Capítulo 341: Uma Série de Infortúnios (4/4)
— Merda.
— Droga, por que você está xingando do nada? Isso acaba com o clima.
Ouvindo a reclamação de outro homem que vivia no degrau mais baixo da sociedade, o primeiro homem suspirou. Não era porque o trabalho era difícil, nem por causa do cheiro repugnante de sangue impregnado em suas roupas. Nos becos de Godara, sobreviver mais um dia sem morrer de fome já era motivo suficiente para gratidão.
Mas, mesmo para alguém tão positivo quanto ele, havia algo extremamente desagradável naquele enorme prédio no centro dos becos. Um homem rico e sem nome construiu aquela magnífica torre, melhor do que a maioria dos palácios reais. Essa fortuna era algo que o primeiro homem jamais conseguiria, mesmo que trabalhasse por dez mil anos.
Sempre que olhava para cima, todo tipo de emoção negativa, ciúme, desespero, raiva, vinha à tona.
O homem manco ao seu lado zombou.
— Idiota. Você age como se isso fosse novidade.
Ainda assim, nem ele conseguiu esconder a inveja e a irritação estampadas no rosto.
“Por quê aqui?”
Por mais que pensasse, não havia razão para construir uma torre dessas ali. Por que alguém tão rico, alguém que podia pagar por jardins mágicos, piscinas internas e inúmeros outros luxos, escolheria viver cercado por mendigos imundos?
— Ele está fazendo isso de propósito. Aquele desgraçado. Ele está zombando de nós.
— …Cuidado com o que fala. E se o guarda ouvir?
— Ha.
O homem manco tinha razão. Reclamar ali não adiantaria nada.
Assentindo, o homem voltou ao trabalho. Com uma expressão sombria, continuou cavando buracos, enterrando um cadáver e cobrindo-o com terra.
Mas seus pensamentos não cessavam.
“Se ao menos eu pudesse matá-lo.”
Um ódio avassalador emergiu, muito mais forte do que a inveja miserável do homem. Sem que ele percebesse, seu rancor se espalhou, misturando-se com o ódio dos outros habitantes dos becos. Toda essa energia convergiu para o último andar da torre, acumulando-se dentro de uma bela taça de vidro.
Recostado em uma cadeira feita de uma mulher humana, a entidade que coletava esse ódio assentiu.
— Nada mal.
Um diabo que o observava ao lado resmungou, descontente:
— Você realmente acha que esse método vai funcionar?
— Hmm?
A figura impregnada de malícia voltou-se para o diabo. Não tinha olhos, apenas uma armadura oca, preenchida por trevas, o fitava de volta. Apenas encarar essa energia demoníaca aterrorizante seria o suficiente para enlouquecer uma pessoa comum, mas o diabo não se importava. Ele até mesmo espiou dentro do elmo, testando a paciência da entidade até que esta revelasse sua aura ameaçadora.
Claro, ele não fez isso para sempre.
Após saborear o ódio que emanava dos becos, o mago murmurou baixinho:
— Bastante semelhante.
— O que quer dizer?
— Até dois anos atrás, eu achava que os diabos eram seres completamente diferentes. Não importava o quanto os humanos tentassem, nunca conseguiriam compreendê-los. Eu acreditava que os diabos eram criaturas incompreensíveis, além do nosso alcance.
O diabo não respondeu.
— Mas observando você, parece que eu estava errado. Talvez tenha sido apenas uma ilusão formada durante aqueles 160 anos de isolamento.
— Seu desgraçado…
A armadura completa do diabo rangeu sinistramente. Seu desejo de matar preencheu o último andar da torre. Num instante, as cadeiras humanas sob eles apodreceram por completo. O mago caiu no chão, ainda sorrindo.
Era fascinante.
Aquele diabo, obcecado por poder, status, inveja e desconfiança, se assemelhava muito à feiura da humanidade.
Isso se aplicava apenas a esse em particular? Ou humanos e diabos não eram tão diferentes, afinal?
