Capítulo 5: Espectadores (2/3)
por MrRody, Second StarO grifo era uma criatura lendária. Diziam que tinha o corpo de um leão, as asas de uma águia e uma pele tão resistente quanto aço. Parecia um monstro saído de um conto de fadas.
Kiril Farreira estava montada em um animal que se assemelhava a um grifo.
Todos no salão de treinamento, especialmente o novo recruta, ficaram espantados.
“É a magia da feiticeira Kiril Farreira!”
Uma habilidade para mover coisas, criar e dar vida, essa magia estava além de qualquer compreensão. Não havia como ensiná-la ou aprendê-la, mas Kiril havia despertado esse poder quando tinha apenas dez anos. Um ano depois, foi reconhecida pelo rei. Era difícil imaginar o quão famosa ela era agora.
— Você. — Kiril apontou para o recruta.
— S-sim, senhorita!
Kiril saltou de seu grifo. Uma garota pequena e adorável, ela ergueu o queixo e apontou com o dedo. Seus cabelos loiros brilhavam sob a luz intensa do sol, dando-lhe uma aparência radiante, mas o novo recruta estava apavorado. E a indicação com o dedo continuou.
— E você, e você também. — Kiril apontou para os outros dois guardas.
— S-sim, senhorita! — Tanto o guarda veterano quanto o guarda narigudo se endireitaram e saudaram.
— Vocês três não deveriam estar em serviço agora? Por que estão todos parados aqui? — Kiril questionou rispidamente.
— C-completamos nosso turno fielmente e estávamos apenas voltando após a troca. N-não fizemos nada que pudesse ser um problema! — explicou o guarda veterano.
— Sim, senhorita! Também evitamos qualquer conversa particular durante o serviço! — acrescentou o guarda narigudo.
Os dois guardas mais velhos pareciam assustados. Eles não estavam mentindo, mas suas pernas tremiam, e seus corações batiam acelerados.
A jovem Kiril Farreira era o futuro da Propriedade Farreira. Assim como os cidadãos de todo o reino ficariam felizes em ter um prodígio nascido em sua terra, aqueles guardas se sentiam privilegiados por trabalhar para um gênio como Kiril.
Mas isso só era verdade quando Kiril não estava diante deles. Ela era uma mestre difícil de servir. Sua voz era afiada e irritante, e ela parecia sempre incomodada. E o trabalho se tornava incrivelmente exigente quando ela estava assim.
— Então você discorda de mim? Está dizendo que eu estava errada? — Kiril disparou.
— N-não, senhorita! — O guarda veterano tentou desesperadamente acalmá-la. — Não foi isso que quis dizer!
— Calados. Olhe para vocês agora. Em vez de estarem treinando, vocês três estavam conversando no salão de treinamento. É assim que guardas veteranos devem agir?
— I-isso é…
— E isso também vale para você! — Kiril gritou para o recruta. — Você acabou de ser recrutado e já está enrolando?
— Sinto muito, senhorita! Desculpe! — o recruta se desculpou imediatamente.
Kiril às vezes entrava em uma espécie de surto incontrolável e atormentava os soldados. Por isso, era tanto admirada quanto evitada pelos guardas da propriedade. Claro, ela não assediava as pessoas o tempo todo. Havia uma certa arrogância por desenvolver tanto talento tão jovem, mas ela ainda era filha do benevolente Barão Farreira.
Porém, hoje ela estava de mau-humor. Prestes a continuar hostilizando os guardas, foi interrompida por uma voz.
— Haa, haa… O que está acontecendo? — Airen Farreira perguntou enquanto se aproximava, arrastando sua espada com as pernas trêmulas.
Kiril lançou um olhar breve para os guardas e, em seguida, voltou-se para Airen. Fez uma expressão desconfortável, abriu a boca, fechou-a e depois a abriu novamente. Mas não era do tipo que guardava suas palavras, então ficou ainda mais irritada ao confrontar seu irmão.
