Capítulo 296: Nem um Elfo ou um Humano (1/3)
O diabo foi erradicado, assim como os demônios e as criaturas demoníacas sob seu domínio.
Embora a terra consumida pela escuridão ainda exalasse uma energia vil, grande parte da imundície havia sido purificada pelo misterioso poder de Airen Farreira. A Guilda Wise também usou o máximo de água sagrada que podia arcar. O restante ficaria a cargo do sacerdote que viria depois.
Os sequestrados também foram resgatados. Ao ouvir a notícia, o lorde que governava a região próxima ao covil do diabo expressou gratidão sem fim a Airen Farreira e à Guilda Wise, oferecendo-lhes uma recepção extravagante, apesar da hora tardia. Os aventureiros que os seguiram também aproveitaram a hospitalidade, embora nenhum parecesse especialmente orgulhoso.
— Hmph, hmph.
O único motivo pelo qual estavam indo ao Reino Sagrado era a promessa de entretenimento, não por algum senso de virtude. Da mesma forma, seguiram a Guilda Wise não para lutar contra os demônios, mas porque tinham medo de agir sozinhos. Também temiam entrar em conflito com Airen Farreira.
Embora pudessem alegar que não sabiam, a verdade era que a maioria o tratou mal, zombando e insultando-o. Mesmo os mais gentis entre eles simplesmente seguiram o fluxo e permaneceram calados.
Talvez por isso tenham falado mais tarde. Depois que o lorde ofereceu aos aventureiros bebidas e carne, começaram a enaltecer o jovem herói.
— Ele foi incrível. Verdadeiramente incrível.
— Eu sei. Como ele conseguiu derrotar todos os demônios enquanto protegia os reféns? Isso é sequer possível?
— Sua espada encantada também era magnífica. Aquela luz dourada que parecia dissipar a escuridão… até eu me senti encorajado ao vê-la.
— Sim. Parecia uma bênção de um sumo sacerdote.
— Quero dizer, o cara é tão talentoso que se tornou um mestre espadachim antes dos trinta. E ainda por cima tem tanto talento em feitiçaria que consegue purificar energia demoníaca…
— Ele é uma verdadeira bênção para o continente!
O primeiro a falar parecia envergonhado. No entanto, sua vergonha durou apenas um segundo. A multidão ansiosa lutava para louvar Airen e seus feitos, como se isso pudesse apagar todas as ofensas que cometeram contra ele. Embora suas ações fossem compreensíveis, de forma alguma eram louváveis.
Tomando um gole de sua bebida com irritação, Ethan resmungou:
— Tsk, olhem só como mudam de tom em questão de segundos.
— Eu sei. Até agora, estavam se agarrando à Guilda Wise e insultando ele.
— Que piada. Moveram-se como lesmas porque não queriam enfrentar os demônios. Mas aqui, bebem como campeões.
Giovanni e Keenan Reyes concordaram com Ethan, embora também não fossem inocentes. Não importava a desculpa, eles também não enxergaram Airen pelo que ele realmente era, tratando suas histórias como piadas e sendo bastante cruéis com ele.
Mas foi exatamente por isso que passaram a admirá-lo ainda mais.
Mesmo antes de revelar sua identidade, Airen sempre se portou com dignidade. E depois que sua identidade foi revelada, não se tornou arrogante.
“Ele não é apenas habilidoso com a espada.”
“Ele é uma pessoa melhor do que os rumores dizem…”
“Espero que tenha bons resultados no Festival dos Guerreiros.”
Os três aventureiros pensaram. Foi então que ouviram outras conversas ao redor.
— De qualquer forma, a Guilda Wise é impressionante.
— Sim. Doar tanto quando nem era um problema deles…
— Só a água sagrada que usaram na região já custaria uma fortuna, sabia?
Embora Airen Farreira estivesse no centro das conversas, o nome de Gael Wise também aparecia ocasionalmente. Afinal, ele havia gasto uma quantia significativa para purificar a terra.
E isso não era tudo. A guilda também se empenhou em ajudar os sequestrados, especialmente os elfos, a se recuperarem.
Isso era notável, considerando o quão difícil era levar aqueles afetados pela energia demoníaca até o Reino Sagrado. Esse tipo de atitude era provavelmente o motivo pelo qual Gael Wise atuava como mediador entre as duas raças.