O mago queria saber. Mesmo após envelhecer e ser corrompido pelas forças demoníacas, sua curiosidade não havia morrido. Esse era o verdadeiro instinto de um mago, difícil de suprimir… mas não algo que ele investigaria contra as ordens do Rei Demônio.
Apagando o sorriso do rosto, ainda sentado no chão, o velho mago que havia se tornado um demônio, Iphrain Slick, disse:
— Talvez você esteja certo. Se o Airen que conheço ainda for o mesmo de antes, ele não será capaz de fazer nada. Mas as pessoas podem mudar, mesmo em pouco tempo. Eu mudei.
— Isso é tão irresponsável…
— Não é irresponsável. Não é como se eu estivesse apostando tudo nisso. Escolhi o método com maior chance de sucesso, mas ainda pode falhar. É por isso que estamos esperando aqui, não é?
O diabo permaneceu em silêncio.
— Heh heh… Se não gosta disso, me desafie depois que nossos mestres partirem. Nem o Rei Demônio nem o Diabo Bufão querem que nos enfraqueçamos com lutas inúteis entre nós.
Dizendo isso, o mago demoníaco fechou os olhos. Não parou por aí, deitou-se por completo, apoiando a cabeça para trás como se estivesse prestes a dormir. Ele sentiu a raiva crescente do diabo, mas a ignorou.
Enquanto observava a expressão do herói através de seus subordinados, Iphrain esboçou um leve sorriso.
“O rosto dele não está nada bom.”
Ele gostou muito disso.
Nos últimos dois anos, focou-se inteiramente em Airen Farreira.
Ele queria que o herói sofresse. Que se desesperasse. Para Iphrain, ver o grande herói dilacerado entre seus objetivos pessoais e seus ideais superiores era o espetáculo mais delicioso possível.
“As próximas vinte e quatro horas serão um banquete requintado.”
O velho mago sorriu enquanto antecipação e excitação borbulhavam dentro dele, um prazer que não sentia há trinta anos.
Mas então, algo inesperado aconteceu.
Swish!
Brrrrm…brrrrm…brrrrm…BOOM!
Com um único golpe, o herói que havia abatido o governante de Godara emergiu do subsolo. As chamas intensas nos olhos de Airen deixaram Iphrain momentaneamente sem palavras.
— Apenas dois minutos, e você não conseguiu segurá-lo? — o diabo zombou.
Desde o início, ele não gostava dessa configuração. Um humano transformado em demônio sentado no último andar, favorecido pelo Rei Demônio e pelo Diabo Bufão, recebendo suas ordens diretas. Nada disso lhe parecia certo. Claro, não podiam permitir que o plano da grande entidade falhasse, mas isso não era um problema. Só precisavam esmagar o herói com pura força bruta.
Quando a energia do herói se aproximou, o diabo sacou uma lâmina negra. Enquanto isso, o mago demônio irrompeu em uma gargalhada histérica, tossindo entre risos. Ele não parou, seu riso ecoando por toda a torre.
— Ele enlouqueceu? — o demônio murmurou.
Não fazia sentido. Essa criatura incompleta havia conquistado o favor do Rei Demônio e seria a mais culpada caso falhassem. Como podia rir tão alegremente em um momento como esse? Esse era o limite da compreensão do diabo. Ele podia nutrir ódio pelos humanos, mas não conseguia entender esse nível de obsessão pessoal.
E foi exatamente por isso que o Demônio do Coração e o Diabo Bufão escolheram confiar em Iphrain, sua pura e pessoal aversão e rancor por Airen Farreira superavam o de qualquer demônio.
Ainda tremendo de alegria, ele pensou: “O melhor desfecho!”
Ele queria atormentar Airen, mergulhá-lo no desespero. Mas qual era o melhor método para isso? Quebrar seus ideais. Fazê-lo negar as convicções que o haviam guiado até ali.
