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    Havia incontáveis indivíduos talentosos no continente. Algumas dessas crianças, dotadas de habilidades excepcionais, eram chamadas de ‘gênios’, mas nem todos eram iguais.

    Um garoto considerado um gênio enviado pelos céus numa vila poderia acabar como alguém mediano na cidade. Até aqueles tidos como prodígios numa cidade poderiam se tornar comuns em uma escala nacional ou continental e perder sua confiança.

    Mas, há cerca de vinte anos, um verdadeiro gênio, diferente da média, nasceu na família Lindsay.

    — Karl Lindsay. Ele é meu irmão.

    Illia parou de falar após mencionar o nome do irmão. Airen percebeu o conflito interno que a garota enfrentava nesse curto silêncio. Então, sua história continuou.

    — Meu irmão é nove anos mais velho que eu, então eu não sei muito… mas ouvi que todos no continente já sabiam sobre ele quando eu comecei a andar.

    Era como ela dizia. Karl Lindsay era considerado o melhor espadachim do continente, e muitos espadachins renomados o reconheciam. O velho ditado de que se aprende mais do que é ensinado pertencia a ele. Seu físico merecia o título de ‘Dom dado por Deus’. Com apenas dez anos, ele venceu um cavaleiro em um duelo, mas isso não era motivo de orgulho, pois ele já havia feito muito mais. Todos depositavam grandes esperanças nele à medida que crescia. Então, aos dezesseis anos, uma espadachim visitou a família Lindsay.

    — O nome dela era… Ignet.

    Ignet também era bastante famosa. Apesar de ser uma plebeia, conseguiu o primeiro lugar entre muitos jovens de famílias renomadas na Academia de Esgrima Krono. Depois, recusou a admissão na academia e, aos quatorze anos, saiu com alguns seguidores para formar um clã de mercenários. E inúmeros feitos a seguiram.

    Aquela pessoa veio desafiar Karl Lindsay, afirmando arrogantemente que queria enfrentá-lo enquanto ainda tinha chance.

    — Meu irmão não hesitou em aceitar o desafio. Minha família geralmente não recusa um desafio… e ele estava confiante.

    Sim, Karl Lindsay estava confiante. Mesmo que a oponente fosse um gênio que surgira do nada, ela tinha a mesma idade que ele. Ele nunca havia perdido contra cavaleiros mais velhos, então nem cogitou perder para alguém de sua idade.

    A data do duelo foi marcada rapidamente, pois tanto Karl Lindsay quanto sua oponente não gostavam de enrolar. Ignet chegou ao local do duelo com seus longos cabelos negros esvoaçando ao vento, seus seguidores a acompanhando. Ela sorriu friamente, então sacou sua lâmina em meia-lua… e o duelo acabou num instante.

    Karl Lindsay perdeu após apenas três trocas de ataques.

    — Ignet partiu sem dizer uma palavra depois de derrotá-lo.

    Illia fechou os olhos. A visão de Ignet devastando Karl Lindsay a traumatizou. Ela tinha apenas sete anos na época, mas chorou tão amargamente, mais do que o próprio irmão. Ele teve que acalmá-la, e ela pensou, enquanto adormecia em seus braços, que seu irmão superaria aquilo. Acreditava que, por ser um gênio, ele se reergueria para enfrentar aquela bruxa e derrotá-la no fim. Mas… isso não se concretizou.

    — Ele não conseguiu superar. Nem mesmo até hoje.

    A voz baixa de Illia perfurou os ouvidos de Airen. Era uma história comum, onde um gênio que nunca enfrentou obstáculos na vida cai diante da primeira dificuldade.

    Após o incidente, todos achavam que Karl Lindsay era fraco de espírito e tinha o coração mole, apesar de seu talento. Todos o abandonaram. O continente acolheu a segunda gênia, enquanto deixavam o primeiro murchar na desgraça.

    E a jovem Illia Lindsay presenciou tudo isso. Ela assistiu e observou.

    — Meu irmão se trancou no quarto por causa das pessoas.

    Karl Lindsay não empunhava mais a espada e desperdiçava seu tempo escondido. Não suportava ver as expectativas que as pessoas tinham dele na juventude se transformarem em decepção e zombaria. Não aguentava mais o peso de ser julgado, avaliado e criticado por pessoas que não sabiam nada sobre ele.

    Por isso, sua irmã odiava se importar com o que as pessoas pensavam dela. Detestava ouvir suas opiniões. Não sentia alegria nem quando a consideravam o terceiro gênio do continente. Não havia garantias de que aqueles elogios doces não se transformariam em facas e a apunhalariam.

