Índice de Capítulo

    A maioria das pessoas diria que o Sul era a parte mais caótica do continente. A região estava constantemente protegida por tratados de paz e, ao mesmo tempo, assolada por guerras civis entre nações. O colapso da lei e da ordem levou a incontáveis bandoleiros vagando por toda parte, enquanto os nobres se preocupavam apenas com sua própria segurança.

    Comparado ao Sul, a parte Oriental do continente era relativamente pacífica. No entanto, havia um lugar onde até mesmo aqueles endurecidos pelo Sul se recusavam a entrar: a cidade sombria de Godara. Não importava quão cruel fosse um criminoso ou quão cego pela vingança alguém estivesse, ninguém perseguia seus inimigos até Godara.

    Durante sua jornada pelo Leste, Airen Farreira ouviu essas histórias e todo tipo de rumor sombrio. Mesmo que apenas um quarto deles fosse verdadeiro, ele pensou que aquele lugar seria um inferno na terra. No entanto, para ele, Godara não parecia diferente de qualquer outra cidade.

    Pessoas comuns passavam por ele enquanto caminhavam pelos mercados. Vendedores ambulantes anunciavam suas mercadorias, e comerciantes locais barganhavam com os clientes. As ruas eram tão limpas que Godara parecia até melhor do que a maioria dos outros lugares.

    Mas Airen Farreira não relaxou. Ele sentia todos o observando, o homem robusto, a mulher de aparência exausta, as crianças brincando de casinha no beco, o velho que sorria calorosamente para elas. Parecia que a cidade inteira tinha os olhos sobre ele. Nunca experimentara nada parecido antes.

    Thud.

    Clatter!

    — Ah, huff! D-Desculpa, desculpa! Ah, droga…

    — Seu idiota… Pedimos desculpas, de verdade.

    Naquele instante, alguns homens passaram por Airen, e um deles esbarrou nele. A cesta de frutas que o homem carregava caiu no chão, espalhando seu conteúdo e levantando uma pequena nuvem de poeira. Ambos pareceram envergonhados, pediram desculpas rapidamente, recolheram as frutas e partiram. Não eram diferentes de qualquer outra pessoa.

    — Então é assim que esse lugar funciona — Airen murmurou suavemente, sem emoção, antes de seguir em frente.

    Ele parou de observar a cidade. Ainda não sabia onde Ignet estava, mas movia-se como se já tivesse um destino definido. Não demorou para chegar a uma área aberta. Parou no centro e tomou um gole d’água, quando um grupo se aproximou dele. Eles eram diferentes dos que encontrou no Leste.

    Um homem de pouco mais de quarenta anos, que estava à frente, falou:

    — Dá para ver que você confia em suas habilidades. Pelo seu jeito de andar, seu olhar e a forma como percebeu que estávamos te seguindo na hora, está claro que você não é alguém comum. Em circunstâncias normais, seria melhor não mexer com alguém como você, não é?

    Airen não respondeu.

    — Mas não temos escolha — o homem continuou. — Tem alguém que quer um pedaço de você. Honestamente, você se encaixa bem… nos gostos dessa pessoa, o que é bem azarado para você.

    Airen continuou em silêncio.

    — Desculpe pela longa explicação. Ah, a propósito, você não vai conseguir usar toda a sua força. Usamos um pouco de pó, entende? Não nos culpe, somos apenas cautelosos, só isso.

    O homem sacou sua espada. Era uma lâmina fina, não uma espada numerada, mas ainda assim algo que qualquer espadachim cobiçaria. Mas o mais impressionante nele era sua aura, uma aura de matança densa, algo que um simples bandido de beco jamais poderia produzir. O ar formigava contra a pele de Airen.

    Swish!

    Shing!

    Os outros do grupo não eram menos formidáveis. Um gigante empunhava um enorme martelo, um homem magro segurava uma adaga afiada em um aperto invertido, e cada um deles exalava sua própria energia feroz. Cercaram Airen lentamente, estreitando o espaço ao redor dele.

    Mas Airen não sacou sua arma. Em vez disso, uma figura surgiu repentinamente atrás do grupo e atingiu o líder deles.

    Thud!

    Splat!

    — Você é Airen Farreira?

