Índice de Capítulo

    — Por que… eu quero?

    — Só isso?

    — Isso não basta? E o que importa de quem eu gosto?

    Airen Farreira ficou sem palavras.

    Lulu estava certo ao dizer que não precisava de um motivo para gostar de alguém. Talvez realmente não tivesse um motivo ou achasse difícil explicar o porquê. O que importava era se essa gata estranha realmente gostava de Kiril ou não.

    “Eu não faço ideia”, pensou Airen.

    Era óbvio. Ele já tinha dificuldade em entender as emoções das pessoas, quanto mais as da gata. Olhou para o rosto da gata só por garantia, mas era impossível ler sua expressão. O servo Marcus, que estava em silêncio, falou cautelosamente.

    — Senhorita…

    — Sim? — Lulu se virou.

    — Sabe… a pedra de olho-de-gato… e… sobre o que eu acabei de dizer… quero dizer, nosso patrimônio vale… m-muito mais… do que você imagina…

    O jeito de falar de Marcus era frustrante, com gagueiras, pausas e falas indiretas. Ele terminou de maneira vaga, mas era o suficiente para entender o que queria dizer. A gata, Lulu, franziu o cenho quando ele terminou.

    — O quê? Está perguntando se eu não conheço o valor da pedra? — perguntou Lulu.

    — Não, eu só…

    — Como não? Quem você acha que eu sou? Sou uma gata, mas sei muito bem o quão caras são as pedras de olho-de-gato!

    — D-Desculpe, senhorita!

    — Eu posso comprar mais de mil salmões defumados com essa joia — proclamou Lulu.

    Marcus ficou perplexo.

    — Hein? O quê? Por quê?

    Lulu começou a explicar seus pensamentos com uma voz orgulhosa.

    — Mas nossa, vocês humanos pensam demais em joias, ouro e dinheiro. Há muitas coisas no mundo que são mais importantes do que isso.

    — Com licença? — perguntou Marcus.

    — Olhe isso.

    A gata enfiou a pata em seu bolso mágico novamente. Era uma visão fascinante, mas era assim que os feiticeiros eram, então ninguém se espantou. As pessoas estavam mais interessadas no objeto que a feiticeira tinha tirado do bolso. Porém, o que a gata tirou com a pata foi uma bola de madeira desgastada.

    — E o que é isso? — perguntou Marcus.

    — É uma bola de madeira — respondeu Lulu.

    — Uma bola de madeira. Entendo.

    — Este é o meu tesouro, que eu não trocaria nem por dezenas daquelas pedras de olho-de-gato que mostrei antes.

    — Como é?

    — Esta bola de madeira carrega o meu cheiro favorito, e não há como reproduzi-lo.

    Um perfumista ou um mágico poderiam copiar um cheiro comum, mas o odor da bola de madeira era tão sutil que só era perceptível para um gato, com seu olfato aguçado.

    — Viu? Nenhum ouro ou joia pode comprar isso — disse Lulu.

    — Eu… concordo, eu acho.

    — Tem mais!

    A coleção de tesouros da feiticeira Lulu não acabava ali. A gata preta continuou tirando coisas, como se quisesse mostrar sua coleção inteira. Uma planta de cauda de raposa verde que lhe lembrava os velhos tempos antes de adquirir feitiçaria, uma boneca artesanal esfarrapada que ganhara de um gato selvagem e outros objetos inúteis foram retirados de seu bolso. Mas Lulu parecia muito orgulhosa ao exibir cada um deles.

    — Entendo. Agora eu compreendo o que quer dizer.

    Marcus assentiu como se tivesse entendido. Os outros também pareciam concordar, embora não completamente. Eles sabiam o que Lulu estava tentando dizer, mas dinheiro ainda era dinheiro. Não muitos humanos escolheriam algo de valor sentimental em vez de um monte de ouro. Mas alguns escolheriam, e um deles era Airen Farreira.

    “É por eu ser um nobre?”