— Hmph — bufou Vulcanus, parecendo nada impressionado ao ouvir tais comentários.
O ferreiro tomou vários goles de sua bebida, carrancudo.
Ethan começou a falar, mas se interrompeu. Depois de tudo o que fez com Airen e com o ferreiro, achava difícil falar livremente com o anão agora.
— Onde está Jarin? — perguntou em vez disso.
— Boa pergunta.
— Não sei. Talvez tenha ido ao banheiro.
— Sério?
Embora a procurasse, Jarin não estava em lugar nenhum, não que estivesse muito preocupado com isso.
Lambendo os lábios, voltou a beber.
Humanos, orcs, elfos e anões. Embora as quatro raças inteligentes que coexistiam no continente não fossem muito amistosas entre si, a luta contra o poderoso inimigo que era o diabo as aproximou.
Os primeiros a se tornarem amigos foram os humanos e os anões. Os anões fabricavam aquilo que os humanos desejavam, e os humanos valorizavam suas criações mais do que qualquer outro povo. Já não era necessário viajar até as terras tribais para encontrar um anão, pois eles se tornaram membros regulares do mundo humano.
Humanos e orcs também eram relativamente amigáveis. Embora os orcs fossem agressivos e de temperamento explosivo, também reconheciam os méritos de seus oponentes. Com o tempo, interagindo com diversos guerreiros humanos, os laços entre as duas raças se estreitaram a cada ano. Embora não fossem tão comuns quanto os anões, os orcs também eram facilmente encontrados no norte do continente.
Porém…
Os elfos eram diferentes.
Os elfos eram mais gentis em comparação com as outras duas raças, nem competitivos como os orcs, nem teimosos como os anões. No entanto, há cem anos, não se davam bem com os humanos.
O problema era sua beleza. Os elfos eram considerados belos pelos padrões humanos, o que fazia com que traficantes ilegais os perseguissem.
Se não fosse pelo esforço do Reino Sagrado, que sempre esteve atento ao conflito entre as raças, a relação entre humanos e elfos teria atingido o pior estado possível.
Então…
Gael Wise aproximou rapidamente as duas raças.
Gael Wise, um meio-elfo nascido da união entre um humano e um elfo, usou sua linhagem especial a seu favor, atuando como mediador entre as duas raças sob a graça do Reino Sagrado.
Menos caos e mais paz significavam dimensões mais estáveis. O portão para o Reino Demoníaco finalmente se fecharia. Isso era o que todos queriam. Nesse sentido, Gael Wise, que promovia a paz entre as raças, poderia ser considerado mais influente que um rei.
Por isso, os elfos que desejavam conhecer melhor o mundo humano batiam à porta da guilda. Gael os recebia de braços abertos, ajudando-os a se adaptar ao mundo humano, ensinando-lhes a língua, a cultura e até auxiliando-os a encontrar trabalho. Ele até ajudava aqueles que queriam formar uma família.
Mas esse era o problema.
Descendo pelos corredores escuros do subsolo do castelo, Jarin recordou-se do que uma antiga conhecida havia lhe dito:
— É estranho. Parece… muito forçado.
— O que você quer dizer? — Jarin perguntou.
— Elfas demais estão se casando com nobres humanos. Todas mulheres. E todas através da Guilda Wise.
No início, Jarin não pensou muito no assunto. Afinal, os elfos não tinham muitas formas de se inserir no mundo humano. A maioria fazia isso por meio da Guilda Wise. Portanto, era natural que também encontrassem parceiros por esse mesmo meio.
Embora Jarin não conseguisse entender por que um elfo, que valorizava a liberdade, escolheria entrar na rígida sociedade nobre, não podia dizer que era impossível. Também não achou estranho que houvesse mais mulheres envolvidas.
Mas com o tempo, sua conhecida investigou mais a fundo e lhe contou novas histórias… até que desapareceu, como se tivesse sido apagada deste mundo.
— Pare com isso.
— Pai?
— É perigoso. Você precisa parar agora… pare com isso.
Quando seu pai, o chefe de seu povo, a alertou para desistir dessa busca, a dúvida de Jarin se transformou em convicção.
Isso aconteceu há mais de sete anos, quando ela deixou sua tribo.
