Capítulo 413: Lance Patterson (3/3)
História Paralela – 7 Lance Patterson
Airen Farreira, Illia Lindsay, Judith e Brett Lloyd. Depois que esses indivíduos transformaram coletivamente a 27ª turma graduada da Academia de Espadachim de Krono em uma geração dourada, eles partiram para o mundo e realizaram feitos grandiosos.
O mais surpreendente deles foi o ressurgimento dos demônios no continente. Essas criaturas haviam desaparecido por um período de 150 a 160 anos, mas retornaram com fúria, espalhando o caos por toda parte.
Inicialmente, muitos acreditaram que apenas as potências experientes do Reino Sagrado de Arvilius, do reino mágico de Runetell e dos cinco reinos do Oeste poderiam enfrentá-los. Eram regiões cujos guerreiros superavam a maioria dos Mestres Espadachins e Arquimagos.
Isso se provou falso. Talvez tenha sido essa crise que forjou tais heróis. Ou teria sido apenas coincidência que talentos tão monumentais, dignos de entrar para a história, tenham surgido todos na mesma geração?
As habilidades dos amigos de Lance cresceram em um ritmo inacreditável, quase incompreensível. Era como se nenhum limite os afetasse.
Uma prodígio atingiu o nível de Especialista aos catorze anos e tornou-se a Mestre mais jovem da história. Um jovem esforçado, que começou uma década depois dos outros, ascendeu ao posto de Mestre com foco inabalável e puro esforço.
Uma encarnação do fogo, que conquistou o reconhecimento de Khun não com talento, mas com seu espírito de luta feroz, sem jamais se intimidar com os outros prodígios. E, por fim, um velho amigo e mentor que silenciosamente trilhou seu próprio caminho, enquanto conquistava o respeito dos outros três.
Esses indivíduos superaram provações e tribulações sem cessar, como protagonistas de uma fábula lendária. No fim, realizaram o feito de subjugar o Rei Demônio, uma conquista sem paralelo em todo o reino humano.
Foi um feito monumental e uma ocasião verdadeiramente jubilosa. O continente inteiro explodiu em aplausos com o retorno seguro dos quatro heróis. O rei esvaziou seus celeiros, e as tavernas serviram seus licores envelhecidos gratuitamente. Embora as dificuldades da vida não se limitassem aos demônios, por ao menos um mês, todos experimentaram um alívio raro das preocupações cotidianas. Talvez tenha sido o período mais tranquilo da história do continente.
Swish!
Ainda assim…
Swish!
Lance brandiu sua espada.
Swish!
Não era que ele não estivesse feliz. Pelo contrário, sentia uma felicidade, alegria e orgulho que talvez superassem a de qualquer outra pessoa. Como seu coração não se encheria de alegria ao saber que os heróis destinados à celebração eterna na história da humanidade eram seus próprios amigos? No entanto… uma inquietação e uma sensação de aperto, algo muito além da inveja — comprimiam seu peito.
Ninguém em sã consciência perseguia de forma genuína uma loucura como tentar ser o maior de todos os tempos, superando até os melhores guerreiros do continente.
Uma criança do interior que acreditasse sinceramente que poderia derrotar um soldado de elite apenas com força bruta acabaria perdendo a sanidade. Para se proteger, era necessário fazer concessões e viver dentro dos próprios limites. Lance também desejava seguir esse caminho sensato.
Mas o motivo pelo qual ele continuava a brandir sua espada hoje… era porque não conseguia. Não conseguia diminuir a sinceridade em seu coração, nem cessar o esforço absoluto de seu corpo. Já havia passado do ponto de retorno.
— O que mais posso fazer? Só me resta perseverar.
A essa altura, não havia mais volta para Lance. Ele era incapaz de desistir, por mais que quisesse. Quando seu corpo pedia descanso, sua mente assumia o controle. E quando ansiava por repouso, seu corpo, por instinto, o levava de volta à luta. Era uma corrida infernal, da qual ele não podia sair, nem jamais alcançar a linha de chegada.
“Que escolha eu tenho? Este é o inferno pessoal que escolhi para mim.”
Focando seus pensamentos dispersos, Lance brandiu sua espada mais uma vez.
Três anos após os heróis libertarem o mundo do reinado do Rei Demônio, Lance abriu mão de seus olhos.
Ele não ficou cego, mas deixou de utilizar a visão para acompanhar e reagir aos movimentos do oponente durante o combate. De fato, era uma ideia absurda. Quanto mais profundo o entendimento sobre esgrima, mais certo era afirmar o quão idiota e insensata essa decisão parecia.
