Capítulo 46: Um Elemento de Esforço (2/2)
por MrRody, Second StarPor muito tempo, as pessoas consideraram os gatos pretos um mau presságio. Havia histórias de que eles eram enviados ao mundo pelo diabo para ajudar bruxas, e acreditava-se que ouvir seus miados trazia azar. Tudo isso era superstição, mas muitos ainda consideravam os gatos pretos um sinal de má sorte.
Lulu encaixava nos estereótipos comumente associados a gatos pretos, como falar a língua humana e ser uma feiticeira com uma personalidade errática. Dadas essas características, não era surpreendente que as pessoas tivessem uma percepção negativa de Lulu.
— Existem muitos rumores ruins sobre ela — disse Marcus, que compartilhava dessas ideias sobre Lulu. Ele olhou ao redor para ver se ninguém o ouvia, então contou histórias sobre a gata preta em voz baixa.
Havia rumores de que Lulu havia se juntado à guilda de feiticeiros no continente oriental chamada Oracle, mas que a guilda foi desfeita logo após a sua saída. Marcus também mencionou a morte acidental e trágica do segundo filho da Casa Jackal, onde Lulu havia ficado por um tempo. E ainda havia a história da renomada Companhia Mercantil Balbany do sudeste, que entrou em decadência após contratar a gata preta, vindo a se desfazer por disputas internas e a se dividir em sete grupos.
Só havia má sorte nos rumores que circulavam em torno de Lulu.
— Tem certeza de tudo isso? — perguntou Airen.
— É verdade que a Oracle, a Companhia Mercantil Balbany e a Casa Jackal tiveram destinos infelizes. Mas outras partes das histórias não foram confirmadas…
— E você tem provas de que Lulu está envolvida em todos esses incidentes?
— Não, meu senhor. Para ser honesto, tudo que descobri foi que ela foi membro de cada um desses grupos.
— Então…
— Meu senhor — Marcus interrompeu Airen.
Ele sabia que era desrespeitoso interromper seu jovem mestre, mas acreditava que precisava falar com firmeza.
— Estou ciente de que os rumores podem não ser verdadeiros. Pode ser apenas as pessoas misturando superstições sobre gatos pretos com alguns incidentes para criar esses rumores. Sei que Lulu pode ser inocente.
— Mas você realmente precisa correr esse risco, meu senhor?
A sala ficou em silêncio. Airen começou a refletir sobre o que Marcus havia dito, enquanto o servo olhava para seu jovem mestre com um olhar compreensivo. Ele sabia que a gata feiticeira devia ser uma boa amiga para seu mestre solitário.
“Mas… Ele não deveria se aproximar de Lulu. É uma feiticeira gata preta com rumores tão desagradáveis ao seu redor.”
Ele acreditava que o certo era manter distância da gata. Então, assentiu e implorou cuidadosamente ao seu mestre para começar a se afastar de Lulu, deixando que o relacionamento entre eles se dissipasse naturalmente. Airen não respondeu. Marcus suspirou discretamente e continuou.
— A segunda mensagem é sobre a expedição de caça, meu senhor.
A Expedição de Caça Unida do Sul estava a apenas algumas semanas, e a reunião da expedição seria realizada na propriedade dos Farreira. O barão chamaria Airen para conversar sobre isso em alguns dias, então ele precisava estar preparado. Marcus explicou tudo rapidamente, pois não conseguia suportar falar sobre isso por mais tempo naquele clima.
— Lamento trazer um assunto tão desconfortável, meu senhor — disse Marcus, num tom de desculpa.
— Então, se me permite.
A porta se fechou, e Airen ficou sozinho. Um silêncio pesado tomou conta do quarto. Mas não permaneceu assim por muito tempo. Depois de tomar uma decisão, Airen falou para si mesmo.
— Eu disse antes que não quero me envolver nos assuntos da minha irmã, mas se eu realmente precisar fazer isso… então, em vez de ser influenciado pelas palavras dos outros, vou falar honestamente sobre você, baseando-me no que observei e experimentei. Subornos não terão efeito sobre o que eu digo. E…
Airen estava sozinho no quarto vazio, mas não parecia estar falando consigo mesmo. O garoto falava como se houvesse alguém ali. Continuou.
