Índice de Capítulo

    Magos eram raros, e magos excepcionais eram ainda mais raros. Claro, também existiam feiticeiros, mas a maioria dos magos que alcançavam o ápice de sua arte vivia no recluso Reino Runetell. Testemunhar a ‘verdadeira magia’ poderia ser tão difícil quanto testemunhar feitiçaria.

    Por causa disso, as pessoas tinham uma ideia equivocada sobre a verdadeira natureza da magia. Elas pensavam que a magia era um poder místico. Diferente da esgrima, que envolvia segurar firmemente uma espada e brandi-la com força, a magia era incompreensível, uma habilidade sobrenatural que desafiava o senso comum.

    Isso não era verdade. Iphrain Slick passou toda a sua vida imerso no mundo da magia; ele acreditava que a magia era, acima de tudo, um poder transparente e claro. Era um campo onde ‘os cálculos eram possíveis’.

    A magia exigia sentir mana se espalhando pelo mundo, reuni-la no Núcleo dentro do corpo, transformá-la nas propriedades desejadas, moldar essas propriedades na forma necessária e manifestar o resultado final de maneira apropriada. E todos esses processos requeriam cálculos precisos, meticulosos e impecáveis.

    O uso de ferramentas mágicas e círculos mágicos simplesmente substituía cálculos que alguém havia verificado há muito tempo. Embora isso pudesse parecer estranho para os não iniciados, da perspectiva de um mago, era perfeitamente normal. Não era diferente de aplicar uma fórmula comprovada a uma equação matemática.

    “Mas por quê…”, Iphrain engoliu em seco. Ele viu Gia Runetell flutuando no céu. Ele não apenas a percebia visualmente, mas também sentia as fórmulas que ela usava e as várias condições que as sustentavam.

    Ele já era um gênio, mas superou seus limites mais uma vez ao abraçar a escuridão. Agora ele podia estimar o poder contido nos raios que cercavam o corpo da rainha. Era impossível replicá-lo, mas ele conseguia ‘calcular e prever’ sua magia.

    Pelo menos, era isso que ele pensava até um momento atrás.

    — Morra, Mago das Trevas.

    Foi uma sentença tão simples que mal poderia ser chamada de encantamento. No momento em que Gia a proferiu, uma amplificação de poder ocorreu, destruindo o senso comum, apagando a história e negando completamente o mundo da magia que ele havia aprendido e praticado até então!

    “Feitiçaria? Não… Magia? Também não é isso. Ou é? São ambas? Isso é sequer possível?”, Ele balançou a cabeça. “Não pode ser… Não, talvez possa.”

    “Artefatos antigos e um texto ancestral… Ela tem uma conexão direta que transcende o reino dos cálculos e da compreensão… Isso permite que ela alcance um lugar inalcançável por fórmulas instantaneamente!”, ele pensou, sua mente acelerada. “É o Poder das Palavras?! Não…”

    — Linguagem dracônica… — ele disse em voz alta.

    Baruum!

    As palavras de Iphrain foram interrompidas. Ele não conseguiu escapar. Relâmpagos rasgaram a escuridão e atingiram o mago negro diretamente na cabeça, vaporizando-o instantaneamente. Seu corpo e sua energia sombria desapareceram sem deixar vestígios, como se ele nunca tivesse existido.

    Ninguém se moveu, nem mesmo os diabos de alto escalão, que estavam em menor número, mas haviam pressionado ferozmente os Mestres; os diabos que sentiram algo estranho e se prepararam para recuar para o subsolo; e os diaboss que concentraram toda a sua energia demoníaca no mago isolado. Nenhum deles reagiu.

    Rompendo o silêncio absoluto, Gia falou mais uma vez:

    — Desapareça, escuridão.

    Como se tivesse acabado de declarar uma regra inquebrável, ela abaixou a mão. Então, um raio extremamente poderoso se espalhou em todas as direções, incinerando o interior da muralha.

    Boom!

    B-Boom!

    BOOM!

    Ninguém pôde escapar. Não importava quão poderosa e aterrorizante fosse a escuridão, ela não conseguiu escapar da magia atual. O relâmpago azul era impossível de bloquear ou evitar, e ele apagou os diabos e suas intenções malignas do mundo, um por um. Até mesmo as maldições que normalmente persistiam após a morte de um diabo desapareceram.

    Ao ver essa cena inacreditável, o sacerdote de mais alto escalão de Arvilius, Ashlin Godeverta, murmurou:

    — Parece que não há necessidade de um ritual de purificação.

    — De fato… — Darin Holten, outro sacerdote de alto escalão, assentiu atordoado.

