Índice de Capítulo

    As empregadas da propriedade murmuravam.

    — O que ele está fazendo a essa hora?

    — O que está acontecendo?

    Ahem! — Uma criada mais velha pigarreou. As criadas rapidamente se calaram e se curvaram ao cumprimentar Airen Farreira. O breve silêncio foi logo interrompido quando Airen se afastou. As criadas não conseguiam ficar quietas sobre o Nobre Preguiçoso deixando a casa.

    — O quê? Para onde ele está indo? — uma delas perguntou.

    — Eu pensei que ele tinha sido convocado pelo barão…

    — Ele está saindo. Será que ele vai dar um passeio?

    Não havia nada de especial em sair para uma caminhada. Mesmo sendo março e o clima estando um pouco frio pela manhã, já era meio-dia. Estava agradável e quente lá fora, o suficiente para fazer qualquer um querer passear pelo belo jardim de flores. Mas isso não importava, porque a pessoa de quem estavam falando era Airen. As criadas continuaram tagarelando sobre ele muito depois de ele ter saído.

    — Bom dia! — disse o guardião do salão de treinamento, cumprimentando o servo de Airen.

    — Bom dia. Como está o salão de treinamento agora? — perguntou o servo de Airen.

    — Com licença, me perdoe…

    — Os cavaleiros já terminaram o treino…? Quero dizer, há algum lugar para o Lorde Airen treinar com a espada?

    — Bem… a sessão de treino da manhã acabou, então há bastante espaço…

    O guardião do salão olhou nervoso para trás do servo enquanto sua voz ia sumindo. Um garoto alto e frágil, com pele pura e pálida, estava lá. O guardião reconheceu Airen Farreira, o Nobre Preguiçoso, mas não conseguia acreditar no que estava vendo. Ele olhava como se estivesse presenciando algo estranho.

    “Que diabos está acontecendo? Ele… O Lorde Airen está realmente tentando usar o salão de treinamento?”

    O servo de Airen confirmou seu pensamento.

    — Sim, estou ciente, mas só queria confirmar com você. De qualquer forma, devemos entrar, meu senhor?

    Airen acenou com a cabeça e entrou no salão de treinamento com o servo. O guardião os olhou com descrença enquanto seus colegas se reuniam ao seu lado.

    — O que foi aquilo agora?

    — Estou alucinando? Não estou sonhando, estou?

    — Tenta beliscar sua bochecha.

    — Ai! Não a minha!

    — Não é um sonho. O que está acontecendo, então? Como o Nobre Preguiçoso Airen veio parar aqui?

    — Talvez ele só tenha vindo dar uma olhada.

    — Certo. Tenho certeza que ele não veio para treinar.

    Os soldados dentro do salão também começaram a tentar adivinhar, mas ninguém pensava que Airen estava ali para treinar. E, para a surpresa de todos, o Nobre Preguiçoso foi direto para o suporte de armas.

    — Uau. Isso é sério? — disse um deles.

    As pessoas murmuravam enquanto olhavam. Mais soldados e servos da propriedade começaram a se reunir para assistir, mas Airen não prestava atenção neles. Ele estava focado no objeto que o tentava.

    — Devo chamar um soldado que entenda de espadas? — perguntou o servo. Airen não respondeu, então o servo continuou: — Nem todas as espadas de madeira são iguais. Elas variam em tipo, tamanho e comprimento. Não sou versado na arte da esgrima, então não posso recomendar uma espada adequada. Então, se puder esperar um pouco, eu vou…

    — Não, está tudo bem — respondeu Airen.

    O servo estremeceu com a voz incomumente clara de seu mestre. Então ele se curvou e deu um passo para trás. A experiência que o havia promovido ao posto de chefe dos servos lhe dizia que Airen estava diferente hoje. Quando um mestre mudava de opinião, o melhor era ficar quieto.

    E, graças a isso, Airen conseguiu se concentrar sem ser incomodado.

