Capítulo 298: Nem um Elfo ou um Humano (3/3)
— Pfft. Vocês não fazem ideia do quão hilário ele foi. Estou dizendo…
— Ei, você não pode falar disso! Dois podem jogar esse jogo. Lembra de dois anos atrás, quando você…
— Cala a boca! Concordamos em nunca falar sobre isso!
— O quê? O que aconteceu? Continuem falando.
— Hah, idiotas. Vocês são só um bando de…
Nesse momento, a porta se escancarou e um homem entrou correndo.
— Temos uma emergência!
— Hã? O que aconteceu?
— O quê? Não estamos sendo atacados por demônios, estamos?
Os mercenários caíram na gargalhada. Era altamente improvável, mas mesmo que realmente fosse um demônio, isso não seria problema algum. Afinal, eles tinham não um, mas dois mestres espadachins no grupo! Além disso, contavam com cinco especialistas inteiros, sem mencionar todos os soldados que acompanhavam os mercadores da Guilda Wise. Seria uma tolice até mesmo se preocupar.
Mas o estranho era que o mensageiro que viera sabia de tudo isso.
— O que foi?
— O que aconteceu? Qual é o problema?
Um por um, os sorrisos dos mercenários se desfizeram ao notarem que a expressão do homem continuava séria. Logo ficou claro que aquilo não era brincadeira.
— Eu não consigo explicar… Apenas venham. A situação não está nada boa — disse o homem.
— Nada boa? O que você quer dizer…
— A Guilda Wise… contra Airen Farreira.
— Hã?
— Está realmente, realmente ruim.
O silêncio pairou no ar, e o clima festivo foi instantaneamente apagado. Todos ali deviam algo tanto à Guilda Wise quanto a Airen Farreira. Não havia como permanecerem neutros em um conflito entre os dois. Sentindo a sobriedade repentina, os viajantes correram para fora e seguiram o mensageiro.
Lá, testemunharam uma cena inacreditável: quatro especialistas desarmados e completamente atordoados. Brodie Sharper segurava uma espada quebrada, lançando um olhar assassino a Airen. Gael Wise, o chefe dos mercadores Wise, claramente parecia alguém que levara uma surra… E Airen Farreira, que os observava com uma fúria incontida, exalando uma força tão esmagadora que fez todos os viajantes engolirem em seco.
— Bons viajantes, sei que todos desejavam chegar à capital de Arvilius sob a proteção da Guilda Wise — disse Airen com firmeza. — Mas lamento informar que a jornada termina aqui. A guilda não está qualificada para protegê-los.
Os mercenários não disseram nada.
— Não os impedirei se quiserem nos acompanhar, mas aviso que as coisas não serão as mesmas. Levem isso em consideração.
Com essas últimas palavras, Airen Farreira se virou e desapareceu, arrastando Gael Wise pelo pescoço.
Todos ficaram ali parados, atordoados. O que diabos acabara de acontecer? Quão grave havia sido a discussão para o primogênito da família Wise acabar assim? E quanto a Brodie Sharper? Como era possível que um mestre espadachim há mais de vinte anos sequer tivesse tentado resistir?
— O que diabos… Ah, Jarin!
Ethan, que estava igualmente perplexo, finalmente notou Jarin. Giovanni e Keenan Reyes também se levantaram rapidamente e correram até ela. Apenas Vulcanus permaneceu calmo, enquanto todos os outros se preocupavam ansiosamente, ele simplesmente se concentrou em apreciar sua cerveja.
— Por quê? O que aconteceu?
— Foi uma briga de bar ou algo assim?
— Não tem como Aron… digo, Airen… digo, Lorde Airen? Droga, não sei mais como chamá-lo… Enfim! Não tem como ele ter se metido numa briga de bar!
— Isso é verdade. E Gael Wise também não é esse tipo de pessoa.
— Então o que diabos…
— Os elfos sequestrados — disse Jarin.
Seus amigos a encararam, horrorizados.
— E… as coisas nojentas que já lhes contei que Gael Wise fez — com um sorriso satisfeito, ela finalizou. — Agora, a casa caiu.
Vários dias se passaram. Todos os que viajavam com a Guilda Wise já haviam partido. Tudo o que queriam era segurança, não se envolver no conflito de outra pessoa. E como não havia outros perigos além da Floresta Tamoe, fazia sentido que seguissem seus próprios caminhos.
