Índice de Capítulo

    — Lulu…

    Airen Farreira tinha uma expressão atordoada enquanto olhava para sua amiga familiar. Seu traje negro de feiticeira de combate, os chifres que brotavam de sua cabeça e suas asas semelhantes às de um morcego indicavam claramente que aquela era Lulu. Mas havia algo diferente nela.

    Da última vez que a viu, ela era uma garota jovem, e agora estava muito mais madura e desenvolvida. Airen sentiu um raio de luz atravessar a escuridão profunda dentro de seu coração.

    — Uh… — Ele gaguejou.

    Havia tantas coisas que queria dizer. Por que ela demorou tanto? O que esteve fazendo esse tempo todo? Por que sua aparência havia mudado novamente? Algo importante tinha acontecido?

    No entanto, um sentimento ainda maior de saudade e alívio ofuscou essas perguntas. Seus olhos ficaram úmidos enquanto ele se aproximava lentamente da Lulu. Então, ele a abraçou.

    — Senti sua falta.

    — Fico feliz que você esteja bem. — A feiticeira sorriu calorosamente diante da saudação sincera de seu amigo. — Eu também senti sua falta. De verdade. — Quando ele não respondeu, Lulu deu tapinhas suaves em suas costas. — Você passou por tanta coisa.

    Airen sentiu uma mistura de gratidão e um leve desconcerto. Aquilo era definitivamente estranho. Lulu costumava lhe dar conselhos profundos como uma sábia, mas sua imagem sempre foi a de uma brincalhona animada. Agora, porém, ela parecia uma mãe confortando seu filho; ele queria se apoiar nela e permanecer em seu abraço para sempre.

    Justo quando pensou nisso, Lulu se afastou um pouco dele. Ela o olhou nos olhos e perguntou:

    — Pode me contar o que aconteceu enquanto eu estive fora?

    Airen prendeu a respiração.

    — Não precisa se apressar. Está tudo bem. Ainda há muito tempo. Pense com calma e comece quando se sentir confortável.

    A princípio, as palavras dela pareciam apenas um conforto comum. Mas então, Airen sentiu algo a mais. Era como se realmente não fosse tarde demais, como se ele pudesse superar sua situação difícil.

    Não. Não era imaginação.

    Olhando nos olhos da Lulu, Airen permaneceu em silêncio por mais um tempo e, então, começou a falar. Contou sobre sua jornada para participar do Torneio dos Heróis, suas realizações durante a competição e os eventos infelizes que se seguiram. Ele a contou tudo o que viu, ouviu, sentiu e pensou durante aquele período.

    — Entendo, entendo. Você trabalhou duro. De verdade — disse Lulu. — Não é que você seja estranho, fraco ou falho. É só que muitas coisas ruins aconteceram de uma vez. Eu acredito que você vai superar isso. Você vai se tornar uma pessoa ainda mais incrível.

    Enquanto Lulu falava, seu coração caloroso fluía para o corpo de Airen e atingia sua própria alma. Ele amava aquilo.

    Ainda assim, Airen não conseguia ser completamente feliz. Como ela sabia disso? Como podia acreditar nele, alguém que cresceu cercado de amor e encorajamento, mas desmoronou miseravelmente no instante em que experimentou o lado sombrio do mundo? Ele queria perguntar.

    Claro, era apenas um impulso infantil. Ele não queria uma resposta como, ‘Eu não acredito em você’. O que ele desejava era uma reafirmação constante. Mesmo que ouvisse as mesmas palavras reconfortantes dezenas ou centenas de vezes, queria ouvi-las de novo e de novo.

    Após encará-lo em silêncio por alguns minutos, Lulu girou sua varinha mágica.

    Flash!

    Uma luz brilhante explodiu. Era tão intensa que mesmo Airen, em nível de Mestre, mal conseguia olhar para ela. Sua ansiedade cresceu enquanto fechava os olhos.

    “E se Lulu desaparecer de novo? E se ela tiver visto meu estado patético, ouvido minhas palavras tolas e testemunhado minhas ações impulsivas? E se isso a decepcionou? E se ela voou para outro lugar?”

    É claro que esses pensamentos eram infundados.

    Assim que a luz se dissipou, Airen abriu os olhos rapidamente. Por um momento, ficou surpreso e logo abaixou o olhar. Então, suspirou aliviado.

    Ela ainda estava diante dele. E, bem na sua frente, Lulu se transformou em uma gata preta. Flutuando no ar, ela disse:

    — Eu sou uma gata preta.

    Airen não conseguiu dizer nada.

    — Gatos pretos simbolizam boa sorte — disse Lulu. — Você se lembra do que me disse antes? Que acreditaria mais na sorte de um gato preto do que todas as pessoas que o veem como um símbolo de azar juntas? Que pensaria em gatos pretos como seres que trazem grande fortuna?