— Pare com isso agora.
— Parar com o quê…?
— Do que você acha que estou falando? Estou falando dessa bobagem sem sentido.
Airen observava sua irmã em silêncio. Havia algo feroz e forte em seu caráter. Era difícil acreditar que ela era quatro anos mais jovem que ele. Antes, Airen teria ouvido o que ela dizia e voltado ao seu quarto. E, na verdade, isso nunca teria acontecido em primeiro lugar.
Mas as coisas mudaram. Airen não estava satisfeito. A vontade dentro dele ainda ardia. Ele virou as costas para sua irmã e voltou ao treinamento.
— V-você…!
Isso enfureceu Kiril. Ela estremeceu, pois não esperava que seu irmão a ignorasse. E, depois de um instante, um grito raivoso ecoou por todo o salão de treinamento.
— Você acha que esgrima é uma piada?! O que fez todos esses anos além de dormir? Acha que vai mudar alguma coisa só porque de repente decidiu pegar numa espada? — Kiril gritou. Ela viu Airen ignorá-la enquanto ele continuava praticando e prosseguiu: — Está vendo? Você é patético! Você tem noção de que aquele novo guarda ali é muito melhor que você? E não me diga que está fazendo isso devido ao que aconteceu há duas semanas. Se for isso, você é um idiota…
— Kiril. — Uma voz feminina clara e suave a interrompeu.
Foi impressionante. Uma voz tão pequena conseguiu chamar a atenção de todos em meio ao caos. Kiril também parou e se virou para a voz. Era Amelia Farreira, a segunda esposa do Barão Farreira e mãe de Kiril, que caminhava em direção a eles. Kiril franziu o cenho ao ver sua mãe.
— Kiril. Pare de importunar seu irmão e venha aqui — disse Amelia. Kiril não respondeu, e Amelia a chamou novamente. — Venha.
— Mas…
— Agora. — Amelia falou com sua habitual gentileza, mas havia algo em suas palavras que dificultava desobedecer. Kiril não teve escolha a não ser escutar sua mãe e seguiu para perto dela como um potro rebelde domado.
— Tenham um bom dia — disse Amelia aos demais.
— S-sim, senhorita! — Os guardas responderam nervosos.
— E, Airen, não se esforce demais — disse ela ao filho.
— Sim, mãe.
Amelia deixou o salão com Kiril. Mesmo depois que ela se foi, ninguém conseguiu retomar o trabalho. Todos ficaram parados, atordoados no silêncio desconfortável.
Swish! Swoosh!
Dentre eles, apenas Airen continuava treinando seus cortes verticais como se nada tivesse acontecido.
Era por volta da hora do jantar, um pouco cedo para dormir, mas Airen Farreira já estava adormecido. Ele não estava mais usando o sono como uma fuga. Apenas não conseguia se manter acordado devido ao cansaço do treino.
Airen tinha o sono leve, então normalmente acordaria com qualquer coisa ao seu redor. Mas agora estava em um sono tão profundo que nada o despertaria. Kiril Farreira se aproximava furtivamente de seu quarto com uma bolsa nos braços.
— O jovem mestre está dormindo, senhorita — disse uma voz atrás dela, assustando Kiril. Era o servo de Airen.
— E daí?
— Acho que seria melhor visitá-lo mais tarde, senhorita.
— Tenho assuntos para discutir com ele.
— Não poderia esperar até que o jovem mestre acordasse?
— Como ousa me questionar?!
Kiril lançou um olhar severo ao servo e liberou uma poderosa aura de seu corpo. Era uma força palpável. O misterioso poder da feiticeira sobrepujou o servo.
“O que é isso…?” Uma gota grossa de suor escorreu da testa do servo. Kiril era mais jovem que sua filha, mas ele não ousava enfrentá-la. O servo ficou paralisado de medo, como se tivesse olhado nos olhos de uma Medusa.
