Capítulo 45: Um Elemento de Esforço (1/2)
por MrRody, Second Star— Eu serei sua mestre.
Airen Farreira não conseguia se concentrar no que Lulu estava dizendo. Ele sabia que a gata estava falando seriamente, ao contrário de suas conversas habituais sem sentido. Mas Airen focava mais na expressão que emanava dos olhos e do pequeno corpo negro de Lulu do que na oferta que ela fazia.
“É pesado.”
Era uma aura densa e concentrada. Ele já havia sentido algo assim várias vezes: primeiro com o Instrutor Ahmed, no primeiro dia na Academia de Esgrima Krono, depois com o Instrutor Karaka, que costumava exibir um sorriso amigável até mostrar um olhar surpreendentemente feroz. Mas essa sensação era ainda mais pesada, a ponto de lembrar uma certa pessoa, mesmo que só por um breve momento.
“Diretor Ian…”
Airen então afastou esses pensamentos. Aquilo era demais. O Diretor Ian era considerado um dos maiores espadachins do continente. Por mais grandioso que Lulu fosse como feiticeira, ela não podia ser comparada ao diretor. Mas o fato de Airen ter tido esses pensamentos o fez perceber o quão especial aquela gata preta era.
“Como ela pode ser tão poderosa…?”
Mas Airen não teve muito tempo para pensar em Lulu, pois a feiticeira se aproximou do seu nariz enquanto ele permanecia em silêncio. Então a gata chamou repetidamente:
— Ei.
— Ei, ei.
— Ei, ei, ei! Está ouvindo? Eu serei sua mestre! Vou te ensinar coisas boas. Vamos juntos numa jornada pelo mundo da feitiçaria!
Lulu falava de forma casual, diferente do ar pesado que a envolvia. Airen despertou de seus pensamentos e deu um passo para trás.
— Não. — Airen balançou a cabeça.
— O quê? Por quê?!
— Por quê? Porque eu não sou um feiticeiro, claro.
— Não tem problema. Você pode aprender a partir de agora. Eu vou te ensinar.
— Estamos falando de feitiçaria, não de magia… Não é só querer aprender feitiçaria e pronto. Quero dizer, magia já é difícil o bastante, mas…
Ele estava certo. Quer fossem espadachins, magos ou feiticeiros, era difícil alcançar o topo, mas cada um tinha um início diferente. A esgrima era o mais fácil de começar, seguido pela magia. Quanto à feitiçaria, dizia-se que apenas alguém designado pelos céus poderia praticá-la. Era quase impossível aprender, a menos que alguém já tivesse despertado para a feitiçaria e precisasse de aperfeiçoamento.
Além disso, Airen não tinha interesse em feitiçaria. Encontrar sua própria esgrima já era difícil o suficiente, então ele não tinha intenção de se envolver em outras coisas. O garoto explicou seu raciocínio e recusou a oferta, mas a gata preta não desistiu.
— Quem se importa se você é um espadachim? — rebateu Lulu.
— Hã?
— Um espadachim com uma vontade forte é um candidato perfeito para ser feiticeiro… E eu consigo ver que você despertaria uma habilidade que complementaria sua esgrima.
— Do que você está falando…?
— Você não sabe muito, né? Sabe a diferença entre espadachins, magos e feiticeiros?
Airen ficou em silêncio. Lulu estava certa: ele realmente não sabia muito. A gata estalou a língua, desceu ao chão e bateu com sua pequena pata dianteira, que não fez som, mas transmitiu uma mensagem clara. Estava dizendo para Airen se sentar.
O garoto sentou-se, e Lulu pigarreou para começar. Logo, a gata começou a explicar sobre espadachins, magos e feiticeiros.
Todo artista marcial, incluindo espadachins, foca em seu próprio corpo, o chamado ‘Universo Interior’. Eles treinam incessantemente para desenvolver suas mentes. Ao se encontrarem e seguirem em uma direção melhor, adquirem um poder misterioso chamado Aura.
No caso dos magos, eles focam no ‘Universo Exterior’, ou no ambiente ao seu redor. Eles analisam a mana, o poder misterioso que habita todas as coisas, tentando entender as leis e a ordem do mundo. Tornam-se mais poderosos à medida que se aproximam da verdade e, eventualmente, manejam um grande poder.
E quanto aos feiticeiros? As pessoas tinham algo a dizer sobre eles.
