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    História Paralela – 4 O Caminho da Independência

    Intocada. Esse era o pensamento, não sem uma ponta de inveja, que surgia na mente do garotinho sempre que via Elena.

    Não era só a pele dourada pelo sol ou os calos nas mãos dela; havia um ar de leveza nela que não dava para esconder. Era a leveza de alguém que não precisava se preocupar com o que comeria naquele dia, a leveza de quem não precisava se preocupar em sobreviver. Talvez fosse por isso que ele pensasse assim sobre ela.

    Misturado à inveja que o garoto sentia de Elena, havia um leve toque de desdém. Era inevitável, na verdade. Mesmo sendo mais velha que ele, provavelmente essa garota nunca lavou a louça, limpou, fez lavou roupas ou precisou trabalhar para ganhar dinheiro.

    “Mesmo que eu seja um pirralho ranhoso que às vezes faz xixi na cama… Ainda sou melhor que a Elena.”

    Era o que ele pensava, pelo menos até o momento em que trouxe a notícia de que a gangue do Pendal havia sequestrado Kron.

    Sua reação foi tardia. O pirralho ranhoso só entendeu a gravidade da situação depois que Elena já o havia pegado nos braços e disparado para fora do orfanato.

    A garota corria em uma velocidade aterradora. Assustado, o menino só conseguia encarar em silêncio a nuca de Elena.

    “Será que essa garota vai… Ela pretende mesmo ir direto atrás da gangue do Pendal? De jeito nenhum!”

    A gangue do Pendal não era composta por bandidos comuns. O próprio Pendal estava muito além do nível de um marginal típico. Cerca de meio ano atrás, esse forasteiro brutal se estabeleceu em Eratria, tomando rapidamente o controle dos valentões da cidade. Ele era uma figura impiedosa, que não hesitava nem nas tarefas mais cruéis, desde que gerassem lucro.

    Os espadachins da cidade tremiam diante dele, e até figuras influentes o temiam. Ele era o governante indiscutível de Eratria, uma força tremenda, considerada um desafio até para a maioria dos Especialistas. E essa garota de doze anos queria invadir o covil dele sozinha?

    Era absurdo.

    — Layton, você sabe, né? — perguntou Elena, interrompendo os pensamentos do garoto.

    — Hã? Sei?

    — Você sabe onde fica a gangue do Pendal?

    O pirralho ranhoso balançou a cabeça vigorosamente. Mas aí percebeu que ela não podia vê-lo, então tentou dizer ‘não’ com a voz trêmula. Antes que conseguisse, Elena falou:

    — Por favor — disse ela. — Por favor, estou implorando… Pode me contar? Prometo que nada de ruim vai acontecer com você.

    Foi um pedido pleno de desespero, mas havia algo estranho nele. Parecia que o ar ao redor dela havia mudado, fazendo com que o garotinho começasse a dar instruções antes mesmo de perceber.

    — Obrigada…

    — Ah, não tem de quê…

    O moleque respondeu educadamente, quando normalmente só falava de forma informal. Ele podia ser irritante, mas Elena não ligava. Ela não tinha nem espaço mental para isso naquele momento. Sentia uma culpa imensa por colocar Kron, Jenny e as outras crianças do orfanato naquela situação, além de um profundo desprezo por si mesma.

    “Isso provavelmente aconteceu por minha causa. Não… com certeza foi.”

    As lembranças de alguns dias atrás vieram à tona de repente. Lembrou dos comerciantes olhando para ela com expressões temerosas, mesmo depois de tê-los salvado. Não entendera na época, mas agora entendia. Eles não tinham medo dela. Tinham medo da pessoa por trás dos capangas que ela derrotou, o rei do submundo que governava a cidade através do medo.

    Foi provavelmente obra dele. Para encontrar uma criança, ele levou outra.

    No fim das contas, o orfanato inteiro sofria agora por causa de suas ações irresponsáveis.

    Uma lágrima desceu pela bochecha de Elena.