    A gata preta voou até ele. Airen a pegou nos braços, e Lulu se aconchegou contra seu peito.

    — Eu apoio você, Airen, muito mais do que apoio as dificuldades e dores que temporariamente lhe afligiram.

    Ele não duvidava mais dela. Não podia. Mesmo que não conseguisse acreditar em si mesmo, não conseguia não acreditar em Lulu. Afinal, ela acreditava nele.

    Em seu tão esperado reencontro, os dois compartilharam o calor um do outro por um longo tempo.


    Naquela tarde, os heróis do continente se reuniram em um só lugar.

    O grupo era composto pelo Rei Sagrado; Julius Hule e várias figuras de Arvilius; Gia Runetell e as forças de Runetell, incluindo as três grandes famílias mágicas; as forças dos Orcs do Norte; os líderes das cinco grandes escolas de esgrima; os espadachins de todo o continente, incluindo aqueles da Academia de Esgrima Krono. Era uma reunião de indivíduos que verdadeiramente representavam o mundo humano.

    — Vou realizar feitiçaria! — declarou com confiança a gata preta, que havia reunido todas essas grandes figuras, enquanto batia suas adoráveis patinhas no pódio.

    É claro que o grupo estava ainda mais curioso sobre outra coisa, não apenas sobre essa adorável gata falante. Feitiçaria. Por mais que a feitiçaria fosse descrita como uma habilidade capaz de realizar feitos inacreditáveis, alguns até maiores que milagres concedidos por um poder sagrado, o grupo tinha suas preocupações sobre isso.

    — Isso não é vago demais?

    — Precisamos de algo mais concreto.

    — Exatamente. O que você pretende fazer com essa feitiçaria? Vai simplesmente dizer ‘Puf! Morra, Rei Demônio!’ e fazer esse desejo se tornar realidade? — perguntou Inasio Karahan, a estrela em ascensão do Sul, com uma careta. Ultimamente, ele tentava manter seu temperamento sob controle. Aqui, porém, não tinha escolha; havia testemunhado as demonstrações dos espadachins veteranos em Godara.

    “Eles não eram humanos. Nenhum deles.”

    Ian e Julius Hyule, que lançaram um diabo gigante pelos ares como se fosse uma pedrinha, eram impressionantes. Igualmente incríveis eram os líderes das cinco grandes famílias. Inasio os viu fatiando facilmente demônios de alto escalão que ele jamais conseguiria enfrentar.

    É claro que eles não eram os únicos formidáveis. Os magos, especialmente a Rainha Gia Runetell, do Reino Runetell, eram indescritíveis. Por causa disso, a confiança inabalável de Inasio despencou.

    Ainda assim, o motivo de ter levantado a voz dessa maneira era porque a situação era frustrante. Ele achava as palavras da gata um completo absurdo. Além disso, no fundo, ele simplesmente não gostava dela. Uma gata feiticeira? E ainda por cima, uma gata preta, do tipo que traz má sorte? Ele não conseguia acreditar naquilo.

    Deixando de lado suas superstições, ele duvidava que aquela pequena criatura fosse sequer capaz de expressar sua opinião diante do Rei Sagrado, da Rainha Gia ou do senhor da guerra orc. No entanto, suas reações o surpreenderam.

    — Quero ouvir mais.

    — Eu também.

    — Continue.

    Quando as três grandes figuras falaram positivamente, Inasio não teve escolha senão recuar em silêncio.

    Ao seu lado, Jarod disse baixinho:

    — Idiota.

    — Isso não foi um pouco rude, sênior?

    — Shh. Silêncio. A gata está falando. — Jarod gesticulou com o queixo para frente.

    Inasio virou a cabeça, irritado. Mas, ao ver a reação dos outros, um sentimento ainda maior de expectativa se instalou. Não era apenas o Rei Sagrado, o senhor da guerra orc e a rainha que queriam ouvir mais. Todos aqueles que ele considerava grandes estavam focados naquela criatura. Eles se agarravam a cada palavra da gata preta.

    “Há algo nisso.”

    Sentindo isso, Inasio Karahan abandonou sua teimosia e olhou para Lulu. Seus olhos se encontraram brevemente, e sua expressão mudou.

    Agora ele entendia um pouco melhor. No instante em que seus olhares se cruzaram, ele sentiu algo que não havia percebido antes. Era inexplicável, mas por um momento, ele teve a sensação de estar diante de algo muito maior do que apenas um gato olhando para ele.

    Ele não era o único que se sentia assim. Aqueles que estavam insatisfeitos com a situação atual, especialmente o grupo de magos que não reconhecia os feiticeiros assim como alguns sacerdotes teimosos, começaram a mudar suas expressões, um por um.