Ainda assim, ele abandonou os olhos porque percebeu que era impossível acompanhar os quatro, que estavam tão à frente, tentando preservar todos os aspectos de sua própria esgrima.
“Por que usamos os olhos para observar nossos adversários?”
Os olhos, sozinhos, não eram suficientes para captar os movimentos do inimigo e formular uma resposta eficaz. Utilizar corretamente as informações visuais exigia ações complementares. No entanto, a diferença de talento entre Lance e seus amigos era grande demais para que ele conseguisse focar em todos os aspectos ao mesmo tempo.
Foi por isso que escolheu abrir mão da visão. Em vez de aperfeiçoar sua capacidade de analisar os oponentes com o olhar, decidiu poupar essa energia mental e redirecioná-la para outras áreas.
— Maluco de verdade.
“Eu sei muito bem. Reconheço totalmente a loucura do que estou fazendo.”
Será que abrir mão da visão permitiria a Lance intensificar o foco em outros aspectos? Será que concentrar-se com mais afinco nessas partes restantes traria, de fato, resultados melhores? Ele não sabia.
O que estava claro era que o caminho de desenvolver tudo de forma equilibrada era, sem dúvida, falho. Embora pudesse contribuir para seu crescimento pessoal, não era um método adequado para alcançar os quatro maiores espadachins do continente.
— Eu preciso agir.
Ele precisava seguir o caminho com maior probabilidade de êxito.
Tendo chegado a essa decisão, Lance se dedicou por completo ao treinamento mais uma vez. Estava longe de ser uma tarefa simples. Ignorar a acuidade visual em que confiou por toda a vida e redirecionar essa energia para outras áreas era algo muito mais difícil do que parecia. Mas era imperativo que fizesse isso.
Não, ele precisava ir além.
Se o talento de Lance fosse ao menos metade do deles, talvez bastasse. Mas, da forma como as coisas estavam, ele sequer podia sonhar em cruzar espadas com eles. Esqueça um minuto inteiro, nem mesmo um único golpe seria possível. Precisava descartar ainda mais, eliminar ainda mais elementos.
Três anos após tomar a decisão de abrir mão dos olhos, Lance começou, pouco a pouco, a abandonar vários aspectos que antes considerava indispensáveis.
Lance abandonou a defesa. Tendo já aberto mão dos olhos, defender-se tornou-se impossível.
Em vez de considerar a ideia de aparar as espadas dos quatro grandes espadachins, era ligeiramente mais plausível que ele tomasse a iniciativa e os atacasse primeiro.
Lance também abriu mão de seus passos. Como poderia acompanhar os movimentos de Illia Lindsay, que comandava os próprios céus? Seria possível igualar-se à velocidade dos passos extravagantes de Judith, aos movimentos fluidos de Brett, ou sequer à silhueta do matador do Rei Demônio, Airen?
Não seria mais plausível aproveitar o momento em que eles se aproximassem dele, em vez de tentar encurtar a distância por conta própria?
— Mas, tendo renunciado aos olhos, que recurso me resta?
Após um tempo de reflexão, Lance chegou rapidamente a uma conclusão. A chance de persegui-los e acertar um único golpe era de zero por cento. Além disso, a chance de, por sorte, balançar sua espada em sincronia com o avanço dos quatro grandes espadachins também era de zero por cento.
Era um conjunto de opções ridiculamente escasso, o que o fez soltar uma risada amarga. No entanto, ao pensar em quão poucos, no mundo inteiro, seriam sequer capazes de realizar o segundo caso, um sentimento de leveza o invadiu.
Sua espada, tendo definido o caminho, cortou mais uma vez o ar vazio.
Eventualmente, Lance abandonou o ato de cortar. Em seu lugar, dedicou-se por completo à estocada. Dessa vez, ele genuinamente não conseguia discernir qual abordagem era superior, então decidiu seu caminho no cara ou coroa.
“Bom, que diferença faz? Não tenho talento para cultivar os dois.”
Tendo se acostumado ao ato de renunciar, Lance começou a se aprofundar na arte da estocada. E não foram apenas ações físicas que ele abandonou. Ele também removeu muitos elementos do próprio coração: a admiração pelos heróis que cultivava desde a juventude e o desejo por riqueza e poder que carregava desde que amadurecera.
Também deixou para trás o complexo de inferioridade, a desesperança e a frustração que, em algum momento, haviam se enraizado dentro dele como uma criatura monstruosa. Abrir mão desses sentimentos foi muito mais difícil do que abandonar os olhos, os passos e os cortes.
Mas era algo que Lance precisava alcançar, e ele conseguiu.
Ele queria se alegrar por essa conquista, mas tempo era um luxo que não podia se permitir. Precisava poupar até mesmo esse instante fugaz e redirecioná-lo para algo mais essencial.
