Capítulo 335: Reunião (3/3)
— Eles são imperfeitos e incompletos, sofrem e lutam por isso. Mas, no fim, eles se levantam e seguem em frente… Se você, que está manchado pela escuridão, os enxergar, talvez tenha uma nova chance.
Khun havia lhe dito essas palavras, e, como resultado, Karl Lindsay se interessou pelo Torneio dos Heróis. Ele começou a observar o grupo de quatro, incluindo Airen Farreira.
Eles eram exatamente como ele. Nascidos com talentos extraordinários, mas feridos e frustrados por existências superiores. No entanto, apesar disso, eles se erguiam com coragem e seguiam adiante.
“Eu também fiz isso.”
Porque era um gênio, a diferença de talento entre ele e seus adversários sempre foi clara, e só continuava a aumentar.
Mas ele não desistiu. Ele abandonou sua família, virou as costas para a luz e jamais soltou sua espada enquanto pisava na escuridão. E agora, ele estava ali, de cabeça erguida diante de sua inimiga, Ignet Crecensia, alguém que ele acreditou que jamais alcançaria.
— Olhe para sua espada — Ignet disse. — Você não é mais Karl. Nem Karl Lindsay.
Diante das palavras frias de sua oponente, Karl abaixou o olhar para sua arma e viu seu próprio reflexo. Somente então percebeu a diferença entre ele e os outros.
Brett Lloyd, Judith, Illia Lindsay e Airen Farreira, mesmo que segurassem a mão de outra pessoa, ainda se mantinham firmes por conta própria. Mesmo quando estavam cansados, preocupados ou abatidos, não se deixavam consumir por esses sentimentos. Mesmo depois de perderem o Torneio dos Heróis, ainda conseguiam sorrir.
Karl não era assim. Ele desprezava e negava suas próprias falhas. Nunca se apoiou em ninguém ou descansou quando estava cansado. Tampouco permaneceu firme por conta própria.
A escuridão o enterrou, e ele se escondeu atrás dela. Foi assim que chegou até aquele lugar.
Ele usava uma máscara negra como breu, incapaz de mostrar seu rosto com orgulho.
No instante em que percebeu que era uma existência demoníaca, Karl finalmente compreendeu por completo a mensagem de Khun.
O silêncio caiu.
Karl não conseguia desviar os olhos de sua lâmina.
Como capitã dos Cavaleiros Negros do Reino Sagrado, Ignet deveria tê-lo eliminado imediatamente. Mas ela esperou, concedendo-lhe um momento de reflexão. Antes, ela não teria feito isso, mas a mudança nela lhe trouxe misericórdia.
Essa chance lhe deu esperança para retomar o controle de sua vida e escapar da escuridão.
Ele ponderou sobre si mesmo por um longo tempo, talvez tempo demais. Qualquer um, mesmo alguém com uma paciência imensa, teria achado aquilo irritante. Mas Ignet esperou. E esperou.
Assim como os quatro juniores que haviam ampliado sua própria visão de mundo, ela desejava que a existência diante dela mudasse. Ela queria que ele reunisse coragem para encarar a luz novamente.
Clack.
Mas seu coração não o alcançou.
Ele deu mais um passo à frente, assumindo novamente uma postura de batalha, e a energia demoníaca transbordou de seu corpo.
Zuzuzu…
Uma névoa negra subiu por seus ombros, crescendo dez vezes em questão de segundos, se entrelaçando e se moldando em novas formas.
A energia demoníaca envolveu cada canto de seu corpo, tornando-se sólida como metal. Por fim, asas semelhantes a um manto brotaram de suas costas, enquanto sua espada era erguida ao céu.
Flush!
Ele era um ser demoníaco coberto por uma armadura negra. Não, ele era uma existência mais demoníaca do que qualquer outra.
O demônio olhou para baixo, diretamente para Ignet.
— Eu vou esmagar você — ele disse. — Vou quebrá-la, destruí-la e fazê-la se render.
Sim, era assim que ele deveria ter sido desde o começo.
Um ser arrogante e insolente, destinado a ocupar o topo, que sequer reconhecia existências abaixo dele.
Para que Ignet olhasse para ele, ele precisava se tornar mais forte. Precisava olhá-la de cima, de um ponto mais alto. Se a esmagasse com uma diferença de poder esmagadora, ela não teria escolha senão encará-lo. Mas não com um olhar indiferente. Ele queria que ela olhasse para ele com intensidade, com emoção profunda.
— Eu farei você me olhar — ele declarou. — Não, eu farei você olhar para cima.
Ignet suspirou. Ele parecia lamentável e patético.
É claro que, além disso, ele possuía uma presença avassaladora.
O poder de Karl, que transcendeu o nível de um simples ser demoníaco e adentrou o verdadeiro domínio do mal, era uma calamidade.
Mesmo que suas habilidades atuais estivessem no nível dos dez maiores espadachins do continente, ele era um adversário imbatível.
Uma batalha resultaria em derrota.
Mas ela não estava preocupada. Nem assustada.
— Isso é realmente irritante.
— Mesmo agora, você ainda diz algo assim?! — Karl rugiu.
Apesar de estar empunhando uma força avassaladora, seu coração continuava o mesmo de quinze anos atrás. Mas o fator mais importante naquela situação era a escuridão dentro dele.
“Se ele estivesse em sua forma humana, quem sabe o que teria acontecido”, Ignet pensou.