Assim, os únicos que ainda viajavam com a Guilda Wise eram Airen Farreira, Vulcanus e o grupo de Ethan.
Francamente, Ethan não queria se envolver, mas, considerando sua relação com Jarin, simplesmente não conseguia fechar os olhos para aquilo.
“Nos cinco anos em que estivemos juntos, nunca vi uma única pessoa que não devesse a vida a Jarin…”
Ele não sabia como Jarin se sentia, mas para o resto do grupo, ela era como uma irmã. Isso, somado à culpa por terem duvidado dela, tornava impossível deixá-la para trás.
— Vivemos juntos, morremos juntos.
— Isso mesmo, droga! A Guilda Wise não é grande coisa!
— Exatamente. Eles não merecem desfilar por aí como se não tivessem feito nada de errado! Não é verdade?
— Sim, mas o que há de errado com a sua voz? Você parece um mosquito.
— Olha quem fala.
— Pfft — Jarin riu. Ela entendia por que todos estavam falando em sussurros. Por mais culpados que Gael e seus mercadores fossem, eles ainda eram a Guilda Wise, um grupo poderoso cuja riqueza e influência não tinham paralelo. Seu poder rivalizava até mesmo com o de uma nação inteira.
“Isso é o que torna Airen tão impressionante”, pensou Jarin, olhando para frente. Ela podia ver Airen caminhando entre os mercadores, mantendo uma distância para não deixar Ethan, Giovanni e Keenan Reyes desconfortáveis. Mas mesmo de longe, sua presença era enorme. Ele era confiável e inspirava a crença de que poderiam superar qualquer obstáculo.
“Embora, suponho que não seja bom depender demais dele…”
O olhar de Jarin deslizou até os especialistas e mercadores, cujas expressões ainda estavam sombrias. Mas nenhum deles era tão assustador quanto Brodie Sharper, o mestre espadachim. Assim como Airen, ela só conseguia vê-lo de costas, mas até mesmo sua silhueta era o suficiente para lhe causar arrepios.
“Espero que possamos chegar sem problemas.”
Jarin não era a única que pensava assim. Ethan e seu grupo tinham exatamente o mesmo pensamento.
Naquela noite, enquanto acampavam ao ar livre, sem encontrar uma cidade decente pelo caminho, alguém se movia silenciosamente na escuridão.
Era Brodie Sharper.
Ele vinha esperando pacientemente há uma semana, buscando uma fraqueza em Airen, e agora, finalmente, estava prestes a agir.
No entanto, sua tentativa foi completamente frustrada em questão de segundos.
— O que quer que faça…
Brodie Sharper congelou no lugar. Não conseguia se mover, nem sua mão, que segurava uma adaga afiada, nem seus pés furtivos. Não conseguia mexer um único dedo e, agora, até respirar se tornava difícil. Apenas seus olhos se moviam, até que pousaram em Airen, que permanecia sentado em meditação.
— Qualquer fraqueza que procure, qualquer método que tente, eu posso me defender de todos eles — disse Airen.
Brodie não conseguiu responder.
— Pode tentar, se quiser.
Com isso, Airen fechou os olhos novamente. O silêncio caiu mais uma vez, e a noite se aprofundou.
No entanto, ninguém conseguiu dormir tranquilamente. Nem os mercadores, nem os especialistas, e muito menos Brodie Sharper.
“Droga!”, O corpo inteiro de Brodie tremia de raiva. Ele queria correr até Airen naquele instante, invocar o máximo de sua Aura da Espada possível e enfiá-la no pescoço daquele bastardo. E, se isso fosse impossível, queria ao menos cortar os membros da elfa e deixá-la à beira da morte enquanto zombava daquele arrogante desgraçado.
Mas ele não podia. Já sabia que era impossível. No final, tudo o que pôde fazer foi abaixar a adaga e deitar-se novamente.
— Airen Farreira — alguém rompeu o silêncio.
Era Gael Wise.
Enquanto todos os outros prendiam a respiração e tremiam de medo, inclusive Ethan e seu grupo, Gael permanecia calmo. Vê-lo tão tranquilo, como se o incidente no subterrâneo nunca tivesse acontecido, deixou Jarin profundamente surpresa.
Airen abriu os olhos novamente. Sem se abalar com seu olhar afiado e penetrante, Gael Wise disse:
— Você sabe como a Guilda Wise se tornou a maior guilda mercante da terra?
Foi recebido com silêncio.