    Era por causa de Lulu. Ninguém se sentia desconfortável após encarar diretamente os olhos da gata. Em vez disso, todos endireitaram suas posturas, sentindo uma inexplicável sensação de intimidação.

    — Essa gata é mesmo a Lulu? — Skeena Kitten, uma mestra em feitiçaria que havia voado do Principado de Cezar depois de ouvir a notícia tardiamente, perguntou à sua aluna.

    Após um momento, Kiril Farreira respondeu:

    — Sim. São a mesma.

    — Sério?

    — Sim. Os sentimentos dela pelo irmão são os mesmos de antes. Então, é a Lulu. Claro que… — Kiril fez uma breve pausa. — Pode haver algumas partes que eu não conhecia.

    Ao ouvir as palavras de sua aluna, Skeena Kitten assentiu. Kiril estava certa. Ela não sabia muito sobre Lulu. Esse campo não era tão sistemático quanto a magia ou a esgrima, então era natural que os feiticeiros tivessem dificuldade em entender uns aos outros. No entanto, a energia de Lulu era única e difícil de acreditar. Era tudo um tanto complicado de compreender.

    E Gia Runetell sentia o mesmo. Quero perguntar para ela agora mesmo.

    Mas não era sobre feitiçaria que ela queria perguntar, e sim sobre magia. Era algo realmente estranho, mas, de alguma forma, ela sentia que isso não seria uma pergunta estranha. Parecia semelhante a perguntar algo a um professor. Por isso, ela não se surpreendeu com as palavras de Lulu.

    — Vou criar um espaço onde qualquer um que tenha recebido o sinal de Ignet possa treinar. Terá tudo o que for necessário para fortalecer vocês, onde tudo o que o aprendiz desejar aparecerá — explicou Lulu. — Os desejos não se limitam a objetos e lugares. Podem ser literalmente qualquer coisa. Até mesmo o tempo é possível, em certa medida… Então, não há necessidade de se esforçarem demais.

    As palavras e o olhar de Lulu surpreenderam Judith. Ela sentiu como se Lulu tivesse lido sua mente. Havia planejado seguir o fio do coração de Ignet e entrar na fenda no espaço. Tentaria, fosse possível ou não. Mas agora, ela não pensava mais nisso. Se o que Lulu dizia era verdade, não havia necessidade de fazer isso.

    Um campo de treinamento que transcendia tempo, espaço e outras limitações… Ela sequer conseguia imaginar um ambiente melhor para treinar.

    É claro, nem todos viam isso de forma tão positiva.

    — Isso é impossível.

    — Impossível! Não há como algo assim ser possível!

    Vários magos, sacerdotes e feiticeiros falaram simultaneamente, expressando suas dúvidas sobre o plano. Fizeram isso mesmo após o olhar de Lulu os intimidar. Era compreensível, afinal.

    Não importava o quão transcendental a feitiçaria fosse, ninguém na história jamais alegou ser capaz de controlar o fluxo do tempo. Houve alguns poucos casos em que distorções temporais ocorreram por acaso, mas ser capaz de fazer isso voluntariamente era considerado impossível.

    Nesse momento, Lulu falou calmamente:

    — Eu imaginei.

    Sua voz não era nada alta. Em um mercado barulhento, talvez ninguém a tivesse ouvido, de tão suave que era. Ainda assim, todos imediatamente se calaram. Ficaram olhando fixamente para o gato preto como se suas almas tivessem saído de seus corpos.

    Flash!

    Brrrm…

    De repente, uma luz brilhante surgiu, e eles ouviram algo crescendo.

    Todos abriram os olhos para ver Lulu se transformando em algo completamente diferente de um gato. A intensidade da luz ficava cada vez mais forte. Era tão intensa que até Gia Runetell, que tentou manter o foco na gata até o último momento, precisou desviar o olhar.

    Após um tempo, a luz diminuiu, mas não desapareceu completamente. A atmosfera estranha se intensificou, e Lulu continuou a brilhar.

    Todos pareciam completamente perdidos. Não importava seu status, experiência, idade ou habilidade. Sem exceção, ninguém conseguia esconder suas emoções.

    — Dragão… — disse lentamente a rainha de Runetell.

    Embora ninguém tivesse coragem de dizer em voz alta, todos tiveram o mesmo pensamento: Dragão. Diante deles estava um dragão, uma criatura lendária. Todos sabiam que a atmosfera havia mudado completamente em questão de segundos.

    Lulu não se importava. O dragão lançou um olhar para Airen e disse calmamente:

    — Não, eu sou apenas uma gata preta, sabia?

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

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