“Mas não é como se eu pudesse fazer algo”
De fato. Embora tivesse deixado seu povo e viajado pelo continente, Jarin não pôde fazer nada. Não apenas carecia de provas, como também não tinha poder, era como uma formiga perante o sol.
A ideia de que Gael Wise usava elfas para obter ganhos políticos e comerciais era apenas uma suspeita. Ela nem sequer sabia como isso poderia ser possível.
“É por isso que acho isso tão estranho…”, pensou Jarin, respirando com cautela.
Era estranho. Muito estranho. Ela não sabia explicar o porquê. Apenas sentia-se compelida a seguir em frente, conforme seu coração a guiava. Talvez fosse o que chamavam de instinto de feiticeiro.
Embora sentisse um conflito interno, não parou.
Os minutos se passaram.
Ela se tornou mais convencida. Seu instinto, o cheiro artificial que pairava no ar e todos os sinais apontavam para aquele lugar além da porta subterrânea.
Sem hesitar, pegou seu cajado e se concentrou.
Bam!
Psss…
— Ugh!
Jarin gemeu sem querer, e por um bom motivo. Concentrou tanta força que quase quebrou seu cajado. Seu paladar se encheu com o gosto metálico do sangue. No entanto, apesar do impacto, o ruído foi baixo demais. A discrepância a preocupou.
Seus receios logo se concretizaram.
Cinco elfos jaziam sobre camas luxuosas. No centro da sala, uma flor misteriosa emanava um aroma intenso.
Cambaleando por causa do cheiro, Jarin deu um passo para trás, e foi quando uma figura mascarada apareceu diante dela.
Era Gael Wise.
— Olá, Jarin — saudou ele.
— Vejo que tem algo a dizer.
— Por coincidência, tenho um pouco de tempo. Vamos conversar lá dentro?
— Cale a boca… — cuspiu Jarin com dificuldade, sangue escorrendo de sua boca. O aroma daquela flor azul, uma mistura de ervas e algo mais, estava bagunçando sua mente.
“Não posso perder a consciência.”, ela se forçou a sussurrar. — Pare com isso agora.
— Do que está falando? — perguntou Gael.
— Disso. Tire essa maldita flor daqui e liberte os elfos.
— Libertá-los? Vejo que há um grande mal-entendido. Nunca os forcei, nem os machuquei. Apenas faço o meu melhor para ajudá-los a se recuperar o mais rápido possível. Afinal, não posso deixar meu povo aos cuidados de humanos que mal conhecem os elfos.
— Você não é um elfo.
— Metade de mim é.
Gael Wise avançou. Jarin recuou.
Mas não conseguiu fugir. Ao ver dois homens humanos se aproximando por trás, pensou:
“Droga. São especialistas.”
Mas esse não era o verdadeiro problema.
Ela não conseguia respirar.
Ao contrário dos membros da guilda, que usavam máscaras, Jarin estava completamente exposta ao aroma. Agora, sequer conseguia se manter de pé. Enquanto cambaleava, alguém a segurou.
“Um dos especialistas?”
Seu coração se apertou de desespero. Sua determinação vacilou.
No entanto, logo depois…
Woosh!
Uma sensação quente percorreu seu corpo.
Jarin despertou.
Olhando para si mesma, abriu e fechou os punhos.
Ela estava bem. Seu corpo, que antes se recusava a se mover, agora sentia-se limpo, como se camadas de poeira tivessem sido queimadas.
Embora ainda não conseguisse falar, pôde mover os olhos.
Então viu o jovem que a ajudara a se levantar.
Aron… não, Airen Farreira.
Ele caminhava à frente, aproximando-se de Gael Wise.
— Espere… — gaguejou o meio-elfo.
Diferente de quando enfrentou Jarin, dessa vez não conseguiu esconder o olhar — mesmo com a máscara cobrindo boa parte de seu rosto.
Ele estava chocado. Temeroso. Incrédulo.
E no fim…
Smash!!
— Ugh!
Tomado por uma dor intensa como nunca antes sentira, Gael Wise perdeu a consciência e tombou em direção ao atacante.
Swish!
Crash!
Airen, no entanto, não se incomodou em segurá-lo.
Apenas encarou friamente o monstro caído no chão gelado.
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