Claro, isso não seria fácil. Ele achava quase impossível. Afinal, Airen não o havia matado, mesmo sendo tão repulsivo quanto qualquer demônio. Ele já havia poupado um meio-elfo que traiu sua própria raça. A bondade e os ideais de Airen eram fortes.
Mas agora…
— Você está diante de mim, tendo traído a espada que uma vez fez você brilhar.
Airen não respondeu.
— Isso é exatamente o que o Rei Demônio e o Diabo Bufão desejavam. A queda do herói… Nada é mais doce para um demônio. Não concorda? — Iphrain provocou.
Airen já sabia disso. Sua sensibilidade ao mal era tão forte que desafiava a compreensão. Ele lia cada pensamento vil de Iphrain com perfeita clareza. Ele entendia seus planos melhor do que qualquer um.
Mas isso não importava. Conseguir algo maior do que simplesmente bloquear o caminho do herói, corrompê-lo, seria a verdadeira vitória. Para cumprir essa ordem, Iphrain invocou uma malícia interminável e amaldiçoada.
— Você disse que os assassinos e as vítimas aqui eram os mesmos, não disse? Talvez seja verdade. Afinal, as forças demoníacas corrompem todos em Godara, seja de maneira profunda ou superficial — Iphrain pensou.
— Mas isso significa que todos estão além da salvação? São todos irremediáveis, monstros desde o nascimento, tão horríveis quanto os diabos? — Airen respondeu.
— Você sabe a resposta. Não é tão simples assim. Uma vez, você me deu uma chance, e eu odiei profundamente Harun Farreira. Você poupou a meio-elfa que traiu sua própria raça. Você era um verdadeiro herói.
— E agora?
O sorriso de Iphrain se alargou. Ele estava certo de que a fuga de Airen daquele porão subterrâneo não foi porque os reféns estavam além da salvação. Não foi uma decisão guiada pelos ideais usuais do herói.
Foi ódio pessoal, vingança pessoal. Ele banalizou vidas humanas por sua própria urgência e egoísmo. Não agiu de acordo com seus princípios anteriores. Não, ele comprometeu-se e recorreu a um desespero egoísta. Ele destruiu suas próprias crenças.
Kukukuku…
A risada do demônio ecoou pela torre novamente, tão arrepiante que até mesmo um diabo próximo estremeceu. Naquele momento, Iphrain estava mais próximo da verdadeira maldade demoníaca do que nunca.
E as maldições continuaram.
A escuridão fluía de coração para coração, atormentando o herói. Como Airen chegou tão longe com o apoio de pessoas boas, esse ataque o atingia ainda mais profundamente. A corrente de malícia formada pelo rancor de Iphrain e pelo mal acumulado do continente oriental o acorrentava. Tudo aquilo era completamente diferente do que ele enfrentou nas finais do Torneio do Herói.
O diabo focou sua atenção em Airen, encantado com o desenrolar dos acontecimentos… mas ignoraram um detalhe crucial.
Slash!
E sua negligência teve consequências aterrorizantes.
Shraaak!
— Guh… urk…!
O diabo de armadura completa soltou um gemido. Num instante, uma aura em forma de crescente voou em sua direção, cortando seu corpo ao meio com um único golpe. Ele não teve tempo para reagir.
Ao ver isso, Iphrain percebeu tarde demais: “Nunca deveríamos ter lhe dado tempo!”
Quanto mais Airen lutava, mais seu poder multiplicava.
Desesperado, o diabo tentou reunir seu corpo e erguer sua lâmina. Iphrain tentou preparar-se para o combate, mas era tarde demais.
Assim que o cavaleiro negro tentou falar, a sombra de Airen preencheu sua visão.
BOOOOOOM!
Empunhando o lado plano de sua lâmina como uma arma contundente, Airen esmagou o elmo do diabo, garantindo instantaneamente que a regeneração não fosse possível. Ele erradicou o diabo por completo, tudo o que restou foram alguns fragmentos de armadura caindo tristemente ao chão.
Engolindo seco, Iphrain se viu cara a cara com Airen.
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