Capítulo 43: Feiticeira (4/5)
por MrRody, Second StarO Visconde Phil Gairon não disse uma palavra até que Jack Stewart terminasse seu relato. O visconde estava sentado em sua cadeira, com a cabeça apoiada na mão direita. Após um tempo, perguntou em um tom calmo.
— Então… você encontrou aquele idiota preguiçoso quando ele estava voltando para casa?
— Sim, meu senhor.
— E Aaron fez o de sempre ao cumprimentá-lo.
— Sim, meu senhor.
— Mas o preguiçoso não fugiu nem evitou meu filho como antes…
Jack Stewart permaneceu em silêncio, percebendo a raiva crescente no visconde.
— Além disso, ele fez meu filho se encolher apenas com o olhar… Entendi direito? Foi isso que você disse, não foi? — perguntou o visconde.
— Foi o que vi, senhor.
— Você acha que isso faz sentido? Seu desgraçado, é melhor ir mandar checar sua visão!
Phil Gairon gritou e virou a mesa. Os copos dispostos sobre ela se estilhaçaram no chão com um som desagradável. Algumas gotas de chá quente respingaram no rosto de Jack Stewart, mas ele não se moveu. Logo, Phil Gairon relaxou sua expressão assassina e contorcida, como se nada tivesse acontecido. Continuou em um tom surpreendentemente calmo.
— E é o que eu teria dito, se algum outro idiota tivesse me contado isso, e não você.
— Agradeço por confiar em mim, senhor — disse Jack Stewart com uma reverência.
— Claro que confio em você. É meu cavaleiro mais confiável. Em quem mais confiaria? Hehehe.
O modo como o visconde ria, com os olhos brilhando e sua mudança de humor imprevisível, era tudo muito perturbador, mas Jack Stewart estava acostumado. Ele esperou, dando tempo para que seu mestre se recompusesse.
— Hmph. Mas é realmente fascinante. Mal posso acreditar. Então, aquele pirralho finalmente aprendeu a se manter firme, não é? Seus olhos antes pareciam os de um velho esperando para morrer. Tem certeza de que ele mudou? — perguntou Phil Gairon novamente.
— Tenho certeza, meu senhor. Está bem mais forte agora e fala de forma bem diferente com as pessoas. Acredito que aprendeu muito na Academia Krono.
— Gah! Bosta! Será que essa academia lançou algum feitiço nele?! De qualquer forma, que desgraça irritante. Me dá náuseas só de pensar no nojento do Harun sorrindo por causa disso.
Phil Gairon rangeu os dentes. Ele odiava Harun Farreira há muito tempo, mesmo que o barão nunca tivesse feito nada contra ele. Era apenas o fato de que Harun era muito mais bonito, seu cabelo não havia recuado tanto, e, ao contrário do visconde, que teve um casamento arranjado, Harun havia namorado e casado com sua bela esposa. Duas esposas, para ser exato. Para constar, a esposa do visconde era conhecida por ser feia.
Essas coisas já eram o bastante para deixá-lo furioso, mas agora a propriedade de Harun ficava mais rica a cada dia, e as pessoas o elogiavam cada vez mais.
“Desgraçado.”
Só de pensar nele, Phil Gairon perdia o apetite. Por isso, ele continuava provocando o filho de Harun, que era precioso para ele, ainda que não fosse menos idiota.
“Mas agora a presa fácil está escapando…”
— Droga! Aquele pirralho! Por que ele teve que sair do quarto, em vez de ficar preso lá como o idiota que é? Por que teve que sair e tentar se tornar um ser humano?
Phil Gairon continuava a praguejar, falando mais rápido e respirando com dificuldade. Seus olhos avermelhados e joelhos tremendo revelavam seu estresse.
Jack Stewart, que esperava silenciosamente, falou de maneira casual.
— Podemos esmagar o broto antes que ele cresça.
— Hã? Certo, certo! Mas como?
— Podemos pensar em uma maneira. Mas tenho certeza de que não será muito difícil com a Expedição de Caça se aproximando.
— Isso mesmo!
O Visconde Gairon bateu palmas e começou a rir. Jack Stewart lançou um olhar para seu mestre e, então, também sorriu ao continuar.