— Feiticeiros? Não passam de chorões, não é?
Feiticeiros apenas faziam birra contra o mundo, pedindo que o impossível acontecesse. Ignoravam as leis e o conhecimento do mundo e desejavam que as coisas acontecessem à sua maneira. Mas acabavam fazendo acontecer, o que os tornava incríveis. Lulu não contestou o que as pessoas diziam sobre feiticeiros.
— Eles têm razão, de certa forma. Os feiticeiros poderiam ter algo a dizer sobre isso, mas eu entendo por que as pessoas falam assim. É como se eu gritasse: ‘Quero muito dinheiro!’ e uma enorme barra de ouro caísse do céu. Mas você precisa saber disso — explicou Lulu.
— Saber o quê?
— É o desejo poderoso dos feiticeiros que faz o impossível acontecer.
— Eles têm uma vontade tão intensa que as pessoas comuns nem conseguem imaginar. Mas isso não é óbvio? Como eles poderiam ser comuns quando têm o poder de mudar o mundo sozinhos? Então, agora você vê o quão incrível eu sou?
— Então, você está dizendo que…
Airen entendeu vagamente o que Lulu havia dito e explicou com suas próprias palavras. As pessoas poderiam pensar que um feiticeiro é apenas alguém sortudo. Mas isso estava errado. Os feiticeiros possuíam uma vontade forte e uma mente determinada que lhes permitia usar a feitiçaria. O poder de um feiticeiro equivalia à sua força de vontade. A gata feiticeira assentiu com a explicação de Airen.
— Certo. Você entendeu bem. Então agora sabe.
— Sabe o quê?
— Por que você é perfeito para aprender feitiçaria.
Lulu fixou o olhar no garoto, cuja expressão e aparência não mudaram. Airen nunca conseguia distinguir emoções no rosto da gata. Mas os olhos… os olhos de Lulu, apaixonados e ardentes, estavam diferentes de antes.
Lulu continuou.
— Eu posso sentir isso. A esgrima que você acabou de me mostrar. O golpe vertical carregava uma vontade poderosa… de cortar algo! — gritou Lulu enquanto Airen permanecia em silêncio. — Isso é mais que suficiente. Você… Acho que conseguiria despertar sua habilidade em um ano com apenas uma pequena ajuda. E isso vai ajudar na sua esgrima. O que me diz? Ainda está desinteressado?
Lulu cruzou os braços depois de falar com confiança. Airen não tinha certeza, mas sentia que a gata estava certo de que ele não recusaria a oferta. Mas Airen sorriu amargamente e balançou a cabeça.
— Sinto muito, mas eu não posso.
— O quê? Por quê? Por quê?!
— Não é que eu não queira aprender… mas o golpe vertical que acabei de mostrar… Não. Ele não vem da minha espada.
— Hã?
— É difícil de explicar…
O Nobre Preguiçoso parecia incomodado. Ele nunca falou com ninguém sobre seu sonho. Tinha medo de que o achassem louco se mencionasse isso, já que passaria a vida trancado em seu quarto.
“Mas… essa gata não me trataria assim.”
Embora não conhecesse muito sobre Lulu, sabia que a gata preto não era do tipo que o consideraria estranho por isso. Além disso, a gata tinha uma percepção aguçada, reagindo apenas a um único golpe vertical.
“Talvez ela possa descobrir um segredo que eu mesmo desconheço ao ouvir sobre o sonho.”
Airen assentiu, então começou a explicar lentamente sobre seu sonho com o homem estranho e a espada que ele manejava.
— Uau, isso é interessante. É como estar possuído? — perguntou Lulu após ouvir a história.
— Possuído?
— Sim. Ouvi dizer que, às vezes, espíritos, memórias ou personalidades de outros seres entram em outras pessoas. Nunca vi isso acontecer, no entanto.
— Entendo.
— Seu caso é um pouco diferente, mas vejo a semelhança. De qualquer forma… Mas não vejo por que isso te impediria de aprender feitiçaria.
Infelizmente, Lulu não tinha muitos conselhos para oferecer, ou, melhor dizendo, parecia desinteressada no assunto. Estava mais focada em saber se o sonho impediria Airen de aprender feitiçaria.
Airen esboçou um sorriso amargo.
“A espada do homem a encantou bem quando eu ainda nem consegui entender minha própria esgrima.”