    Então, ignorava tudo isso. Não se importava com o que as pessoas diziam e continuava em seu caminho, tentando não se deixar influenciar. Prometeu a si mesma fazer isso e acreditou que estava conseguindo até que…

    — Fui influenciada sem nem perceber.

    Era verdade. Illia foi para a Academia de Esgrima Krono aos doze anos porque Ignet entrou na academia aos treze e ficou em primeiro lugar. Quis se tornar cavaleira formal aos quatorze porque Ignet foi condecorada cavaleira honorária aos quinze.

    Por isso, Illia queria conquistar a Terra da Provação aos dezoito e tornar-se uma mestre espadachim antes dos vinte.

    Ela queria provar para todos que diziam que Ignet era melhor que seu irmão, que ela mesma, e que a família Lindsay estava errada, derrotando cada recorde que Ignet havia estabelecido. E antes que percebesse, sua vida estava sendo guiada pelo que os outros diziam, e ela havia perdido a si mesma.

    — Mas isso mudou. Não vai acontecer mais — disse Illia.

    — É mesmo?

    — Sim. Graças a você.

    — Eu…?

    — Sim.

    Airen ficou surpreso, e Illia sorriu. Ele ficou ainda mais surpreso, pois era a primeira vez que a via sorrir tão abertamente. Pelo menos, sabia que ela estava sendo sincera.

    — Você nunca se deixou influenciar pelo que as pessoas diziam e se concentrou em seguir seu próprio caminho… e mudou a maneira como as pessoas pensam sobre você. Mas… tenho certeza de que você nem se importa com isso agora. Nem um pouco.

    — Eu só…

    — Hmm.

    Illia levantou-se do banco e se espreguiçou. Parecia renovada, como se tivesse se livrado de várias preocupações.

    — Vou parar. Não vou mais perseguir Ignet ou me deixar influenciar pelo que os outros pensam. Não preciso mais disso. Agora vou seguir o meu próprio caminho. Vou para onde quero, ver o que quero, e ainda chegarei lá. Vou provar e fazer as coisas do meu jeito. E depois… ah, aquela ‘monstra’ da Ignet que se cuide.

    Illia riu ao dizer isso. Não parecia conseguir se livrar totalmente dos pensamentos sobre Ignet, mesmo após declarar que seguiria seu próprio caminho. Mas isso não era estranho. A garota estava tentando enfrentar Ignet com sua própria vontade, e não por causa dos outros.

    Airen achou que ela brilhava ao fazer isso. Foi então que Illia de repente lhe perguntou — O que acha de mim agora?

    — Hã?

    — O que você pensa sobre mim neste momento?

    — Hmm? Er…

    “Tantas coisas me surpreenderam hoje”, Airen pensou consigo.

    Por que ela estava perguntando isso, se acabara de dizer que não se deixaria influenciar pelo que os outros diziam? Ele estava confuso, mas decidiu dizer o que tinha em mente.

    — Você é incrível — disse Airen.

    — Sério?

    — Sim. É incrível que você tenha superado essa dificuldade, pensado sobre o mundo fora da academia e planejado enfrentar uma mestra espadachim…

    Airen passou a maior parte de sua vida em sua cama, mas sabia o quão poderoso era um mestre espadachim. Havia menos de cem desses grandes espadachins no mundo.

    “Existe alguém por aí que se tornou mestre aos vinte anos… e Illia quer se tornar uma antes disso.”

    Era impossível, mas ele acreditava que ela realizaria. Sentia que pessoas como ela e Ignet vinham de um mundo diferente e achava difícil se relacionar com suas histórias. Era como se estivesse lendo um conto de fadas.

    — Hmm — Illia suspirou suavemente.

    A personagem desse conto de fadas cruzou os braços. Parecia estranha, como se tivesse gostado do comentário de Airen, mas ao mesmo tempo não. Ele se perguntou se tinha cometido um erro. E percebeu que, sem querer, se desencorajou com isso.

    Então, Illia descruzou os braços e deu um tapinha no peito do garoto.

    — Não seja bobo — disse Illia.

    — Hã?

    — Estou dizendo… que você deveria se cuidar.

    — O que você…

    Airen então entendeu o que ela queria dizer e parou. Virou-se para ela com um olhar surpreso, mas ela já estava indo embora. Olhou por cima do ombro e acrescentou.

    — Trabalhe ainda mais. Ou então… vou aumentar a distância.

    Então, deixou a pequena sala de treinamento com um sorriso radiante, enquanto Airen permaneceu em silêncio por um momento.