    Ao contrário das outras pessoas ali, o Nobre Preguiçoso nunca precisou de dinheiro. Ele vivia uma vida de riquezas e nunca teve preocupações com a fome. Ele também estava muito acostumado a ter servos para ajudá-lo. Talvez ele realmente concordasse com Lulu porque foi criado em um ambiente tão protegido. Mas ele não achava que isso fosse algo ruim.

    Airen gostava dessa gata.

    “Isso significa que ela também se importa com minha irmã.”

    A gata considerava seu relacionamento com Kiril tão precioso que dinheiro não podia comprá-lo. Esse era um ponto importante.

    O garoto sorriu para Lulu. A gata sentiu isso e rapidamente guardou todos os seus tesouros, saltando para a frente do garoto. Então, ofereceu a pedra de olho-de-gato novamente.

    — Enfim, pegue isso e converse com sua irmã, certo? — pediu Lulu.

    — Desculpe, não posso fazer isso — recusou Airen.

    — Por quê? Eu já te disse! Isso é realmente caro.

    — Você também disse que muitas coisas no mundo são mais importantes que dinheiro.

    — Oh!

    — E como eu disse, não acho certo me intrometer nos assuntos da minha irmã.

    — Intrometer?! Não é ruim aconselhar sua irmã querida como irmão.

    — Eu sei. Mas se for para dar algum conselho… vou dizer exatamente o que sinto sobre você. Não algumas palavras falsas de suborno.

    O garoto repetiu com uma voz calma. Não havia arrependimento em sua expressão. Marcus parecia um pouco desapontado. Lulu sabia disso, então guardou a pedra de volta no bolso.

    — Hmm. Achei que podia te convencer com isso — disse Lulu.

    — Pois bem. De qualquer forma.

    — De qualquer forma?

    — Você ainda parece mais fácil que Kiril, então vou aparecer com frequência. E… você é bem mais interessante do que eu pensava — Lulu acrescentou antes de desaparecer completamente.

    Todos ficaram surpresos dessa vez. E Airen, que já tinha visto a feitiçaria da gata, parecia fascinado.

    “Ouvi dizer que até magos renomados têm dificuldade em se teletransportar. Mas ela faz isso tão facilmente.”

    Era por ser uma feiticeira? Airen olhou para o espaço onde Lulu estivera, mas não por muito tempo. Ele se virou, ergueu sua espada novamente e começou a balançá-la como sempre fazia.

    Swoosh!


    — Airen.

    — Sim?

    — Venha aqui — disse Lulu.

    Desde que o suborno falhou, Lulu começou a vir mais vezes do que antes para conversar com Airen. Mas não parecia ter motivos para fazer isso, como agora.

    — Por quê? — perguntou Airen.

    — Apenas venha, rápido. Rápido!

    A gata preta chamou, e o Nobre Preguiçoso se aproximou dela com um olhar curioso. Lulu então tirou um prato de salmão defumado e falou.

    — Fique comigo enquanto eu como.

    — Isso é… tudo? — Airen ficou atordoado.

    — Sim.

    — Mas por quê?

    — Preciso de alguém comigo quando estou comendo — disse Lulu orgulhosamente.

    E essa não foi a única vez. Lulu sempre fazia isso. Ela surpreendia Airen com pedidos imprevisíveis, tópicos e ações. E nunca falava de Kiril nem uma vez. Mesmo assim, Airen não achava isso irritante.

    “Ela me lembra da academia.”

    A Academia de Esgrima Krono era um lugar difícil, mas Airen ainda guardava a lembrança com carinho. Lá, ele fez amigos pela primeira vez e foi também sua primeira vez falando de forma descontraída com pessoas fora da família. E… embora fosse triste, achava que nunca teria a chance de sentir aquilo novamente depois de deixar a academia.

    Contudo, ele estava errado. Essa gata extraordinária, pura, mas imprevisível, aproximou-se dele sem hesitação, como se nunca houvesse uma barreira entre eles desde o começo. A feiticeira parecia nem saber que tal divisão poderia existir.

