.

    Thud!

    Thump!

    Crack!

    Um por golpe…

    O farsante cortava as criaturas demoníacas com uma eficiência que até ela, que não sabia muito sobre esgrima, achou surpreendente.

    Ela o observou, atônita, até que o anão, ainda sentado e sem a menor pressa de se levantar, resmungou:

    — O que foi? Por que está tão surpresa? Ele é um mestre espadachim. Claro que consegue fazer isso.

    Jarin não teve nada para responder.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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