— Humpf! Patético — disse Kiril ao encerrar sua magia. Em seguida, ameaçou o servo: — Nem pense em contar a alguém o que aconteceu hoje. Se fizer isso… você sabe o que vai acontecer, certo?
Kiril entrou no quarto de Airen, e o servo não teve coragem de dizer mais nada.
O Nobre Preguiçoso Airen Farreira acordou cedo pela manhã. Embora ele tenha ido para a cama cedo, não dormiu por muito tempo. Na verdade, foi bem menos do que o normal para ele no passado.
Mas Airen se sentia renovado. A dor nos músculos parecia menor do que ontem. Ele achou que havia algo estranho, até ouvir uma melodia suave tocando ao seu lado. Ele sorriu.
Aaah, Aaah. Era uma voz suave, mas não vinha de um humano. Era de uma boneca de papel cuidadosamente dobrada, que cantava sozinha. Um homem comum ficaria assustado com uma visão tão estranha, mas Airen não se surpreendeu. Ele pegou o pedaço de papel ao lado da boneca e abriu.
Para meu irmão,
Me desculpe pelo que disse mais cedo hoje. Ao saber que você estava se esforçando demais sem comer direito, fiquei tão preocupada… e aí acabei me exaltando. Mamãe também me repreendeu. Eu mereci.
Enfim, só espero que você não se esforce demais devido ao aquele idiota disse. Deixei uma bonequinha que ajuda a relaxar. Espero que ajude.
Boa noite.
P.S. Não conte para a mamãe que passei por aqui. Ela me disse para não ir ao seu quarto. Não é como se eu fosse incomodar você ou algo assim… Ela se preocupa demais.
A letra de Kiril não era tão bonita quanto ela, mas foi o suficiente para fazer Airen sorrir. Ele era grato por ter uma irmã tão preciosa. Kiril era uma das poucas pessoas que o faziam feliz em sua vida deprimente.
“Eu não mereço, e ainda assim você sempre cuida de mim.” Airen sorriu e colocou a carta de lado. Então pegou o pequeno bilhete que estava ao lado.
Se Kiril te incomodar muito, me avise. Até lá, vou fingir que não sei de nada. Com amor, Mãe.
E a mãe de Airen era tão preciosa quanto Kiril. Amelia não era sua mãe biológica, mas sempre o amou e cuidou dele, com sorrisos calorosos e abraços que valiam mais que qualquer palavra.
Graças a ambas, Airen não se afastou completamente de sua família. E com seus sonhos e o treinamento duro desses últimos dias, talvez ampliando sua perspectiva, ele sentia que havia se aberto um pouco mais.
Toc, toc.
— Posso entrar, meu senhor?
Uma voz tirou Airen de seus pensamentos. O servo entrou com o café da manhã, como no dia anterior. Mas dessa vez, o Nobre Preguiçoso balançou a cabeça.
— Não gostou da comida, meu senhor?
O servo parecia confuso. O jovem mestre nunca foi exigente com comida. Foi aí que Airen disse algo que ele nunca imaginou.
— Hoje eu vou comer com a minha família — disse Airen. — Me avise quando estiver pronto. Eu vou me arrumar.
— S-sim, meu senhor! Vou falar com o barão agora mesmo! — o servo respondeu rápido. Então saiu do quarto apressado, quase correndo em direção ao seu destino, com um sorriso no rosto.
“O Lorde Airen… mudou!” Não era apenas uma mudança no padrão de sono. Nem era sobre seu treinamento de espada. Era uma mudança no coração. O servo ficou feliz em ver o jovem mestre finalmente se abrindo.
E a família de Airen não foi diferente do servo em sua alegria.
— Garanta que… você preste bastante atenção à comida hoje — ordenou o Barão Harun Farreira em um tom digno.
— Sim, meu senhor!