— Não importa o quanto o Nobre Preguiçoso tenha melhorado. Será fácil para nós criar alguns problemas pelos quais possamos culpá-lo. No fim das contas, só precisamos colocar o nome dele de volta na lama de onde saiu, meu senhor.
— Certo! Está certo!
— E, se isso não funcionar, fazemos do jeito sujo.
— Gosto disso! Sabia que podia contar com você, Jack!
Phil Gairon estava feliz como uma criança e elogiou Jack Stewart. O cavaleiro entrou no jogo do seu mestre e depois saiu do aposento.
— Desgraçado.
Jack limpou o chá que havia respingado em seu rosto e franziu a testa. Era bem tratado ali, mas sentia-se mal toda vez que presenciava a loucura do visconde.
“Mas, deixando isso de lado, tenho certeza de que nada vai acontecer.”
O Nobre Preguiçoso nunca participava de nenhum evento, então não havia com o que se preocupar, mesmo que o garoto tivesse mudado. Jack não acreditava que precisaria usar todos aqueles esquemas que mencionara.
“Além disso, o jovem mestre dará conta sozinho.”
O filho mais velho, Ryan Gairon, era mais inteligente, capaz e ameaçador que o pai. Enquanto o cavaleiro voltava ao seu quarto, pensava no seu jovem mestre, o graduado como melhor da classe na Academia de Cavaleiros, administrada pelo Reino Heyle.
Uma semana havia se passado desde o retorno de Airen Farreira da Academia de Esgrima Krono. Ele não havia perdido um único dia de treinamento físico e com a espada. Ainda não encontrara uma resposta concreta sobre sua esgrima ou o caminho que deveria seguir.
Mas uma coisa era certa: ele não podia mais depender da espada daquele homem. Claro, o sonho o havia levado até ali. O sonho misterioso e a espada do homem o tiraram do quarto para vivenciar a academia, fazer amigos e ganhar influências positivas.
Mas ele precisava se libertar da influência do sonho, pelo menos no que dizia respeito à sua esgrima, então concentrou seu treinamento no que aprendeu na academia, tentando apagar a espada do homem de sua mente.
— Isso é absurdo…
— Até quando ele vai continuar com isso?
Alguns dos soldados começaram a ficar exaustos de observar o Nobre Preguiçoso. A mudança do jovem mestre os motivara a treinar. A pessoa que julgavam ser preguiçosa para sempre havia mudado, e isso acendeu um fogo neles. Mas a paixão não durou muito. Um pouco de motivação não era o suficiente para acompanhar a resistência de Airen.
— Ugh, não aguento mais.
— É, já fizemos o suficiente.
Os soldados começaram a sair um por um.
Airen, que havia parado para descansar, viu-os saindo e pensou nos aprendizes, Illia Lindsay, Brett Lloyd, Judith e tantos outros colegas de treinamento na academia.
Então eles eram realmente excepcionais.
Ao contrário dele, que foi auxiliado pelo sonho, os outros aprendizes não tiveram nenhuma ajuda. Sobreviveram ao treinamento infernal contando apenas com sua paixão, determinação e força de vontade. E, claro, não nasceram com essa resistência.
“Será que eu teria chegado tão longe sem o sonho?”
Ele se sentiu inseguro novamente e balançou a cabeça. Não podia esperar ser excelente desde o início. Já havia passado por esses pensamentos várias vezes, então decidiu tentar novamente e estava prestes a brandir a espada quando foi interrompido por alguns sons estranhos de arranhões, seguidos de um miado.
— Haha! Não consegue pegar?
A visão estranha fez com que ele perdesse o foco. Era fascinante. Normalmente, Airen Farreira conseguia manter o foco no treinamento sem problema algum. Mas todos que presenciassem essa cena entenderiam.
Três gatos malhados perseguiam um brinquedo de inseto preso em uma vara de pescar, controlado por uma gata preto, que balançava em várias direções.
Que tipo de truque era esse? Os soldados que estavam saindo, as criadas voltando ao trabalho e até o servo Marcus pararam para observar os gatos.
“O que ela está planejando?” Airen pensou. Ele se lembrava da gata ter dito que Kiril Farreira o ouviria e que, por isso, ele tentaria convencer Airen em vez dela. Foi o que a feiticeira Lulu dissera.
