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    Quando as pessoas se deparam com o impossível, algo que não pode ser explicado, e duvidam do que veem, dizem que é como magia. Mas isso é errado. Embora seja frequentemente mal interpretada como o uso de uma força invisível chamada ‘mana’ magia é um estudo de ciência e lógica. Sendo assim, qual palavra seria apropriada quando alguém enfrenta algo inexplicável?

    “Feitiçaria…!”

    Estava correto. Apenas a feitiçaria estava livre das regras terrenas.

    “Mas um gato falante…?”

    Seria esse um feiticeiro transformado em gato? Ou um gato que havia se tornado feiticeiro? Marcus estava confuso. De qualquer forma, era difícil de acreditar. Ele estava chocado, assim como Airen Farreira. O garoto nunca tinha visto outro feiticeiro além de sua irmã.

    “Mas o que diabos?!” Quanto a Aaron Gairon, ele estava ainda mais surpreso.

    Ele também nunca enfrentara outro feiticeiro além de Kiril Farreira, pois eles eram ainda mais raros do que os magos. O garoto de quinze anos se lembrou dos rumores sobre os feiticeiros.

    “Dizem que todos têm temperamentos difíceis e que não se seguram quando estão de mau humor…”

    E se o gato o atacasse? Ou já estava sendo atacado? Aaron começou a sentir-se enjoado.

    “Isso não é bom”, pensou Jack Stewart. Ele reagiu com muito mais lógica do que o segundo filho do visconde. Feiticeiros eram imprevisíveis, mas eram seres com inteligência e humanidade. Não eram monstros usados para assustar crianças. Muitos feiticeiros trabalhavam para governos, então não era justo considerá-los desviantes irracionais.

    Mas, como isso estava acontecendo na Propriedade Farreira, e o feiticeiro estava sendo hostil com eles…

    “Não há como saber qual é o poder de cada feiticeiro.”

    O fato de não poderem supor a força do oponente fez com que ele decidisse que deveriam sair dali o mais rápido possível.

    — Peço desculpas, feiticeiro, se lhe ofendemos — disse Jack Stewart ao gato. — Por favor, visite-nos na Propriedade Gairon, e retribuiremos com nossa hospitalidade.

    — O quê, não vão lutar? Já acabaram? — perguntou o gato.

    — Nós, os Gairon e os Farreira, somos aliados. Está enganado.

    — Bah.

    O gato de pé cruzou os braços. Franziu a testa, mas não tomou nenhuma outra atitude.

    Jack Stewart suspirou aliviado e falou com Airen.

    — Peço desculpas por termos tomado seu tempo, meu senhor. Você deve estar cansado. Vamos seguir nosso caminho. — Em seguida, virou-se para Aaron. — Meu senhor, voltemos para a carruagem.

    — Hã? Ah, sim!

    Aaron Gairon correu de volta para a carruagem como se estivesse esperando por isso, e Jack o seguiu. A carruagem deles desapareceu, deixando para trás uma nuvem de poeira, e agora restavam apenas os Farreira e o gato preto.

    — Como?! Que tédio. Vocês parecem se odiar, então por que não resolvem isso com um bom duelo? — murmurou o feiticeiro, enfiando uma pata na cintura. Um bolso surgiu de repente, e uma espada de madeira com um ar adorável apareceu. O gato a pegou e começou a brandi-la como se estivesse em um combate imaginário.

    — Assim, hiya! Hiya! Eu esperava ver algo interessante. Que pena.

    Airen, Marcus e até os soldados que lideravam a carruagem não conseguiram dizer nada. Sentiam como se o cérebro tivesse congelado. Apenas observaram o gato preto correr por um tempo, balançando a pequena espada como um espadachim. Então, de repente, ele se sentou e começou a se lamber.

    Marcus foi o primeiro a se recompor. Com um olhar, ele indicou aos soldados para assumirem o assento do cocheiro e levou o jovem mestre para dentro da carruagem.

    Felizmente, o gato não lhes deu atenção. Ele continuou lambendo a pata como se seu único propósito na vida fosse se cuidar.

    Enquanto se afastavam, Airen perguntou a Marcus.

    — Aquele feiticeiro. Você o conhece? Quer dizer, aquele animal, quero dizer…

    — Não, meu senhor, nunca ouvi falar de tal criatura. Mas… — O servo parou e engoliu em seco antes de continuar. — Talvez a Senhorita Kiril tenha algo a ver com aquele gato. Afinal, ela é uma feiticeira.

    — Talvez…

    — Descobrirei assim que voltarmos para casa, meu senhor.

    A carruagem caiu em silêncio após isso. Airen e Marcus estavam ocupados revivendo o que acabara de acontecer enquanto seguiam para casa. Logo, avistaram o muro da Propriedade Farreira se aproximando ao longe.

    Naquele momento, o Nobre Preguiçoso se libertou dos pensamentos sobre o feiticeiro. Respirou fundo enquanto apreciava a paisagem familiar. O primeiro filho dos Farreira finalmente havia retornado para casa.


    — Essa gata é uma feiticeira chamada Lulu.

    Marcus nem precisou investigar, pois todos na família já sabiam. Os quatro membros da família estavam reunidos numa sala para uma esperada reunião familiar. O primeiro tópico deveria ser sobre a Academia de Esgrima Krono, mas o assunto virou outro. O Barão Farreira contou a história da feiticeira.

    — Ela chegou há dez dias. Quer… se tornar professora de Kiril.

    — Professora…? — perguntou Airen.

    — Ah, meu Deus. Por que estamos falando de um gato? Desculpe. Você foi bem no último ano, meu filho — o barão tentou mudar de assunto rapidamente.

    — Ah, obrigado, pai. Foi uma boa experiência. Tive dificuldades lá… mas foi bom. De verdade.