    Airen permaneceu em silêncio.

    Mas todos sabiam que seu silêncio significava sim.

    O grupo entrou em pânico, chocados demais para sequer preparar suas armas novamente. Ficaram rígidos, mal conseguindo respirar.

    Eles reconheceram o nome do alvo. E viram o espadachim esmagar a cabeça do chefe deles com facilidade. Ambas as coisas pesavam sobre eles mais do que podiam suportar.

    — Tem alguém que quer te encontrar.

    Airen os observou.

    — Essa pessoa provavelmente também tem as informações que você quer.

    Nenhuma outra conversa se seguiu. Um homem indistinto moveu-se rapidamente e com discrição, desaparecendo como se tivesse se dissolvido na escuridão. Airen o seguiu, o monstro e o herói caminhando sem alterar suas expressões.

    Depois que partiram, o grupo suspirou pesadamente no meio da clareira.

    — Phew!

    — Huff, huff, haaa…

    — Deuses… Airen Farreira? O verdadeiro Farreira?

    — Droga… O que ele está fazendo aqui?

    — Inacreditável.

    Todos balançaram a cabeça. Tiveram sorte, não importava quanto o chefe pagasse, aquilo não valia suas vidas. Felizmente, apesar da péssima escolha, todos, em sua maioria, ainda estavam respirando.

    — Vamos nos esconder por um tempo. Ele não se deu ao trabalho de nos matar, então talvez estejamos livres para ir.

    — Sim.

    — Certo.

    — Mas e quanto a isso?

    — Hmm?

    O segundo no comando olhou para baixo. O corpo sem cabeça de seu chefe chamou sua atenção, e ele lembrou-se de algo que todos haviam esquecido: seu chefe também era alguém de interesse para aquele chef.

    Assentindo, ele disse:

    — Vamos vender o que pudermos. Vamos.


    — Você está bem? Com o cheiro?

    Airen não respondeu.

    — Pessoas comuns podem não notar, mas se seus sentidos forem afiados o suficiente, o fedor pode ser desagradável… — o guia disse antes de cair em silêncio.

    Quando o vendedor de frutas esbarrou em Airen, um pó inodoro se espalhou sobre ele. No entanto, um elfo ou um mestre espadachim poderia detectá-lo, e o ancião com certeza desgostaria disso. Mas o ilustre convidado não demonstrou reação alguma. Sem mais o que dizer, o guia focou-se em guiá-lo pelo caminho.

    Eles entraram em uma estalagem de aparência comum. O guia pronunciou um código secreto na porta e, uma vez autorizados a entrar, desativou armadilhas e feitiços dentro de uma passagem oculta. Após mais alguns passos e procedimentos, chegaram a uma velha porta de madeira.

    O guia fez uma reverência. — Aproveite seu tempo.

    Airen não respondeu. Assim como quando entrou na cidade de Godara, manteve sua expressão vazia e adentrou a sala subterrânea.

    Creak.

    Thud!

    — Vamos direto ao ponto. A partir de agora, pelas próximas vinte e quatro horas, você não pode sair.

    Airen observou o orador com cautela.

    — Como pode ver, preparamos tudo para o seu entretenimento. Comida deliciosa, bebidas refinadas, belas mulheres, tesouros antigos, obras de arte famosas do mundo inteiro… O que quiser, basta pedir. Podemos conseguir em trinta minutos.

    Airen não respondeu.

    — Apenas passe um dia inteiro se divertindo comigo. Depois disso, pode fazer o que bem entender.

    Ao contrário da porta áspera e rangente, o interior era vasto e iluminado por uma luz mágica suave. A qualidade do ar era tão boa que era difícil acreditar que estavam no subsolo. Os objetos ali eram grandiosos o suficiente para rivalizar com os de um palácio. O velho não exagerava. Alguém como Jakuang, que amava banquetes e mulheres, não reclamaria nem se tivesse que ficar ali por toda a vida.

    Mas Airen não hesitou e, por fim, quebrou o silêncio.

    — Tem um cheiro ruim.

    — Como? O que quer dizer? Temos perfumes de alta qualidade importados do Reino Gaveirra por toda parte, então…

    — Onde está?

    — …O quê?

    — Eu perguntei: onde está?