— Pelo que vejo, você não é do tipo que faz mal aos outros. Você é única, diferente dos humanos, às vezes irritante e imprevisível, mas é só isso. Você tem um bom coração. Pelo menos é o que eu acho. Então… vou dizer isso à minha irmã, independente desses rumores.
— E… e se algo ruim acontecer com você ou Kiril? — perguntou uma voz do nada.
“Então você estava aqui o tempo todo.”
Airen assentiu ao ouvir a voz preguiçosa de Lulu vindo debaixo da cama. Ele esperava que a gata estivesse ali, então achou que deveria falar seus pensamentos honestos sem mais demora.
— Deixe-me perguntar uma coisa — disse Airen.
— Sim.
— O que Marcus disse é verdade?
— Sim…
— Essas coisas aconteceram por sua causa?
— Não! Não é verdade! Eu só estava fazendo as minhas coisas, e simplesmente… simplesmente aconteceu! Aqueles dois velhos briguentos explodiram a torre da Oracle brigando entre si, e na companhia mercantil, os filhos do dono começaram a brigar pela sucessão, e na Casa Jackal…
Ou era uma série de coincidências infelizes, ou a gata feiticeira estava mentindo. Seria muito perigoso se fosse o segundo caso. Mas o primeiro também não era animador. E se uma coincidência infeliz dessas também ocorresse com Kiril? Mas…
— Acho que está tudo bem — disse Airen.
— Hã?
— Estou bem em ser seu amigo.
— Mas… eu sou um gato preto que traz má sorte.
— Você já sabia disso quando veio até nós, não? Por que isso é um problema de repente?
— Eu… eu sinto muito. Não devia ter feito isso.
A voz de Lulu soou ainda mais deprimida.
Airen riu. Nunca tinha visto a orgulhosa Lulu ficar tão abatida, então aquilo era fascinante. Mas ele não era do tipo que se divertia com a tristeza dos outros.
— Está tudo bem. Eu também tenho minha cota de rumores ruins sobre mim — disse Airen.
— Hã?
— Somos iguais, você e eu.
Airen se lembrou de seu passado temido.
No início, as pessoas mostraram simpatia e tristeza pelo jovem garoto em choque por perder sua mãe. Mas, com o tempo, quanto mais o garoto se escondia em seu quarto, sua reputação despencava.
Airen foi chamado de fraco, de tolo, e acabou ficando conhecido como o Nobre Preguiçoso. Havia todo tipo de rumores ao seu redor. Todos eram infundados e inventados para desacreditá-lo, mas, uma vez que começaram a se espalhar, sua família não conseguiu impedir que aumentassem. Se não fosse pelo sonho e sua nova experiência na Academia de Esgrima Krono, provavelmente ele ainda estaria vivendo dias dolorosos cercado por esses rumores.
— Como eu disse, vou julgar apenas pelo que vi e ouvi — disse Airen. — Se você ainda está preocupada com os rumores, então encontre-se comigo em segredo por enquanto. E, se nada acontecer depois disso, considere-os errados e poderá andar por aí com outros. Mesmo que algo ruim aconteça, eu aguento sozinho…
— De jeito nenhum! Nada vai acontecer! Foi tudo coincidência! Eu não fiz nada! Não sou uma azarada nem um mau presságio!
“Não foi ela quem disse que era um gato preto que traz má sorte?”
Não fazia sentido, mas Airen se sentiu bem. Ele riu e respondeu.
— Certo. Eu também penso assim. Mas as pessoas estão enganadas, então vou tentar provar isso aos poucos.
— Até lá, por que não nos encontramos no meu quarto?
— Eu vou… te dar isto!
A pata dianteira da gata surgiu debaixo da cama e desapareceu, deixando uma enorme pérola negra. Airen ficou surpreso e tentou perguntar sobre isso, mas Lulu falou primeiro.