Então, o que restava?
Em termos de forma, ele tinha uma única estocada, executada a partir de uma postura imóvel. Em termos de espírito, uma única aspiração: estar de pé, com orgulho, ao lado de seus amigos. Tendo preservado apenas esses dois elementos por completo, Lance repetiu o mesmo movimento, de novo, e de novo, e de novo…
E agora, mais de um quarto de século após a queda do Rei Demônio, diante do objetivo que perseguiu incansavelmente por tanto tempo, e diante do semblante desesperado de um jovem garoto, Lance estocou sua espada.
Darian Cox recobrou a consciência. Ao testemunhar a estocada do homem de meia-idade, sua mente mergulhou novamente em um estado de profunda confusão, e arrepios tomaram conta de sua pele.
Uma excitação percorreu seu corpo. As memórias, emoções e anos da vida do homem conhecido como Lance Patterson que o invadiram… qual era sua origem? Feitiçaria? Ou talvez o auge da esgrima, um domínio que transcendia até mesmo a feitiçaria?
Ele não sabia a resposta, mas uma coisa era inegável: Lance havia refinado meticulosamente sua estocada ao longo de várias décadas…
“Sem sombra de dúvida, está no mesmo nível das espadas dos quatro grande espadachins!”
Enquanto Darian se perdia em um estado que ia além da simples admiração, Lance Patterson, que acabara de demonstrar uma estocada impecável, ou melhor, que seguia buscando a perfeição, se aproximou. O garoto recuou instintivamente. Quando seus olhos, cheios de respeito, encontraram de perto os do homem de meia-idade, uma declaração inesperada perfurou seus ouvidos.
— Isso tudo é inútil.
— Como disse?
— O conselho dos outros tem pouco ou nenhum valor — disse Lance. — Inclusive a estocada que acabei de executar para você.
Darian ficou atônito. “O quê? Depois de exibir uma estocada tão magnífica, ele dizia que aquilo não passava de consolo vazio e conselho inútil? Então o que importava? O que de fato tinha valor e poderia ajudá-lo em sua vida?”
Quando Darian estava prestes a fazer essas perguntas, os lábios de Lance se moveram mais uma vez.
— Arrume um amor.
— D-Desculpe?
— A presença da minha parceira amada ao meu lado me deu uma força muito, muito maior do que… todos os conselhos que recebi na juventude juntos — disse Lance. — Se você não tem coragem de buscar o amor… então, por todos os meios, continue levando uma vida miserável.
Tendo encerrado seu conselho, o homem assobiou de forma aguda. Em resposta, uma criatura mística com corpo de leão e cabeça de papagaio apareceu, carregando uma bela mulher em seu dorso.
Darian saiu abruptamente de seu transe. Não era ninguém menos que Kiril Farreira, a mais proeminente feiticeira do continente, e seu primeiro familiar, Cherry! Kiril e Cherry levaram Lance embora, seus olhares transbordando afeto. E, assim, Lance desapareceu sem dizer mais uma palavra.
Uma brisa cortante varreu o campo de treinamento. Darian, ainda absorto em pensamentos, virou a cabeça na direção de Brett Lloyd.
Em resposta ao olhar curioso do garoto, que parecia pedir uma explicação para tudo aquilo, ele declarou friamente:
— Eu também tenho uma esposa linda.
Darian o encarou.
— Você não tem — acrescentou Brett. — Esforce-se para melhorar.
Enquanto via o chefe da família Lloyd se afastar após aquelas palavras, Darian começou a tremer incontrolavelmente.
Enquanto isso, após concluir as entrevistas com os candidatos que passariam a integrar formalmente os quadros da Academia de Esgrima Krono, o Diretor Airen Farreira pressionou a mão contra a cabeça latejante.
— Começo a questionar se aqueles dois algum dia oferecerão uma orientação adequada…
Em momentos importantes, Brett e Lance eram companheiros firmes, tão confiáveis quanto sua própria esposa. No entanto, também formavam uma dupla excêntrica, propensa a atitudes imprevisíveis, o que impedia Airen de se sentir plenamente tranquilo. E essa não era sua única preocupação.
Examinando com atenção um nome inscrito em um pedaço de pergaminho, pensou: “Kai quer deixar a academia…”
Embora compreendesse o sentimento, o momento estava longe de ser apropriado.
Enquanto ponderava sobre quais medidas seriam necessárias para dissuadir o aprendiz, Russell, que ainda não havia retornado às suas funções, interveio com confiança:
— Que tal deixar isso comigo, pai?
Sentindo a dor de cabeça aumentar, Airen fechou os olhos.
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