Capítulo 38: O Visitante Indesejado (1/2)
por MrRody, Second StarQuantas famílias nobres existiam no continente? Ninguém sabia o número exato, mas eram muitas. O próprio Reino Heyle tinha mais de cem nobres, e o número talvez estivesse sempre crescendo, já que as propriedades costumavam ser divididas quando o primogênito não era o único herdeiro.
Mas, entre as inúmeras famílias nobres, apenas algumas eram famosas. As Três Famílias do Reino Runetell, um país conhecido por sua magia; as Cinco Famílias dos Cinco Reinos do Oeste, conhecidas pela esgrima; o Principado de Cezar, lar de muitos feiticeiros; e a família do Duque do Reino Sagrado, que formava grandes paladinos ao longo das gerações. Essas dez famílias eram tão conhecidas que a maioria das pessoas sabia sobre elas, exceto aqueles que viviam em terras muito remotas.
“E a casa Lindsay é uma das melhores.”
Por isso, Marcus reconheceu imediatamente a placa da família Lindsay. O objeto era, sem dúvida, autêntico, já que era feito de ouro branco caro e tinha o símbolo da família Lindsay magicamente gravado. Mas como seu mestre havia conseguido algo tão valioso? A resposta era direta.
— Minha amiga… me deu isso.
— Sua… amiga, meu senhor?
Airen assentiu. Uma amiga. Ainda não estava acostumado com a palavra, mas precisava aceitá-la, já que Illia o chamara de amigo. Ele também sabia por que Marcus estava surpreso. O Nobre Preguiçoso podia não conhecer o mundo profundamente, mas não era um completo tolo.
“Ele está tão chocado que nem consegue falar… Suponho que a família Lindsay seja mais famosa do que eu pensava.”
Airen não sabia muito sobre as dez famílias do continente, pois mal tinha ouvido falar delas. Assim, ao observar a reação de Marcus, pôde entender um pouco mais sobre a fama da família Lindsay.
“Pensando bem, outros garotos na academia também reagiram assim no começo.”
Mas o Nobre Preguiçoso não se importava com essa fama. Não fazia diferença para ele se ela vinha de uma família nobre, da mesma forma que não importava o fato de Judith ser órfã.
— Sim, uma amiga — repetiu Airen, pegando a placa de volta. Ao ver seu servo silencioso e atônito, ele falou primeiro.
— Desculpe, mas vou tirar um cochilo rápido.
— S-sim, meu senhor!
Airen usou essa desculpa para meditar. Mas agora, era por um propósito diferente. Ele estava buscando uma forma de se libertar da espada do homem. Não era fácil, porém. Nunca pensara nisso antes, e não havia uma resposta clara, pois era uma questão filosófica. Além disso, ele não era do tipo que lidava com esse tipo de pergunta rapidamente.
“No passado, eu teria fugido. Teria dormido e esquecido o problema.”
Mas ele não era mais assim. Por mais difícil que fosse, tentava primeiro. Depois, continuava tentando, pois aprendera que isso poderia abrir um novo caminho. O único problema era que ele não saberia disso se não fosse pelo sonho.
“Minha espada… e como trabalhar duro por conta própria…”
O garoto mergulhou profundamente em sua mente para resolver esse problema difícil, enquanto seu servo Marcus o observava com fascinação.
Alguns dias se passaram. A carruagem da família Ferreira estava agora se aproximando da propriedade. Tudo o que precisavam fazer era passar por uma cidade e estariam no destino. Durante esse tempo, o Nobre Preguiçoso passava seus dias como sempre, meditando e pensando.
“Será que ele está realmente bem?” pensava Marcus, ficando mais preocupado a cada dia.
Ficou aliviado ao reencontrar seu jovem mestre após um ano. Ele parecia saudável e parecia ter feito amigos, algo inimaginável no passado. E ele ainda tinha se tornado amigo da famosa gênia, Illia Lindsay!
Isso era bom. Era até melhor do que se tornar um aprendiz formal da Academia de Esgrima Krono. Um Airen ingênuo talvez não soubesse o que isso significava, mas Marcus sabia que essa amizade certamente ajudaria sua família e seu mestre no futuro. Mas, mesmo com todos esses bons sinais, ainda havia um problema se o mestre estivesse de mau humor.
“Eu acho que ele caiu em desespero…”
Embora não fosse um pensamento encorajador, Marcus o servo, junto com os outros nunca acreditaram realmente que Airen Ferreira seria admitido na academia. Todos sabiam que a Academia de Esgrima Krono era um lugar difícil para um iniciante em esgrima. Mas, mesmo sabendo disso, não era o suficiente para evitar que um aprendiz ficasse desapontado e caísse em desespero. Seu mestre parecia especialmente triste porque se desafiara pela primeira vez na vida.
“Eu preciso de algo para animá-lo!”
O servo não conseguia pensar em nada, e, infelizmente, não tinha escolha. Seu mestre não teria se escondido no quarto desde o início se soubesse o que fazer.