    Era inconcebível, não apenas para alguém ignorante sobre magia, mas até mesmo da perspectiva de um sacerdote. O que Gia acabara de fazer não era apenas uma força poderosa capaz de eliminar monstros. Havia algo além disso — o raio não estava apenas destruindo os diabos.

    Eles observaram enquanto os raios purificavam e limpavam o espaço da escuridão. A magia mística varreu cada canto dos becos de Godara, continuando seu trabalho de purificação como se estivesse enviando de volta ao reino demoníaco o inferno que havia se desenrolado ali.

    Ninguém mais ergueu suas espadas. Nem os magos, nem os elementalistas, nem os sacerdotes, nem os feiticeiros que chegaram tarde ao campo de batalha. Todos observaram a rainha de Runetell descer lentamente ao chão. Suas expressões pareciam implorar por uma explicação. No entanto, nem Gia tinha algo a dizer. Ela própria não compreendia totalmente.

    “O que acabou de acontecer?”

    Ela simplesmente não conseguia perdoar Iphrain e queria descarregar sua raiva no mago negro. Ele havia abandonado seu orgulho como mago e tomado emprestado o poder da escuridão. Mas essa vontade se fundiu à sua fórmula mágica meticulosamente elaborada. Aconteceu de forma involuntária, e foi um erro.

    Um poder que ela não conseguia entender era um poder que não podia controlar. Além disso, um poder que não se pode controlar deve ser considerado um fracasso, independentemente do resultado.

    “Mas eu não parei.”

    Não, em vez disso, ela expandiu seus ataques de raio em direção a Iphrain, desejando a destruição da escuridão. Ela nem sequer tentou entender quais cálculos precisava fazer, apenas falou. Através de suas palavras, ela transcendeu centenas de milhares de etapas e chegou à resposta.

    Era algo além de encantamentos comuns… O que ela precisava veio à mente, o texto antigo descoberto na capital de Arvilius. Muitas novas possibilidades surgiam a partir dele. Para entender o que aconteceu ali, ela precisava encontrar a gata negra. Tinha que fazer perguntas e obter respostas.

    Ao chegar a essa conclusão, a rainha de Runetell se virou e olhou ao redor. Estava exausta e queria desabar, mas encontrar o jovem loiro vinha primeiro. Ele era a única chave para chegar até Lulu.

    — Onde ele está?

    — De quem você está falando…?

    — Airen Farreira.

    — Ah!

    — Hmm…

    — Pensando bem…

    Todos lentamente recobraram os sentidos e olharam ao redor, mas Airen havia desaparecido completamente. Illia Lindsay e alguns outros ficaram pálidos.

    — Vamos começar uma busca — disse Quincy Meyers, avaliando rapidamente a situação.

    Ainda havia perigos. O Diabo Bufão, Karl Lindsay e o imenso mal ao qual até mesmo eles se curvavam ainda não haviam aparecido. Não era uma boa ideia se dividir em pequenos grupos. Mas, mesmo assim, eles precisavam de Airen.

    No meio do campo de batalha, onde a tensão ainda pairava, Illia Lindsay fechou os olhos com força. Os diabos e muitas outras coisas pesavam em seu coração. Mas nada se comparava aos seus sentimentos por Airen.

    “Airen.”

    Ela sussurrou suavemente enquanto o vento bagunçava seu cabelo.

    — Airen.

    Dizer seu nome em voz alta tornou tudo ainda mais claro. Nada mais importava. Nem mesmo seu irmão.


    Quando os heróis do continente emergiram do portal e desencadearam seu ataque contra os demônios, Airen Farreira deixou o campo de batalha e seguiu em direção ao distrito nobre de Godara.

    Ele não sabia por que sentia a necessidade de ir até lá, se era um sinal da sua espada, apenas um pressentimento ou algo completamente diferente. O importante era que não havia tempo para hesitar. Se não se movesse agora, perderia a chance, talvez para sempre.

    Com uma convicção que beirava a certeza, o herói moveu seu corpo cansado e parou diante de um edifício magnífico. Não era comparável à torre mágica nos becos de Godara, mas ainda assim era esplêndido. No entanto, um fedor incrivelmente nauseante, diferente de qualquer coisa que ele já havia encontrado, emanava de dentro.

    Airen deu um passo à frente e entrou.

    Ele viu um salão de banquetes, iluminado por luzes brilhantes. Vários pratos de comida apodrecida estavam dispostos sobre uma longa mesa com louças refinadas. Ao passar por ali, chegou à cozinha, onde uma cena que desafiava o senso comum se revelou diante de seus olhos. Se fosse seu antigo eu, teria parado imediatamente.