Airen não tinha intenção de aceitar a proposta de Lulu, pois a esgrima do homem precisava ser esquecida, não aprimorada. Contudo, ele não descartava completamente a possibilidade de aprender feitiçaria. Pensou por um momento, então falou:
— De qualquer forma, eu não posso. Não pretendo despertar feitiçaria usando a vontade de outro homem.
— Ah, qual é! Vamos tentar só um pouco! Vai ser divertido…
— Mas, se for para aprimorar minha esgrima ao invés da dele, eu estou interessado.
— Hã? Sua esgrima?
— Sim, minha esgrima.
— Qual é a sua esgrima?
— Uhm…
— Você está falando daquela que você sempre faz, em vez dessa que acabou de mostrar? Aquela é sua esgrima?
Ele não podia dizer que sim. Ele estava se esforçando para encontrar sua esgrima, mas era só isso. Ainda não tinha descoberto sua própria esgrima.
“Estou de volta ao começo de novo.”
Ele precisava aprender sua esgrima se quisesse aprender feitiçaria. Teria que adiar a oferta da gata. O garoto suspirou um pouco, então lentamente explicou sua situação, na esperança de que Lulu não ficasse ofendida e desejando que a gata incentivasse seu esforço. Mas a gata feiticeira disse algo totalmente diferente.
— Acho que você está entendendo errado. O que você está fazendo não é se esforçar — disse Lulu.
— O quê?
— Você não está tentando.
Airen olhou nos olhos de Lulu como se quisesse confirmar se tinha ouvido corretamente. O silêncio caiu enquanto os olhos frustrados do garoto encontravam as pupilas oblíquas da gata, ansiosas por uma explicação adicional. A gata falou novamente.
— Você só está perdendo tempo.
Foi uma resposta fria.
Já era o fim da tarde quando Airen Farreira terminou seu treinamento e se sentou na cama. Era bem mais cedo do que o normal, mas ele não estava cansado. A resistência que adquiriu na academia o impedia de se esgotar tão rápido.
O motivo era outro. O garoto pensava no que Lulu acabara de lhe dizer.
— Só porque você se esforça fisicamente e se esforça ao máximo não significa que está realmente se esforçando.
— Você sabe o que significa se esforçar? Colocar esforço significa usar mente e corpo com um propósito específico. Usar a mente tanto quanto o corpo é importante.
— É incomum. A maioria das pessoas é mais ocupada com a mente. Pessoas que querem enriquecer sem trabalhar para isso, que querem desenhar bem sem praticar, ou que querem perder peso sem sequer correr… elas não usam o corpo. Por causa disso, não dá para dizer que estão realmente se esforçando, por mais que usem a mente.
— Então, no seu caso, você usa o corpo, mas sua mente… ela não se move nem um pouco. Não ficaria surpresa se você não encontrasse felicidade, mesmo que encontre sua esgrima agora. É por isso que você não está se esforçando. Não tem uma mente que apoie suas ações. Agora você entende por que eu digo que está perdendo tempo?
— Uma mente que apoia o esforço físico…
Ele nunca tinha pensado nisso, mas tinha que concordar.
“Não posso negar.”
Era como a gata disse. Ele balançava sua espada sem descanso e treinava incessantemente… Mas sua vontade de encontrar sua esgrima era superficial. Ele apenas fingia que estava tentando encontrá-la.
“Eu…”
Mas ele não podia se concentrar apenas nisso agora. Pensou em Lulu e murmurou.
— Quem é ela, afinal?
Ele sabia que a gata era uma feiticeira incrível, mas hoje percebeu que Lulu era ainda mais impressionante do que pensava. Ele estava curioso, mas não havia nada que pudesse descobrir enquanto permanecesse trancado em seu quarto por dez anos. Estava perdido em pensamentos quando ouviu uma batida.
— Meu senhor, posso entrar? — perguntou Marcus do lado de fora da porta.
— Sim.
Marcus entrou cuidadosamente no quarto ao ouvir a resposta do Nobre Preguiçoso. Ele olhou ao redor enquanto informava que havia duas mensagens.
— A gata feiticeira… a Srta. Lulu está aqui? — perguntou Marcus.
— Acho que não. Por quê?
— Entendo. A primeira mensagem é sobre ela, meu senhor.
O garoto ficou intrigado. Logo, o servo começou a falar sobre a gata feiticeira.