Então, quando a carruagem chegou à última cidade antes do lar, Marcus estava em um dilema. Foi então que ele encontrou algo extraordinário.
“Um orc?”
Com pele verde, um corpo mais robusto que o de um homem adulto comum e uma grande presa saindo da boca, Marcus estava confiante de que era um orc.
“Ouvi dizer que são raramente vistos no noroeste do continente… O que o traz aqui?”
Os Orcs viviam longe do Reino Heyle e raramente interagiam com humanos, então era difícil vê-los por aquelas partes. E ele não era qualquer orc. Tinha uma tatuagem na pele e um pingente de pentagrama no pescoço. Parecia treinado em adivinhação e elementalismo.
“É isso!” pensou Marcus, batendo palmas, e imediatamente voltou para a estalagem para chamar Airen educadamente.
— Meu senhor? Está acordado?
— Sim. Por quê?
— Se me permite, o senhor teria interesse em uma leitura da sorte?
— Uma leitura da sorte?
Airen já tinha ouvido falar de adivinhação. Era uma espécie de superstição, um método de descobrir o que o futuro reservava.
— Parece divertido, mas por que…
— Não é qualquer adivinho. Um oráculo orc está na cidade.
Airen, que estava desinteressado, ficou surpreso. Nunca tinha visto um orc, pois sempre ficava na cama. A pura curiosidade o fez concordar, e eles se prepararam e seguiram até o local do oráculo orc. O servo sorriu.
“Os oráculos orcs são famosos por dizerem apenas coisas boas.”
Ninguém ficaria feliz ao ouvir um mau presságio, seja de um humano ou de outra raça, então todos os oráculos orcs só falavam de boas fortunas, não importando o que vissem. As pessoas sabiam disso, mas ninguém se importava. E o mesmo valia para Airen.
“O orc pode lhe dizer algo bom que o ajude a sair da depressão por ter sido expulso da academia!” pensou Marcus.
Logo, chegaram ao local do oráculo orc. Felizmente, a fila não era muito longa.
— É verdade — disse Airen, surpreso.
— Certo. Um orc de verdade. Sabe que os oráculos orcs são os mais confiáveis dos adivinhos? — perguntou Marcus.
— Sim. Ouvi dizer que só conhecer um oráculo orc já traz boa sorte.
— Isso é verdade, meu senhor.
Essa história surgiu porque os oráculos orcs só falavam de boas fortunas, mas o servo não explicou isso. Logo chegou a vez deles, e o garoto sentou-se ansioso na cadeira, enquanto o servo permanecia de pé atrás dele. O oráculo orc os recebeu com um sorriso.
— Bem-vindos! É você quem precisa de uma leitura da sorte? — perguntou o orc.
— Sim, sou eu — Airen assentiu.
— Muito bem. O que você quer saber? A sorte de hoje? A sorte deste ano? Algo sobre relacionamento? Dinheiro? Saúde? Pergunte qualquer coisa. Sou um oráculo orc habilidoso, e eu… vou…
Airen e Marcus ficaram surpresos ao ouvir o orc falar fluentemente a língua continental. Mas o discurso do oráculo desacelerou, e ele parou de falar. Os dois olharam para trás para ver se algo acontecera, mas não havia nada. Na verdade, o oráculo orc estava encarando Airen.
— Está… tudo bem? — perguntou Marcus, confuso.
Seus olhares se cruzaram, e o silêncio caiu. Airen sentiu suor nas costas. Logo, o oráculo orc ficou sério e perguntou calmamente.
— Posso perguntar… Qual é a sua idade?
— Melhor parar com essa conversa fiada de adivinhação a partir de agora! Vamos embora, meu senhor! — o servo gritou furioso enquanto o jovem nobre o seguia com uma expressão sombria.
O oráculo orc, Kubar, gemeu ao vê-los partir.
— Droga. Acho que não farei negócios aqui de agora em diante.
Ele não tinha escolha. Para ser honesto, era péssimo em adivinhação. Apenas conseguia sucesso em seus negócios por meio de habilidades de oratória, excelente observação e adaptação rápida. Isso bastava para satisfazer 99% dos clientes, mas às vezes falhava. Hoje foi um desses dias.
“Ele foi reprovado com esse tipo de corpo? Como isso é possível?” pensou Kubar.
Kubar sabia desde o início que o garoto havia passado por um treinamento intenso. A prova estava em sua constituição física, incomparável à de um homem comum. Era um corpo compacto, com músculos concentrados, não inflados para parecerem grandes, mas otimizados para uma verdadeira batalha. E com um servo parado atrás dele, Kubar concluiu que seu cliente era filho de algum nobre importante ou de um mercador rico. E ele estava certo.
Achou que o garoto estava a caminho de um teste para entrar em alguma renomada ordem de cavaleiros e ofereceu-se para fazer um amuleto de boa sorte… Mas então soube que o cliente já havia sido reprovado e estava voltando para casa.