    “Droga, droga…!”

    Era um caos. Passou a vida inteira apenas recebendo. Ao invés de reconhecer e valorizar isso, deixava seu orgulho tolo dominar sempre que ia ao continente do sul… E mesmo no sul, era só mais um estorvo. Não podia fazer nada direito. Só recebia. Era apenas um incômodo.

    “O que adianta se só consigo receber e nunca tenho nada a oferecer em troca? Isso é…”

    De repente, sua conversa com Jenny veio à mente, e uma nova pergunta surgiu em seu coração.

    Jenny estava prestes a dizer algo com um sorriso caloroso quando Layton entrou correndo com a notícia sobre Kron. Elena queria ouvir. Estava curiosa, loucamente curiosa. E para ouvir a resposta, precisava resolver a situação atual com sucesso.

    — É aquele… prédio grande ali, tá vendo? — disse Layton, apontando.

    Haa, haa. — Elena controlava a respiração.

    Apesar de ter corrido uma boa distância sem parar, sua respiração não estava nem um pouco ofegante. Na verdade, estava perfeita. Depois de pôr o garoto no chão, ela se alongou, sentando e levantando algumas vezes.

    — Fique por aqui.

    — E-E você? — perguntou Layton, preocupado.

    Ela sorriu com gratidão. Com um sorriso irônico, Elena olhou para os dois guardas ao longe, que bocejavam preguiçosamente.

    — Já volto.

    — M-Mas…

    — Hã?

    O pirralho tentou dizer que ela não podia ir sozinha, que deviam esperar e chamar os adultos, mas as palavras não saíram.

    Com um baque seco, Elena desapareceu bem diante de seus olhos.

    “O que está acontecendo? Isso é um sonho?”

    Enquanto esfregava os olhos, incrédulo, o garoto ouviu um som tremendo de impacto mais à frente.

    — Você! Sua vadiazinha, o que você…!

    Elena saltou no ar e acertou o maxilar do oponente com o joelho. Com um som de estalar os ossos, o homem gigante desabou como uma marionete com as cordas cortadas. Ao lado dele, estava seu colega, já inconsciente. O garoto abriu a boca em choque ao testemunhar a cena impossível, agora babando junto com o ranho que escorria do nariz.

    Mas Elena estava calma. Pegou um cassetete da cintura de um dos guardas e balançou algumas vezes. Franziu a testa, como se algo estivesse insatisfatório, mas então murmurou:

    — Fazer o quê.

    Em seguida, olhou para o portão principal do covil da gangue do Pendal.

    “Fortalecimento, endurecimento, concentração.”

    A garota concentrou uma grande quantidade de aura na parte inferior do corpo e saltou do chão. Fez isso com tanta força que o solo sob seus pés cedeu.

    — O que foi isso?!

    — Que som foi esse?

    — Será que foi um ataque da cidade vizinha?

    — Caçadores de recompensas?

    As duas portas foram arrancadas e rolaram pelo chão pateticamente. Assustados com o barulho, vários capangas saíram correndo às pressas. Quem foi? Quem faria algo assim? Seria… a garota com aquele olhar endurecido encarando eles dali?

    — Ha… haha.

    — Que pensamento ridículo… — murmurou um dos homens, arregalando os olhos.

    Ele não conseguia vê-la. A garota claramente estava ali diante dele um segundo atrás, mas agora tinha desaparecido. E isso não era tudo. Por mais que olhassem ao redor, a pirralha simplesmente havia sumido, deixando os bandidos em confusão. Mas o mais surpreendente ainda estava por vir.

    — Argh, aaaaaaaargh!

    — Minha perna, minha perna!

    Ao ouvir o grito ensurdecedor, os capangas se viraram e olharam para baixo com expressões de puro horror. Um deles havia desabado, com a canela quebrada. Uma garota de doze anos o encarava com um olhar gélido.

    No silêncio que se seguiu, o som de alguém engolindo seco foi tão alto quanto um trovão.