Se Karl Lindsay estivesse ali como humano, sem ter se perdido, talvez ela tivesse perdido. Afinal, ela não era um ser perfeito, e Airen lhe ensinara que a derrota era sempre uma possibilidade. Apesar do medo de perder, ela ganhou coragem para seguir em frente, incentivada pelo grupo dos quatro.
Mas a luta atual não tinha nada a ver com isso.
Ela venceria.
“Embora eu não quisesse desperdiçá-la aqui…”
Ignet estalou a língua e ergueu sua espada. O demônio, surpreso, hesitou, mas não conseguiu impedi-la. Instantaneamente, ela cravou sua lâmina no solo, e uma energia misteriosa começou a fluir dela.
Não era aura nem poder sagrado. Era o sonho que ela cultivava há muito tempo, o sonho de construir seu próprio reino. E junto desse sonho, o desejo de proteger aqueles que entrassem em seu domínio contra a escuridão.
— Feitiçaria, Declaração de Território.
No instante em que sua voz ecoou pelo local, a complexa ilusão que a família Lindsay havia presenciado quinze anos atrás se estilhaçou em pedaços.
Dois anos antes do Torneio dos Heróis, Ignet Crecensia desenvolveu um desejo além da busca pela esgrima: a vontade de se tornar uma rainha e criar um país onde qualquer pessoa pudesse viver sem preocupações.
No momento em que o demônio apareceu, sua vontade interior manifestou-se como um poder.
“Declaração de Território.”
Era um tipo de feitiçaria que só poderia ser usada uma vez na vida. Ao ativá-la, um espaço era designado como seu domínio, onde as habilidades da rainha e de seus subordinados aumentavam ligeiramente.
Mas, acima de tudo, demonstrava um poder esmagador contra demônios, razão pela qual Ignet estava certa de sua vitória.
Se Karl Lindsay tivesse aparecido ali como humano, sem ter perdido a si mesmo, a Declaração de Território não teria feito muita diferença. Ou melhor, ela sequer teria usado essa habilidade. Seu plano original era utilizá-la no centro de seu reino quando se tornasse verdadeiramente uma rainha.
Mas como agora enfrentava um grande mal, não podia se conter. E agora que revelara seu verdadeiro poder, não havia mais esperança para ele.
A luz brilhou intensamente como o sol, e Ignet declarou:
— Que pena, demônio.
Karl estremeceu.
Ele ergueu a cabeça e viu sua oponente ascender acima dele. A derrota de quinze anos atrás passou diante de seus olhos mais uma vez.
Ele não queria lembrar.
Queria se libertar de seu passado patético e encarar Ignet com confiança. Queria segurar sua espada e olhar diretamente em seus olhos. Queria lutar magnificamente contra ela.
Mas ele não podia.
Os ombros do demônio cederam.
A energia áspera e feroz que irradiava de suas asas perdeu a força, e a armadura escura também perdeu sua dureza. A escuridão fluindo para o solo arrastou Karl com ela.
Crash.
Um gemido escapou de sua boca. Doía. Ele estava assustado.
Sem a armadura negra, ele não conseguia manter a cabeça erguida diante de Ignet.
O demônio tocou o próprio rosto. Depois de finalmente sentir a máscara ainda presa ali, soltou um suspiro de alívio. Sem ela, ele não teria confiança para enfrentar a luz que se espalhava ao seu redor, irradiando a dignidade de uma rainha.
— Fugir, eu preciso fugir — murmurou. — Tenho que me esconder, encontrar um lugar escuro. Um lugar longe da luz…
Ignet o observou buscar sombras para se esconder, com um olhar amargo. — Que patético…
Não havia o que fazer.
Brett, Judith, Illia e Airen haviam elevado suas expectativas, mas essa reação era o que se esperava. Poucos preservavam seus sonhos iniciais e continuavam avançando. Poucos protegiam aqueles ao seu redor sem serem empurrados para longe.
“Preciso agradecer a Gerog e Anya também.”
Ignet assentiu antes de voltar sua atenção para o demônio. Era realmente algo lamentável vê-lo rastejando pelo chão, tendo esquecido completamente o motivo de estar ali.
Não importava quanta feitiçaria a ajudasse, ele nunca teria sido um oponente fácil. Se tivesse usado todo o seu poder desde o início, Ignet também teria sofrido danos significativos.
— Isso é inútil. — Ela ergueu sua espada.
Não era o melhor desfecho.
Ela ainda não sabia quem havia criado aquela ilusão e forçado-a a desperdiçar sua Declaração de Território.
No entanto, descobrir que outro mal em Arvilius havia corrompido Karl Lindsay era um ganho.
E sua própria sobrevivência era uma vantagem.
Não que se orgulhasse disso. Era um fato, mas considerando sua posição no continente após o Torneio dos Heróis, era necessário.
Ela começou a baixar a lâmina quando…
Boom!
A barreira se estilhaçou.
— Oh, oi? Hahaha. Quanto tempo, não? — a voz frívola do Diabo Bufão ecoou.
Ele olhou para Ignet e piscou, então correu animadamente na direção de Karl.
— Ah, Karl Lindsay! O que está acontecendo aqui? Deixe-me cuidar de você!
Ignet não o deteve.
Ela não podia.
Porque atrás do bufão caminhava um demônio trajando vestes sacerdotais.
No momento em que fez contato visual com ele, convocou toda a sua energia e avançou.
O sacerdote, o Demônio do Coração, fez o mesmo.
Bang! Clang!
A rainha e o Rei Demônio.
No instante em que os dois soberanos do campo de batalha colidiram, sua presença sobrepujou tudo ao redor, e um rugido ensurdecedor tomou conta dos céus.
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