— É porque temos muitos amigos. Amigos muito mais competentes e poderosos do que os inimigos que nos invejam. Sem mencionar em Arvilius também.
Novamente, silêncio.
— Aposto que não tem nada a dizer sobre isso — acrescentou Gael Wise com uma risada.
Todos trocaram olhares perplexos. Alguns até lançaram olhares horrorizados para o meio-elfo. Era verdade que os mercadores Wise tinham uma influência imensa, mas, no momento, sua vida estava nas mãos de Airen Farreira. Como ele ousava ser tão ousado em uma situação como essa?
“Não há motivo para que eu não possa ser”, pensou Gael Wise com um sorriso. Pois ele conhecia muito bem o tipo de pessoa que Airen Farreira era.
Desde que tivessem concordado em viajar juntos para Arvilius, Airen jamais lhe faria mal, não importa o quanto fosse provocado. Porque ele era um homem honesto. Porque ele era mais gentil do que qualquer um, um jovem com o coração de um herói.
“Nunca serei capaz de persuadi-lo… Mas também não preciso ter medo dele. Ele só se moverá dentro dos próprios limites, de qualquer forma.”
Se Airen fosse mais parecido com Ignet Crecensia, Gael teria mantido a boca fechada. Ou, se tivesse um temperamento desagradável como Khun, novamente, Gael teria permanecido em silêncio.
Mas ele era Airen Farreira. Bom e justo, e, portanto, incapaz de ultrapassar a linha.
O sorriso do meio-elfo se alargou enquanto ele continuava:
— Sim, eu sei que você também tem conexões. A Academia de Esgrima Krono, a Casa Lloyd e até mesmo a renomada Casa Lindsay, famosa por sua esgrima… Bastante impressionante, de fato. Nem mesmo a Guilda Wise ousaria desafiá-los. No entanto…
Airen não disse nada.
— Você poderia reunir todos eles e ainda assim não chegaria nem perto do poder do Reino Sagrado. Você nunca poderia perturbar sua ordem, nem abalar seus valores.
O pequeno discurso de Gael terminou. Assim que concluiu, ele deitou-se novamente e voltou ao silêncio.
Mas ninguém dormiu. Alguns lutavam para conter um sorriso, enquanto outros tremiam de fúria. Alguns até se sentiam tontos e atordoados.
Enquanto isso, Airen Farreira permaneceu composto e continuou sua meditação até o amanhecer.
Duas semanas após a expedição contra o demônio, Airen e seu grupo finalmente chegaram a Arvilius. Claro, ainda levariam mais cinco dias até a capital, mas apenas o fato de terem pisado no Reino Sagrado já parecia estranho. Parecia que algo grandioso estava prestes a acontecer.
Essa intuição logo se tornou realidade.
Um grupo de pessoas se aproximava a cavalo. Quando Gael Wise reconheceu a bandeira da Casa Pritchard, cerrou os punhos em triunfo. “Parece que o Conde Pritchard foi rápido como prometido.”
Esteban Pritchard era um antigo patrono da Guilda Wise, vindo de uma família proeminente que o Reino Sagrado de Arvilius não ousaria ignorar. Desde que estivessem em movimento, o problema já estava meio resolvido.
O meio-elfo abriu um sorriso sarcástico enquanto lançava um olhar zombeteiro para Airen.
Mas isso não durou muito. A expressão de Gael Wise começou a endurecer, pouco a pouco.
“Espera… o homem à frente… não é o Conde Pritchard.”
Que estranho. A bandeira pertencia inegavelmente à Casa Pritchard. E não era como se o conde tivesse enviado apenas seus vassalos, seu fabuloso bigode era claramente visível, mesmo à distância.
Então quem era aquele homem? Quem era aquele homem de cabelos brancos, com uma presença tão forte, confiante e quase impenetrável…?
Gael Wise ficou rígido quando a compreensão o atingiu. Ele finalmente reconheceu quem era.
Era o herói da geração passada, dado como morto, mas que ressurgira quando os demônios se tornaram uma ameaça generalizada.
O ex-Capitão dos Cavaleiros Vermelhos, Quincy Meyers.
Mas a parte importante não era sua identidade.
— Há quanto tempo.
— É bom ver você novamente.
O que realmente importava era que Airen Farreira e Quincy Meyers estavam se cumprimentando como velhos amigos.
Gael Wise e os mercadores ao seu redor os encaravam, completamente atônitos.
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