    Airen estava sendo honesto, e o Barão Farreira sentiu isso. Isso sozinho tocou o coração do pai. Depois de se esconder em seu quarto por dez anos, seu filho havia suportado o cronograma brutal da academia por um ano. E ele não apenas suportou contra sua vontade. Ele realmente considerava aquilo valioso.

    Essa era uma grande mudança, mas o assunto não voltou para a academia.

    — Ah, desculpe, mas… podemos falar sobre a feiticeira primeiro? Estou muito curioso sobre ele… — perguntou Airen.

    — Certo? Na verdade, eu também queria falar sobre ela — respondeu seu pai.

    Assim que começaram, não conseguiram mais evitar falar sobre a gata. Uma feiticeira, e ainda mais uma gata, era um tópico empolgante. Harun Farreira pigarreou e começou a explicar sobre a misteriosa gata.

    No entanto, não havia nada de especial. Ela era uma gata de verdade, não uma humana transformada em gata com inteligência humana. Ela também se empolgava rapidamente com as coisas e logo perdia o interesse. Mas não era ameaçadora e…

    — E… ela é forte — disse o barão.

    — Forte? — Airen perguntou.

    — Sim, ela é forte.

    Dessa vez, sua irmã Kiril, que estava quieta sentada no colo de Amelia Farreira o tempo todo, respondeu.

    — Dá para perceber só de olhar. Ela deve ser mais forte do que qualquer feiticeiro que vi na capital. Provavelmente.

    Ela não tinha provas para sustentar isso, mas Airen assentiu. Sua irmã era uma feiticeira talentosa, então ele confiava nela. Aquele gato, ou melhor, a Feiticeira Lulu, provavelmente era muito forte. Talvez também fosse talentosa.

    E esse era o motivo do dilema de seu pai.

    — É difícil encontrar feiticeiros talentosos — disse o barão.

    — Eu não sei muito sobre isso… mas acho que entendo — respondeu Airen.

    — E encontrar um feiticeiro que possa ensinar outra pessoa é ainda mais difícil.

    — Já ouvi sobre isso.

    Assim que sua filha despertou sua feitiçaria, o Barão Farreira foi imediatamente à capital para buscar uma audiência com o rei e procurar um professor. Mas falhou.

    Havia três tipos de feiticeiros: os que não gostavam de Kiril, os que Kiril não gostava e os que eram incompatíveis com as habilidades de Kiril. O Barão Farreira aprendeu da pior maneira por que os feiticeiros escolhem estudar e treinar sozinhos, sem um mestre. Mas então…

    — Essa feiticeira é muito habilidosa, e ela gosta da Kiril. Tenho certeza de que a habilidade dela também combina com a dela. Caso contrário, ela não imploraria tanto para ser professora — disse o barão.

    — Há algum problema? — perguntou Airen.

    — Bem, ela não tem um histórico identificável. Enviei alguém à Associação de Feiticeiros para verificar. Mas…

    Havia algo mais importante do que isso. O barão olhou para a filha, que estava com uma expressão desconfortável.

    Sim. Esse era um dos motivos pelos quais ele não conseguia encontrar um professor para ela. Kiril precisava gostar do professor. Esse era o maior obstáculo. Mesmo que passassem em outros aspectos, não faria sentido se ela não gostasse deles.

    Airen se virou e perguntou hesitante à irmã.

    — Kiril.

    — O quê?

    — O que você acha?

    — Do quê?

    — Daquela gata feiticeira.

    — O que ‘você’ acha?

    — Hã?

    Airen ficou surpreso com a pergunta. Não havia pensado muito sobre isso, imaginando que não tinha nada a dizer sobre essa questão da feiticeira. Então ele simplesmente compartilhou seus pensamentos.

    — Bem, seria sua professora, então acho que o que você pensa é o mais importante.

    — É mesmo? — Kiril retrucou.

    — Sim. Eu não entendo muito sobre feitiçaria e tudo mais, então…

    — Quem liga pra isso?

    — Hã?

    — Eu sei que você não entende nada de feitiçaria. Só quero sua opinião, mesmo assim.

    Airen sentiu o suor escorrer pelas costas. Sua irmã, às vezes, ficava teimosa desse jeito. Cada vez que ele perdia o que dizer, recuava para seu quarto e se escondia na cama. Mas agora ele não podia fazer isso. Airen permaneceu em silêncio com um semblante preocupado.

    — Kiril, por que está incomodando seu irmão logo agora que ele voltou? — Amelia Farreira falou com a filha em tom gentil.

    — O quê? Só estava perguntando pra ele.

    — É uma pergunta difícil de responder.

    — Ele não precisa pensar tanto sobre isso.

    — Então coloque um sorriso no rosto antes de dizer isso.

    Amelia Farreira controlou rapidamente a filha, como de costume, mas Kiril não suavizou sua expressão. Airen continuava a sentir o suor escorrer pelas costas.

    “Ela definitivamente não está de bom humor.”

    E isso provavelmente era por causa dele. Ou por causa de como ele falou, ou por algo que ele nem imaginava ser um problema. A questão era que ele nunca conseguia descobrir o motivo. Já fazia um tempo que Airen queria correr para o quarto.

    Mas ele não podia fazer isso. Não podia fugir da irmã depois de ter ido à Academia de Esgrima Krono para deixar de fugir.

    Felizmente, havia uma solução melhor.

    Airen colocou a mão no bolso e entregou algo à irmã. Os olhos da garota se arregalaram, e ela perguntou — O que é isso?

    — É um presente.

    — Um p-presente?

    Kiril Farreira parecia surpresa. E ela não era a única. O pai deles, Harun Farreira, e a mãe, Amelia Farreira, também olharam para o filho com descrença.

    “Airen trouxe um presente?”

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