“E foi em uma academia que ele foi reprovado? Não numa ordem de cavaleiros? As pessoas da academia são tão descuidadas com os detalhes? Será que não viram o corpo dele?”
O cliente não era extraordinário apenas em sua forma física. Kubar, o oráculo orc, não era bom em adivinhação, mas era um elementalista habilidoso. Exagerando um pouco, ele nunca havia visto nenhum elementalista humano mais capaz que ele próprio.
E com sua habilidade, ele viu que o corpo do garoto estava incrivelmente cheio de ferro. Um ou dois anos de treinamento não seriam suficientes para alcançar esse estado. O garoto tinha uma aura ao seu redor que só era possível através de uma vida inteira de refinamento, como se fosse feito de aço.
“E ele só tem dezesseis anos? Quem acreditaria nisso?”
Ele sempre tinha dificuldade em dizer a idade de um humano, mas, na verdade, foi sua habilidade elementalista excelente que o traiu, fazendo-o cometer o mesmo erro duas vezes.
— Bem… Devo considerar um benefício ter encontrado uma entidade tão misteriosa.
Isso era verdade. Ele estava satisfeito, mesmo que não tivesse recebido nada por isso. Nunca havia visto um humano, ainda tão jovem, tão imbuído de um dos cinco elementos em seu corpo.
Então, ele ignorou o servo zombeteiro e deu ao garoto um presente. Não era algo que preparara como um falso adivinho, mas sim uma anotação que recebeu de seu mestre, que fora um grande oráculo. A nota mágica de seu professor daria o conselho certo para o garoto.
— Será que um dia vou vê-lo de novo? Hmm…
“Bem, acho que vou vê-lo se tiver a chance.”
Kubar coçou a cabeça e puxou uma garrafa de licor de seu bolso na cintura. Depois, foi ao ringue de apostas para gastar tudo o que ganhara naquele dia.
— Sinto muito, meu senhor. Não sabia que ele era um farsante…
No dia seguinte, o servo Marcus se curvou em desculpas enquanto a carruagem seguia para casa. Ele não pôde se desculpar no dia anterior, pois estava muito chateado com seu erro. Parecia extremamente abalado com o que havia acontecido. Mas, claro, Airen estava bem com isso.
— Tudo bem — disse Airen.
— Mas…
— Não é como se ele tivesse dito algo ruim sobre mim. Quer dizer, ele estava… muito errado. Mas ele também estava certo, de certa forma.
— Ele estava…?
“Ele não estava completamente errado?” pensou Marcus. O orc perguntou a um garoto de dezesseis anos se ele tinha mais de cinquenta e disse ao jovem, voltando para casa após ser reprovado, que ele seria aceito na ordem de cavaleiros para a qual estava se preparando.
“Eu deveria ter xingado ele mais.” Mas seus pensamentos foram interrompidos pelo que Airen lhe disse em seguida.
— Eu fui aceito.
— Como, senhor?
— A academia. Fui aceito. Desculpe por não ter contado antes… Estava ocupado pensando em outras coisas. Desculpe.
— …
— Ah, mas não vou voltar para a academia imediatamente. O diretor me deu uma tarefa para fazer… é uma aceitação condicional. Posso voltar se resolver a tarefa dentro de um ano.
— H-hã? Bem…
O servo ficou confuso. Ele deveria perguntar por que seu mestre estava contando isso agora ou parabenizá-lo primeiro? Ou deveria não dizer nada, já que não era uma aceitação completa? Talvez apenas incentivá-lo?
“Mas ele realmente foi aceito? Na grande Academia de Esgrima Krono?”
O servo não conseguia se decidir e tentava arduamente reorganizar seus pensamentos.
Quanto a Airen, ele pensava profundamente na mensagem escrita na nota que o oráculo orc lhe dera.
Permanecer ereto não significa estar sozinho.
Era um conselho que parecia sem sentido, mas Airen não conseguia ignorá-lo.
“Aquele oráculo provavelmente estava perguntando… sobre a idade do homem do sonho.”
O orc também falou sobre ferro, um dos cinco elementos. Airen ouvira na academia sobre sua vontade de ferro. Isso, também, era direcionado ao homem, não a ele.
— Hmm…
O orc falhou nos pequenos detalhes, mas estava certo na visão mais ampla. Ele até reconheceu algo mais profundo que ninguém sabia, nem mesmo o Diretor Ian com seu olhar perspicaz.
“Vou manter isso em mente.”
Essa era a decisão que ele tomou. Não precisava se apoiar no conselho, nem ignorá-lo. Aquilo bastava por enquanto. E estava prestes a encerrar seus pensamentos quando o soldado na boleia do cocheiro falou, nervoso.
— Uma carruagem… da família Gairon está se aproximando, meu senhor.
Airen despertou dos pensamentos de imediato. Até Marcus olhou para fora, alarmado.
A família do Visconde Gairon. O chefe dessa família estava sempre tentando se opor aos Ferreira, e seus dois filhos zombavam abertamente do primogênito da família Farreira.