    Mas ele não parou. Descendo ao porão exposto, um terrível dilema o atormentava.

    — Para salvar alguém precioso para você, deve ignorar a vida dos outros. Você não os olhou da mesma forma que antes, não agiu da mesma maneira. Você cedeu e recuou, confiando em seu egoísmo impaciente.

    As palavras de Iphrain Slick não estavam erradas. O Airen que hesitava em matar não estava mais ali. O Airen que lutava para resolver problemas sem respostas corretas também havia desaparecido.

    Restava apenas o Airen que se apoiava nas chamas e perseguia o Diabo Bufão com um coração em chamas. Ele jogou fora toda a boa vontade que o sustentara até aquele momento, movido apenas pelo ódio e pela raiva, foi por isso que ignorou os pratos nojentos no salão de banquetes e a cena horrenda na cozinha.

    Isso não era ruim. Ele não achava que fosse um problema. Pelo menos por enquanto. Graças a sua entrega às chamas, derrotou o diabo gigante e chegou ali sem hesitação.

    Isso mesmo. Ainda não era tarde demais.

    Enquanto continuava descendo, Airen virou a cabeça para a direita. Havia um lugar de onde emanava apenas escuridão. Ele não o ignorou. Mesmo de longe, viu uma figura repleta de ódio cintilando naquela escuridão, como se pudesse desaparecer a qualquer momento. A criatura olhou para ele e acenou.

    — Bufão!

    Flash!

    Olhando para o Diabo Bufão diante do portão dimensional, Airen convocou sua espada. Manifestou sua aura, que brilhou com uma luz vermelha. No entanto, a força que invocou era ainda maior do que quando derrotou o diabo gigante. Airen não sabia como ainda tinha tanto poder naquele estado de exaustão. Para ser sincero, ele nem queria saber.

    Thud!

    Ele pisou forte no chão.

    Whoosh!

    Então, ele brandiu sua espada com força. Seu equilíbrio inclinou-se para a frente no processo, mas ele não se importou. O fato de a espada arrastar seu corpo significava que o movimento não era perfeito, mas também indicava que continha um poder tremendo.

    A luz vermelha avançou em direção ao mal.

    O Bufão abaixou o olhar. Estava prestes a sorrir triunfante enquanto a escuridão engolia o herói.

    Boom!

    — Ugh…?

    Um ataque surpresa lançou Airen para longe. Enquanto isso, o portão dimensional começou a se fechar rapidamente, encolhendo até um tamanho que ninguém mais poderia atravessar.

    Não foi o Diabo Bufão, nem o mago negro que ficou parado ao lado dele, nem aquele que parecia ser ainda mais ameaçador do que eles.

    Foi Ignet Cresensia.

    Do outro lado do portão dimensional que se fechava, ela sorriu e disse:

    — Volte quando estiver um pouco mais forte.

    Airen não conseguiu dizer uma única palavra.

    — Estarei esperando — disse Ignet. — Ainda posso aguentar por enquanto, então pode levar seu tempo.

    E foi isso. O portão dimensional encolheu até desaparecer completamente. Pouco antes de se fechar por completo, Airen ouviu o Diabo Bufão estalar a língua.

    Mesmo que não tivesse ouvido, ele saberia. Ele teria morrido. No estado em que estava, se tivesse entrado naquele portal, a escuridão o teria dominado e ele teria caído. Em outras palavras, Ignet o protegeu… e ele falhou em protegê-la.

    Ele sequer podia oferecer a ela sua confiança.

    — Airen!

    — Airen, você está aí? Aí está você!

    — Você está ferido…? Ufa, parece que não.

    — Mas, hum…

    “Quanto tempo se passou?”

    De repente, duas luzes rasgaram a escuridão e desceram. Eram Ian e Julius Hule. Ao verem a expressão de Airen, se calaram. Queriam perguntar o que havia acontecido ali, mas Airen parecia tão abatido que era difícil fazê-lo.

    Então, uma pergunta escapou da boca de Airen:

    — Como eu me torno mais forte?

    Ian e Julius trocaram olhares.

    — Para ficar muito mais forte, muito mais rápido do que sou agora… O que devo fazer?

    Ian permaneceu em silêncio, e Julius também não conseguiu responder. Eles nem sequer tentaram aliviar o peso da desesperança que emanava do jovem herói.

    Airen não disse mais nada. Fechou os olhos com força e se lembrou das últimas palavras de Ignet. Ele precisava se tornar mais forte antes que a escuridão manchasse o sol. Ele precisava superar seus limites atuais.

    De alguma forma.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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