Mas Lulu não disse mais nada desde então, permanecendo próximo a Airen todos os dias. No primeiro dia, parecia observar Airen, mas depois passou o dia inteiro dormindo. No segundo, ficou ocupado brincando com uma bolinha que encontrou, parando ocasionalmente para se limpar. E, a partir de ontem, trouxe alguns outros gatos e brincou com eles.
Essa situação fez até mesmo Airen, normalmente alheio ao que o cercava, prestar atenção.
— Phew.
Airen não conseguiu mais conter a curiosidade e se aproximou da feiticeira Lulu. Marcus começou a segui-lo, então Airen se virou e perguntou com um olhar curioso.
— O que houve?
— A gata feiticeira é fascinante, então eu só queria ver sobre o que conversariam, meu senhor…
Ele estava mentindo. Marcus simplesmente adorava gatos e inventou uma desculpa para observar Lulu de perto. Airen não se importou, então assentiu e foi até Lulu.
Os três gatos malhados fugiram imediatamente, mas Lulu ficou e parecia indiferente.
— E aí?
— Uh…
Airen ficou surpreso. Lulu estava perguntando por que ele veio, quando a gata é que deveria ter algum assunto com ele. O garoto tentou responder, mas se conteve.
“Preciso ser educado com ela?”
Pensou por um segundo e balançou a cabeça. Lulu era uma feiticeira, mas falar formalmente com uma gata parecia estranho. Então decidiu falar de maneira mais casual e se expressou.
— Então…
— Então? — repetiu Lulu.
— Você não disse que iria me convencer?
— Hã? Acho que lembro dessa frase… Ah, claro! Foi de um romance que os humanos adultos costumam ler!
— Mas foi o que você disse.
— Isso também está certo.
— Então por que não veio falar comigo?
— Por que falar com você é chato?
— Hã?
— A reação da Kiril torna conversar com ela interessante, mas você é entediante. Falar com você é como ver a grama crescer. Chato.
Ele estava certo. Airen havia passado tanto tempo trancado em seu quarto que não era bom em conversas. Mas ouvir isso de uma gata o fez se sentir estranho. Ele até sentiu vontade de mudar a impressão que a gata tinha dele.
Foi então que Lulu guardou a vara de pescar em sua ‘cintura’. Todos ficaram boquiabertos ao ver o objeto desaparecer no nada. E não foi só isso. Depois de guardar a vara, Lulu começou a procurar algo novamente em seu bolso, então sorriu como se tivesse encontrado algo. Embora fosse uma gata, Airen sentiu que podia reconhecer suas emoções.
— Isto é um presente para você — disse a gata.
— Hã?
— Pode considerar um suborno. Pegue isso e fale de mim para sua irmã.
— Eu…
O garoto ficou frustrado. Não esperava que a gata fosse dizer de forma tão direta que estava subornando ele. Airen ficou confuso, mas os outros não. Marcus ficou extremamente curioso com o presente que a feiticeira oferecia e esticou-se por cima do ombro de Airen para ver o pequeno objeto na pata da gata.
— P-pedra olho-de-gato! — gritou Marcus.
— Pedra olho-de-gato?
— Sério?
As pessoas começaram a murmurar em choque. Airen era o único que não sabia o que era. Mas sabia de uma coisa.
“Parece ser uma joia cara.”
Então perguntou ao seu servo.
— Marcus, isso é caro?
— É muito caro — disse Lulu.
— É muito caro, meu senhor — disse Marcus.
Lulu e Marcus falaram em uníssono. O servo fez uma pausa por um segundo e então falou com a voz trêmula.
— Com uma pedra olho-de-gato desse tamanho, se for real, seria o suficiente para comprar um quarto da Propriedade Farreira.
O Nobre Preguiçoso ficou sem palavras diante de seu valor inacreditável. Lulu saltou para o ombro do servo e se acomodou. Então, deu um tapinha na cabeça de Marcus e falou.
— Obrigada pela explicação!
— E-eu só expliquei o valor de mercado dela, Senhorita…
— Vou lhe dar algo bom também se convencer o Airen.
O servo se esforçou para manter uma expressão calma enquanto sentia o toque suave da gata. Airen os observava em um transe e perguntou.
— Por que você quer tanto ensinar minha irmã?