    Dessa vez, o velho silenciou. Ele sabia exatamente do que o jovem herói falava, mas não tinha intenção de responder. Sua missão era manter Airen ali por um dia inteiro sem revelar nada. Não achava que seria difícil. Ele se lembrou dos atos nobres do herói de alguns dias atrás, os quais testemunhara por meio de uma ferramenta mágica.

    Ele estalou os dedos.

    Fwoosh!

    Fwoosh, fwoosh, fwoosh!

    Uma parede se iluminou, revelando mais de uma centena de cenas do cotidiano de Godara. Mas havia algo perturbador nos ângulos, uma malícia oculta nas profundezas das imagens.

    — Se você sair antes de vinte e quatro horas, cidadãos inocentes morrerão. O mesmo acontecerá se tentar me ferir ou arrancar informações de mim à força.

    Airen permaneceu em silêncio, então o homem continuou.

    — Pessoas vão morrer. Sem motivo. Pessoas que não têm envolvimento algum com isso serão torturadas e humilhadas, largadas para apodrecer nas ruas. Se é isso que você quer, vá em frente.

    O velho sorriu, fitando os olhos do jovem herói.

    Ele sabia muito bem, Airen era uma boa pessoa. Pelo seu orgulho, por sua vantagem, por sua felicidade ou por seu prazer, Airen jamais sacrificaria inocentes.

    Não importava o quão forte ele fosse, essa era sua fraqueza fatal.

    O velho sorriu mais ainda. “Isso o torna tão fácil de manipular.”

    Não precisaria resistir por muito tempo. Apenas um dia e tudo estaria resolvido. Talvez até antes disso. Aquilo era apenas um seguro.

    De repente, os olhos do homem se arregalaram.

    Zzt!

    Foi um movimento rápido demais para até mesmo os sentidos de um mestre espadachim…

    Boom!

    — Guh-urk!

    Um estrondo ensurdecedor rasgou a sala, seguido por uma tosse ensanguentada.

    Os olhos do velho se arregalaram enquanto gritava.

    — O q-quê?!

    — Fale.

    — V-Você não me ouviu? Se der mais um passo…

    Boom!

    Outra explosão. Um dos capangas do velho morreu, empalado por uma lâmina gigantesca, o rosto torcido em choque.

    A expressão do velho era a mesma.

    Isso era diferente do que ele esperava. Achou que o herói não conseguiria fazer nada, não poderia sair, não poderia tocar nos que esperavam lá fora. Mas, aparentemente, esse não era o caso.

    Ele estalou os dedos novamente. Cinco pessoas, na parede que mostrava Godara, morreram instantaneamente. Para o velho, foram mortes fáceis, insignificantes. Mas para o herói… Elas tinham que importar para ele.

    Mas o jovem que segurava a enorme lâmina dourada permaneceu impassível. Então disse:

    — Eu não suporto.

    — O q-quê?

    — O cheiro.

    Airen fechou os olhos, aguçando seus sentidos.

    O fedor ficou mais nítido.

    Não era o cheiro do pó do vendedor de frutas.

    Era a malícia humana, a miséria dos cidadãos de Godara, que viveram acorrentados a um destino cruel por décadas, talvez até por um século, fedia como demônios.

    Era insuportável.

    O velho, seus capangas… Eram ainda mais imundos do que os homens que espancaram o garoto batedor de carteiras até a morte.

    Aos olhos de Airen, não eram seres que precisavam ser protegidos.

    Boom!

    Boom!

    BOOM!

    — Ugh, v-você…!

    As explosões continuaram.

    A cada vez que a silhueta borrada de Airen se movia, outro capanga escondido no covil subterrâneo perdia a vida.

    E o velho não seria exceção.

    Sim, ele era um mestre espadachim que governava Godara das sombras, mas estava indefeso diante da fúria ardente de Airen.

    O velho precisava de reforços.

    Cerrou os olhos e pensou no grande mago acima dele.

    Aquele seria o fator decisivo.

    Slash!

    — Então você está aí.

    Airen sentiu o sinal do coração desesperado do velho e então pisou com força.

    Brrrm…brrrm…brrrm…BOOM!

    Uma enorme onda de fogo irrompeu pelo chão, disparando para cima na escuridão.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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