    Nenhuma das histórias parecia algo com que pudesse se identificar. Isso era certo. Airen achava que a história de Illia era como um conto de fadas, algo que acontecia em um mundo imaginário e não na vida real.

    Mas suas últimas palavras lhe disseram que ele também deveria ficar atento, como Ignet, ou ela o deixaria para trás. E então ele percebeu que agora fazia parte desse conto de fadas.

    Ba-dum!

    Seu coração começou a bater um pouco mais rápido. Uma pequena chama acendeu dentro dele. Era algo sutil, e o calor não era suficiente para derreter o nó preso profundamente em seu coração. Airen sequer entendia o que estava sentindo agora. Mas, certamente, uma pequena chama tinha se acendido dentro dele.

    E Airen Farreira ficou sob a escuridão, com essa sensação desconhecida, por muito tempo.


    A entrevista final começou alguns dias depois. As entrevistas não eram longas. A maioria consistia em alguns conselhos e palavras de conforto, junto com o resultado de sua admissão. A maioria das crianças aceitava seus resultados. Alguns agradeciam ao diretor com lágrimas, enquanto outros se despediam com pesar. Mas, é claro, havia exceções.

    — Obrigada por tudo, senhor. — A garota de cabelos prateados fez uma reverência.

    — Então, você conseguiu o que queria. Como se sente? — Ian perguntou.

    — Estou feliz, senhor. Mas não é porque fiquei em primeiro lugar.

    Illia Lindsay explicou calmamente. O diretor olhou em seus olhos e então riu.

    — Eu posso ver isso. Você parece muito melhor do que antes.

    — É tudo graças ao senhor, Diretor.

    — Não, não. Eu não fiz nada. Foi tudo você. De qualquer forma, pode ir agora.

    — Obrigada mais uma vez.

    Nem Illia, o diretor, nem o Instrutor Ahmed mencionaram o resultado da prova. Todos sabiam que isso já não importava para ela.

    Ian mantinha um sorriso no rosto. Mas ele não durou muito, pois o diretor suspirou com o que o próximo aprendiz preliminar lhe disse.

    — Está falando sério? — Ian perguntou.

    — Sim, senhor…

    — Você foi excepcional. E não estou falando apenas do seu desempenho na prova. Você se tornou um exemplo para os outros aprendizes na academia. Perdeu a arrogância, corrigiu seus erros e aprimorou o que já sabia fazer bem. Tenho grandes expectativas para você.

    — Eu… sinto muito, senhor. Não acho que consigo continuar.

    Não havia energia na voz de Brett Lloyd. Até seus olhos e expressão pareciam como uma vela apagada. O diretor o encarou e suspirou novamente.

    — Bem… faça como quiser.

    Brett se levantou após as palavras do diretor, fez uma reverência e saiu, enquanto o diretor suspirava três vezes consecutivas, olhando para ele.

    “Isso às vezes acontece”, Ian pensou.

    Às vezes, alguém com talento excepcional perde a vontade de seguir em frente ao surgir um novo gênio. Ian já havia visto isso acontecer dentro e fora da academia. Karl Lindsay era um exemplo disso. Mas não havia nada que ele pudesse fazer. Ele podia levar um cavalo até a água, mas não podia obrigá-lo a beber.

    “Espero que ele encontre algo que o faça mudar de ideia.”

    O diretor afastou o pensamento e chamou o próximo aprendiz. O garoto, que parecia um pouco mais velho que os outros, entrou com uma postura serena.

    — Aprendiz Airen Farreira — disse Ian.

    — Sim, senhor.

    — O que você nos mostrou durante a prova final foi impressionante. Para ser honesto, você foi quem mais me surpreendeu em todos os meus anos como diretor.

    — Obrigado, senhor.

    — Lembra-se do que eu disse na última entrevista?

    — Desculpe, senhor? Ah… Sim, lembro.

    Airen assentiu. O tema mudou de repente, mas ele se lembrava claramente. Na ocasião, pediu um conselho relacionado a Illia. E depois disso, foi-lhe concedido o direito de ser ensinado sempre que quisesse. E o mesmo valia para Ian.

    Então, o diretor falou sobre isso primeiro.

    — Tenho um conselho para você.

    — Estou pronto, senhor.

    — Mas primeiro preciso lhe perguntar algo.

    — Farei o meu melhor para responder.

    Algum conselho e uma pergunta. Era diferente de todas as outras entrevistas. O Instrutor Ahmed tentou parecer casual enquanto controlava sua expectativa.

    Airen também tentou permanecer calmo diante da situação inesperada.

    E o Diretor Ian lhe perguntou — Aprendiz Airen Farreira. Por que… você empunha uma espada?

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