— Isso é muito caro! É melhor do que a pedra de olho-de-gato. Pegue e diga a todos que eu não sou uma gata ruim! Até mais!
Depois de um pouco de barulho, a sala ficou em silêncio. Airen ficou perplexo por um momento, então desceu da cama para olhar embaixo dela. Depois de verificar que Lulu realmente havia ido embora, ele se voltou para a pérola negra.
“Ela realmente é grande.”
Era tão grande que sua irmã não poderia segurá-la com uma só mão. Como a feiticeira dissera, uma pérola negra dessa qualidade e tamanho certamente seria vendida por um valor muito maior do que a pedra de olho-de-gato. Mas Airen não sorria de felicidade por causa do valor dela.
“Isso fazia parte da coleção de tesouros de Lulu.”
Essa pérola era um dos tesouros que Lulu disse que nunca trocaria por nada. Ela mencionou que gostava dessa pérola por causa de um cheiro único de oceano. O garoto cheirou a pérola negra.
“Não consigo sentir nada.”
Um nariz humano não conseguia perceber, mas Airen ainda podia sentir o coração genuíno de Lulu nela. Ele segurou a preciosa pérola negra e então se jogou na cama com um sorriso.
Na manhã seguinte, Airen deveria estar praticando sua esgrima, mas, em vez disso, estava na sala do barão. Seu pai o havia chamado no dia seguinte ao aviso de Marcus.
— Tenho certeza de que você sabe o que é a expedição de caça — perguntou o Barão Farreira.
— Sim, eu sei, pai.
Expedição de Caça. A expedição reunia soldados de elite de diferentes territórios para reduzir o número anual de monstros e impedir que eles dominassem as florestas e montanhas e atacassem as pessoas nas cidades.
A expedição acontecia em maio de cada ano, reunindo todas as seis famílias do reino sul de Heyle, incluindo até mesmo os lordes e seus herdeiros em idade apropriada.
Os nobres eram respeitados não por suas linhagens, mas porque assumiam responsabilidades. Todas as famílias nobres levavam seus filhos sucessores de doze a treze anos para a expedição, com o trabalho mais perigoso sendo realizado por cavaleiros e soldados experientes. No entanto, isso não se aplicava ao Nobre Preguiçoso. Pelo menos até o ano passado, quando ele tinha quinze anos, ele nunca havia participado da expedição.
“Mas desta vez.”
— Eu vou participar da expedição este ano.
Airen Farreira falou com um olhar sério. Harun olhou para ele e perguntou.
— Você vai ficar bem?
— Eu consigo fazer isso.
Airen repetiu. Não importava se podia ou não. Ele pensou no momento em que encontrou Aaron Gairon em seu caminho de volta para casa. Pensou que não fugiria de novo e enfrentaria seu dever com orgulho, em vez de evitá-lo.
Claro, estava mentalmente sobrecarregado e não queria fazer isso. Mas sabia que não podia permanecer assim para sempre. E enquanto pensava nisso, seu pai falou com ele.
— Na expedição, você não luta realmente contra monstros. Você luta contra outras famílias.
Mas, claro, o barão não se referia a uma luta física para derramar sangue. Era uma batalha política muito mais feroz e sombria. Harun Farreira queria que seu filho estivesse ciente disso.
As velhas serpentes tinham línguas mais afiadas que qualquer lâmina e eram mais venenosas que qualquer veneno. Será que seu filho fraco realmente aguentaria essa pressão?
— Vou fazer o meu melhor — disse Airen.
— Muito bem.
Seu pai levantou-se da cadeira e deu um tapinha em suas costas. Airen sentiu a mão de seu pai e não disse nada.
Uma semana depois.
— Prazer em conhecê-los. Oh! Airen Farreira… você cresceu tanto desde a última vez que nos vimos!
O Visconde Phil Gairon sorriu benevolente. E com ele na liderança, as seis famílias do sul do reino de Heyle se reuniram na Propriedade Farreira.