    Ele fechou os olhos e começou a perseguir rastros dos sonhos até que sua visão se fixou em uma arma específica. Então ele lentamente a pegou.

    “Mas isso é…” O servo ficou preocupado. Não que a espada fosse muito mais especial que uma espada padrão. Não era uma espada de verdade, então não havia mal nenhum em segurá-la. Mas o problema era o tamanho. Era muito grande para um garoto frágil manejar.

    — Ele escolheu essa? — sussurrou um soldado.

    — É muito pesada. A menos que ele seja um homem feito… — murmurou outro soldado.

    Os soldados comentavam entre si. A espada de Airen não era tão grande quanto outras armas que apenas soldados treinados podiam manejar. Mas não era leve o suficiente para um garoto que nunca tinha segurado uma espada antes. Não era preciso dizer que Airen já estava suando só de empunhá-la.

    Swoosh! O som da espada de madeira cortando o ar ecoou pelo salão.

    — Pfft!

    — Er…

    Risadas contidas e gemidos de simpatia seguiram. Era inevitável. Airen tinha uma boa postura ao pegar a espada, mas o movimento que veio depois foi medíocre, fazendo com que o ridículo e a decepção fossem inevitáveis.

    “Eu sabia. Não há como o homem mais preguiçoso do reino de repente ficar bom com uma espada.”

    “Talvez eu tenha esperado demais de sua postura… Eu fui um tolo.”

    “Ele está aqui porque ficou pensando no insulto que recebeu do Lorde Gairon?”

    “Se for por isso, ele está acabado. Vai desistir logo e voltar para sua cama.”

    “É melhor eu voltar ao meu trabalho.”

    As pessoas rapidamente perderam o interesse. Parecia que ele estava sendo manejado pela espada em vez de manejá-la. Era mais decepcionante porque sua postura parecia muito boa.

    O servo ficou furioso ao sentir o sentimento negativo das pessoas ao redor do salão.

    “Esses idiotas!”

    Claro, ele sabia que Airen Farreira era chamado de Nobre Preguiçoso. Ele sabia que Airen tinha desperdiçado sua vida e que não podia mais ser respeitado como um nobre. Mas isso não significava que tal desrespeito pudesse ser permitido.

    O servo rangeu os dentes. Então, forçou um sorriso e falou com Airen.

    — Meu senhor, a esgrima é uma arte que deve ser respaldada por esforço persistente. Você enfrentará muitas dificuldades se treinar sozinho. Vou encontrar um excelente instrutor para você, então por que não começa o treinamento amanhã…

    — Obrigado, mas isso não é necessário — disse Airen.

    Airen ergueu a espada novamente. Ele nem conseguia mais a manejar sem que seu braço tremesse. Airen parecia não se incomodar.

    — Eu não estou fazendo isso para ficar bom nisso — disse Airen.

    O servo ficou em silêncio com as palavras de seu jovem mestre. Ele decidiu não insistir mais, pois o jovem mestre parecia determinado. Mas isso não era verdade. Airen realmente queria dizer o que disse. Ele estava fazendo aquilo porque seus sonhos o impediam de ficar parado em sua cama.

    “E… ainda tenho a lembrança do homem dentro da minha cabeça.”

    Airen não achava que o homem do sonho fosse um grande espadachim. O homem usava roupas esfarrapadas e vivia em um lugar dilapidado. Mas nada disso importava.

    Tudo que Airen queria era sentir-se à vontade com o desejo que fervilhava em sua mente e corpo.

    Swoosh! Swoosh! Swoosh! Uma vez, dez, e depois vinte vezes. Ele continuou balançando a espada enquanto seus músculos gritavam de dor. Mas era estranho. Ele só movia o braço, mas outras partes do corpo também doíam. Ele nunca havia se sentido tão cansado antes.

    “Mas ainda assim, me sinto melhor.”