    Lulu parecia ainda mais tola que Judith, mas funcionava. Airen achava difícil se aproximar de alguém, mas era mais receptivo quando as pessoas vinham até ele.

    — Aquele gato bebê ali. Sabe o que ele está pensando agora? — perguntou Lulu.

    — Eu não sei… o que ele está pensando? — perguntou Airen de volta.

    — Eu perguntei pra você.

    — Hein?

    — Eu perguntei, então por que está me perguntando?

    — Você não estava… me pedindo para adivinhar?

    — Como eu vou saber o que outros gatos estão pensando?

    A feiticeira Lulu disse mais algumas bobagens, então foi para seu canto no salão de treinamento. Airen riu da gata. Ele não tinha certeza sobre o relacionamento deles, mas não achava isso ruim.

    — Por que está rindo? — perguntou Lulu.

    — Só por quê.

    — É? Hmm.

    Lulu deitou-se de lado como um humano e apoiou a cabeça na pata da frente. Era fascinante e fofo ao mesmo tempo. Airen sorriu com a cena, depois ficou sério e olhou para sua espada.

    “O que é a minha esgrima?”

    Ele estava pensando nisso desde que saiu da academia, mas não tinha resposta. Não era estranho, afinal. Ele sabia ‘o que não era sua esgrima’. Mas evitar isso não era suficiente para encontrar uma resposta. Airen não conhecia o caminho para o caminho certo, então a única coisa que podia fazer agora era praticar sua esgrima sem depender da espada do homem.

    Pensar nisso era mais fácil do que fazer.

    “Estou ficando cansado.”

    Ele nunca tinha se sentido cansado antes. Ele balançava sua espada com mais força do que qualquer um e treinava seu corpo por mais tempo do que qualquer pessoa… Mas nada disso importava. O homem no sonho sempre mostrava o caminho que ele devia seguir, e o garoto o seguia sem questionar. Bastava seguir, mas isso havia mudado agora. O Nobre Preguiçoso sentia-se como se estivesse à deriva em um vasto oceano.

    Airen sabia que não devia usar a espada do homem. Sabia que precisava confiar em sua própria força de vontade e usar sua própria espada. Mas, neste momento, ele estava cansado, exausto, frustrado, e precisava de um lugar para se apoiar. Sentia uma vontade de emergir para respirar naquele mar sem fim.

    Assim, o Nobre Preguiçoso soltou novamente a espada do homem e a balançou. Depois de fazer o movimento, Airen Farreira abriu os olhos para observar ao redor.

    Felizmente, nada de especial aconteceu. Airen não possuía o poder invisível como da última vez, nem havia arranhado o chão. Seria porque ele não estava 100% concentrado? Esses milagres não aconteceram, então ninguém deu muita atenção a ele. Para eles, o que acabara de ocorrer não tinha nada de sério.

    O jovem mestre balançou sua espada, como de costume, só que seus olhos estavam fechados. Provavelmente, ele estava apenas mais focado. Era isso que a maioria das pessoas pensava, mas havia uma exceção.

    — Airen.

    — Hã?

    Airen respondeu à voz de Lulu. Ele não percebeu que a gata havia se aproximado, mas também não achou estranho, pois a gata sempre falava com ele sem motivo aparente.

    Mas o que a gata preta disse a seguir era mais importante e significativo do que ele imaginava.

    — Você já aprendeu feitiçaria? — perguntou Lulu.

    — O que você… está falando? — O Nobre Preguiçoso ficou perplexo.

    A feiticeira Lulu pairou no ar e parou à altura dos olhos de Airen, olhando diretamente para ele. Airen engoliu em seco. Agora ele sentia que a gata exalava uma atmosfera completamente diferente. Logo, a gata preto fez uma oferta inesperada.

    — Vou te ensinar feitiçaria.

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