    — Aaaaaaaaaaargh!

    — Ugh, urgh!

    — Droga, aaaaargh!

    Conforme os gritos ecoavam, a garota de doze anos, prodígio espadachim do continente sul, apareceu de novo no campo de batalha.


    — Seu desgraçado, vai falar ou não? — disse Ralph, ex-executivo da gangue Enok e atual vice-líder da gangue Pendal, com uma expressão desconfortável. — Tsc… Droga, como fui acabar sendo o torturador de uma criança…

    Ele sabia que era algo que precisava fazer. Diferente do antigo chefe da Enok, o atual líder da Pendal não tinha piedade. Se alguém prejudicasse a reputação da gangue, fosse uma criança ou um velho, ele não descansaria até receber uma vida em troca. Era esse tipo de homem.

    Mas mesmo sendo necessário, torturar uma criança para descobrir o paradeiro de outra não era algo que Ralph achava aceitável. É verdade que não tratou esse garoto tão mal quanto trataria outros, mas isso não justificava nada.

    “O problema é que… está claro que esse nível de tortura não vai fazê-lo falar…”

    Ralph olhou para o garoto, Kron, que agora estava bem machucado. Mesmo com o corpo cheio de hematomas e sangrando por todo lado, o garoto ainda mantinha a boca fechada. Pelo jeito como o lábio dele sangrava, não era porque Kron não sabia o paradeiro da outra criança. Era porque nunca iria contar.

    Isso era um problema. Não porque o chefe não aceitaria, mas porque Ralph não queria continuar. Algo no olhar do garoto, mesmo após tanto sofrimento, deixava Ralph inquieto. Mas ele sabia o que precisava fazer.

    — Me desculpa — disse Ralph, coçando o bigode. — Mas eu também preciso sobreviver. Você sabe como é nosso chefe…

    — Pwe!

    Cuspiu sangue misturado com saliva no chão, e então pegou um alicate.

    — Huu. Valeu por isso, garoto. Por aliviar um pouco da minha culpa.

    O alicate era feito para arrancar dentes ou unhas. Os olhos de Kron vacilaram por um instante ao vê-lo, mas ele logo firmou sua determinação.

    Forçando força no olhar, Kron disse:

    — Vou me tornar um grande espadachim algum dia.

    Ralph arqueou a sobrancelha, cético.

    — Não pretendo entregar meus amigos.

    — Tá, tá, entendi. Vamos ver se você consegue ser um grande espadachim sem dentes ou unhas.

    Com um suspiro, como se estivesse cansado de tudo, Ralph largou o alicate. Pegou uma espada. Começou a andar até Kron, pronto para decepar uma orelha daquele pirralho de menos de dez anos. Mas antes que pudesse executar o movimento, ouviu uma comoção do lado de fora.

    Tsk, que diabos está acontecendo lá fora?

    Irritado, Ralph largou o alicate e pegou uma lâmina. Era uma Espada larga, tão afiada que podia cortar uma cabeça com facilidade. Segurando aquela arma, Ralph se tornava ainda mais intimidador. Até Kron, que até então havia se mantido firme, sentiu um calafrio ao ver o homem com a espada descansando sobre o ombro.

    Contudo, nem todos sentiram o mesmo.

    Ugh…!

    Kron observou Ralph sair da sala. Mas, assim que saiu… o corpo enorme de Ralph foi arremessado de volta para dentro, como se tivesse sido jogado, e se chocou contra a parede. O homem grande gemeu de dor, caindo no chão. Usando a espada como apoio, conseguiu se levantar, mas estava claro que estava em péssimo estado.

    Kron encarava a porta, atônito. Quem poderia ser? Quem seria capaz de fazer isso com Ralph, o homem monstruosamente forte que ninguém além de Pendal ousava desafiar?

    A resposta veio de imediato.

    Elena avançou sobre Ralph com velocidade relampejante, empunhando uma espada tão grande quanto seu próprio corpo, com força avassaladora.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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