O barão podia parecer digno, mas não conseguia evitar que os cantos da boca se curvassem em um sorriso. Diferente da imagem que passava, ele era um homem compassivo por dentro. Ele estava muito feliz com as mudanças no filho, e o mesmo valia para Amelia e sua irmã Kiril.
— Experimente isso, Airen! — Kiril ofereceu comida para ele.
— Certo.
— E isso também. E mais isso. Prove isso também. — Kiril Farreira continuava colocando comida no prato de Airen. Ela se levantava da cadeira para alcançar, por ser pequena. Amelia gentilmente a lembrou de se comportar, e Airen sorriu.
— Obrigado, pai, mãe e Kiril. Sempre quis agradecer a todos por cuidarem de mim, mesmo quando eu ficava deitado na cama o dia todo. Não conseguia dizer antes… Me desculpem, eu amo vocês.
Essas palavras eram inesperadas vindo do filho, o que as tornava ainda mais especiais. Amelia sorriu calorosamente para Airen. Kiril começou a chorar, e até o Barão Farreira tinha os olhos marejados. Eles sabiam que Airen os amava, mas ouvir aquilo da própria boca dele foi diferente. A família percebeu que Airen Farreira estava finalmente tentando se reerguer.
— Também amo você, filho — disse o barão.
— Peço desculpas por preocupar vocês — respondeu Airen.
— Não há necessidade disso. Vamos apenas aproveitar a refeição.
E eles voltaram a comer. Apenas o som dos talheres preenchia o salão, mas não havia constrangimento. Era relaxante. Era ótimo. Fazia dez anos que os quatro não comiam juntos. Dez anos desde que todos sorriram. Não era nada extraordinário, mas eles esperaram por esse momento por muito tempo.
Depois de um tempo, o Barão Harun Farreira quebrou o silêncio.
— A propósito, filho.
— Sim, pai.
— Soube que você tem se esforçado muito praticando esgrima ultimamente. É ótimo que esteja treinando, embora tarde. Mas espero que não se esforce demais.
Airen parou de comer. O barão tentou não parecer preocupado, mas era evidente que estava.
— Às vezes, exagerar é tão ruim quanto fazer pouco. Se você se esforçar demais desde o início, pode se cansar facilmente ou até se machucar. Posso encontrar um cavaleiro de renome para dar algumas aulas. Então, por que não pega leve até lá?
— Obrigado pela preocupação, mas estou bem.
Todos ficaram surpresos. O barão, Kiril e até Amelia, conhecida por manter a compostura em qualquer situação, ficaram chocados ao ver Airen tão determinado.
— Estou bem. Não precisa se preocupar, pai.
Airen tentou tranquilizá-lo com uma voz suave, mas confiante. E ele realmente acreditava nisso.
“Isso não é nada comparado ao treinamento que vi em meus sonhos.”
Airen voltou a comer, e sua família não mencionou mais o treinamento. Era a primeira vez que o garoto demonstrava confiança depois de uma vida inteira se escondendo. Então, não havia necessidade de impedi-lo, mesmo que isso trouxesse preocupação.
“Mas ainda assim… vai ser difícil”, pensou o barão.
“Devemos ajudá-lo a se levantar caso ele desista no caminho”, pensou a baronesa.
“Irmão bobo. Por que ele está mentindo sobre estar bem?” pensou Kiril.
A família de Airen não esperava muito dele. Eles o amavam e ficaram felizes em vê-lo mudar, mas era só isso. Airen não havia mostrado nada que os fizesse esperar algo mais extraordinário.
Mas a família Farreira estava enganada. Airen não desistiu, nem aliviou seu treinamento. Na verdade, ele intensificou, deixando todos preocupados. Kiril Farreira ficou irritada com isso, e os soldados passaram por maus bocados por causa disso.
No entanto, o cavaleiro viajante que chegou à Mansão Farreira tinha uma visão diferente. Sem saber do passado de Airen Farreira, ele conseguiu vislumbrar seu verdadeiro potencial.