    Isso era certo. Airen costumava sentir dor o tempo todo. Seu corpo não estava em dor como agora, mas seu coração sobrecarregado estava. Mas agora, enquanto ele perseguia a espada do homem de seus sonhos, sentiu o fardo pesado sendo levantado de seu coração. Era por isso que ele balançava a espada e continuava a balançá-la.

    Swish! Uma vez. Swoosh! Dez vezes. Swoosh! Vinte vezes, e depois cem vezes. E ele continuou balançando a espada sem pensar, cambaleando a cada movimento até que uma voz alta atravessou seus ouvidos.

    — Meu senhor! Lorde Airen!

    — Huh…? — Airen se virou para a voz.

    O servo que o guiara até o salão de treinamento estava chamando-o. Ele estava gritando com Airen com uma expressão de preocupação.

    — Meu senhor! Acho que já é o suficiente por hoje. Você deveria parar agora! Já está treinando há tempo demais!

    — O que você…?

    Airen ficou confuso. Esse homem nunca havia falado com ele de forma tão exigente. Airen tentou andar até seu servo para perguntar o que estava acontecendo, mas tropeçou e caiu no chão antes de ir mais longe. Uma dor intensa tomou conta de todo o seu corpo.

    — Argh! — Airen gemeu.

    — Você se esforçou demais hoje! Olhe! Já está escurecendo lá fora!

    — O que você está dizendo…? Ah!

    O céu estava ficando escuro. Não era o meio da noite, mas o sol já estava se pondo. Airen olhou para o servo com uma expressão cansada.

    — Você ficou esperando por mim esse tempo todo? Você deveria ter seguido com seus afazeres. Ou poderia ter me avisado mais cedo — disse Airen.

    — Como eu poderia te deixar aqui, meu senhor?! E, na verdade, eu estava te chamando há um bom tempo!

    — Estava? Ugh…

    Airen Farreira tentou se levantar usando sua espada de madeira, mas caiu de novo devido à dor. Seu rosto sombrio revelava o quanto estava sofrendo. O servo começou a fazer alvoroço.

    — Vou ajudá-lo, meu senhor! Vou pedir às criadas que preparem água quente. Você deveria lavar-se e descansar. Vou chamar um curandeiro também…

    — Não, eu não preciso de um curandeiro.

    — Você vai ficar doente! Isso vai colocar nós dois em apuros!

    Airen teve que acenar em concordância com o servo. Realmente era estranho. Airen não sabia por que não se sentia preocupado com dores musculares tão severas, mesmo não estando acostumado a isso, como um soldado que treina todos os dias no salão.

    Isso tinha a ver com o sonho. O que ele fez hoje foi inútil e vergonhoso comparado ao que o homem fazia no sonho.

    — Meu senhor, por favor, diga que não vai se forçar tanto amanhã — o servo implorou.

    — Er…

    — Por favor, me prometa. É bom ter começado a treinar, mas não deve se esforçar demais desde o início. Há um ditado entre os cavaleiros que diz que descansar faz parte do treinamento.

    — Tudo bem. Mas eu acho que não farei isso de novo — Airen respondeu, enquanto era ajudado pelo servo a colocar a espada de volta no suporte de armas.

    O servo não parecia convencido, mas Airen estava sendo honesto de novo. Como ele disse, não estava tentando se tornar bom naquilo. Ele só fez porque não conseguia ficar deitado à toa na cama.

    “Vou voltar para a minha cama amanhã.”

    Os pensamentos de Airen se tornaram mais firmes quando voltou para a cama, após terminar o banho e o jantar. A dor que sentia por todo o corpo enquanto se deitava era pior do que quando estava treinando.

    “Eu perdi hoje. Estava muito obcecado com o sonho.” Airen se arrependeu do que fez. Ele estava com tanta dor que parecia que nem conseguiria dormir.

    Mas ele estava errado. Um cansaço maior que a dor o levou ao sono e aos sonhos. Mais uma vez, ele sonhou com o homem.

    No dia seguinte, Airen Farreira sentiu-se compelido a voltar ao campo de treinamento.

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