Capítulo 57: O Dragão Adormecido (1/6)

Houve épocas em que demônios eram tão comuns quanto encontrar monstros hoje em dia. Foi há mais de 400 anos, quando a fronteira entre o reino humano e o reino dos demônios era obsoleta, e 150 anos atrás, quando sete poderosos arqui-demônios governaram a terra. Comparado àqueles tempos, o mundo se tornou muito mais pacífico e seguro após o fechamento do túnel entre os dois reinos. Mas isso não significava que o perigo das entidades malignas havia desaparecido por completo.

Demônios. Essas criaturas corrompidas adquiriram poderosas energias por meio de pactos com demônios e tentaram ao máximo liberar sua influência negativa sobre o continente.

— Não sei se você está ciente, mas os demônios não são como monstros em termos de poder — disse Kiril Farreira seriamente.

Airen também assentiu pensativo. Ele não era tão conhecedor sobre o assunto, mas podia facilmente deduzir. Demônios eram parecidos com feiticeiros que tinham mentes fortes o bastante para realizar milagres inacreditáveis. A única diferença era que os demônios tinham mentes muito negativas. Eles carregavam raiva, ansiedade, confusão, ciúmes, ódio-próprio, depressão, sentimentos de perda e sentimentos de traição, tudo em tal nível que até mesmo os demônios das profundezas do inferno os temiam. Então, não era difícil imaginar o quão aterrorizantes e impiedosos eles seriam. Kiril tinha todos os motivos para se preocupar. Mas…

— Vou ficar bem — Airen tranquilizou sua irmã. — Estou confiante. Vou me esforçar ao máximo para voltar em segurança. Não. Vou garantir que sim.

— Você… está com a língua afiada agora — disse Kiril. Em seguida, pensou: “Mas eu gosto disso.”

Ela olhou para o irmão, que se libertou da feitiçaria sem a ajuda de ninguém e se tornou muito mais confiável. Não foi apenas a altura dele que cresceu.

“Eu também cresci muito. Mas…”

Ela ergueu o olhar para o rosto do irmão, ainda muito mais alto que ela, então tentou parecer séria novamente. Ainda estava preocupada, então lançou um olhar severo e o advertiu novamente.

— O problema com demônios é que eles são fortes, mas não conseguimos prever os poderes deles. Principalmente em como conseguem manipular a mente das pessoas.

— Hmm. Sim, isso pode ser perigoso.

— Claro que pode! Mas eu sei uma ou duas coisas sobre eles, então vou te ensinar tudo.

— Sim.

— Certifique-se de anotar as coisas importantes.

— Obrigado.

— E pode me perguntar a qualquer momento se estiver curioso durante a expedição.

— Hã?

Airen ficou frustrado. Eles acabaram de ter um duelo para que ele pudesse mostrar a Kiril o seu poder e, então, se juntar à expedição. Ele não imaginava que ela iria junto com ele.

— Por que eu não iria só porque você vai?

— Mas…

— Eu disse isso alguma vez?

Ela estava certa. Airen ficou em silêncio enquanto ela levantava os lábios e então acrescentou.

— Você acabou de me dizer que está confiante. Então, não tenho nada com que me preocupar, certo?

Ele não encontrou um jeito de contestar. Então, só conseguiu pegar a mão da irmã, que se estendeu até ele enquanto dizia: — Tudo bem.

Infelizmente, o plano de Kiril Farreira de ir junto na expedição não deu certo. Não foi porque seus pais se opuseram à ideia. Kiril geralmente obedecia sua mãe, mas estava muito determinada desta vez.

Na verdade, outro feiticeiro assumiu o controle sobre essa feiticeira teimosa. Skeena Kitten, a professora de Kiril e uma das maiores feiticeiras da nação mágica de Cezar, visitou a propriedade Farreira.

— Vamos! Temos um evento importante chegando em duas semanas! Pare de perder tempo aqui!

— Ah, meu único irmão acabou de voltar, então eu deveria…

— Oh, você é o Airen? Que bom ver você. Ouvi muito sobre você. Sou Skeena Kitten. A feiticeira mais bela de Cezar.

Skeena estendeu a mão com um olhar energético. Airen, sem jeito, apertou a mão dela. Ele ouviu dizer que ela tinha mais de 50 anos, mas parecia estar no início dos 20 e exibia uma beleza sobrenatural.

Ela se fez parecer jovem com magia? pensou Airen.

— Você está certo — respondeu Skeena de repente.

— Perdão? — perguntou Airen.

— Você está certo sobre o que acabou de pensar.

— V-você pode ler minha mente? Isso é também feitiçaria?

— Não. Mas consigo dizer o que você está pensando sem feitiçaria. ‘Oh, ela é tão linda! Como uma pessoa tão bonita pode ser a professora da Kiril?’ Era isso que você estava pensando, certo?

— Não dê ouvidos a ela. Ela é um desastre em tudo, menos em sua feitiçaria — disse Kiril com uma carranca.

Era desrespeitoso falar desse jeito com uma professora, mas Skeena parecia não se importar. Em vez disso, ela abraçou Kiril e riu.

— Claro! Sou a melhor quando se trata de feitiçaria acima de tudo! Oh, você é um fofa! Ficou envergonhada em me elogiar?

— O quê?! Eu não te elogiei!

— Oh, a propósito. Essa garota… Ela falou muito de você nos últimos cinco anos. Ela disse…

— Aaaaaah! Aaaaaah! — Kiril começou a gritar para interrompê-la.

— Bem, não direi mais nada se você voltar comigo para Cezar imediatamente.

Airen ficou surpreso ao ver sua irmã irritada, incapaz de encontrar um jeito de revidar. Skeena era tão boa em controlar sua irmã teimosa. Ela certamente era uma feiticeira competente de Cezar.

Claro, Skeena não era assim com todos. Depois que uma Kiril irritada saiu da sala, sua professora se voltou educadamente para falar com Airen.

— Desculpe. Não fui educada ao conhecê-lo. Você precisa ser mais forte que a Kiril se quiser ensiná-la. Por favor, desculpe minha grosseria.

— Oh, não. Eu entendo.

— Você é diferente da Kiril de muitas maneiras.

Diferente de antes, eles conversavam calmamente. Durante a conversa, Airen aprendeu muito sobre os últimos cinco anos de Kiril, as alegrias, tristezas e muitas outras emoções de sua irmã. Ele era grato a Skeena. Eles tinham acabado de se conhecer, mas ela percebeu o que mais o deixaria curioso e contou amavelmente a ele. Ele quase pensou que ela realmente podia ler sua mente.

“E… ela realmente se importa com Kiril.”

Airen pensou que sua irmã tinha encontrado uma boa professora e esboçou um sorriso gentil no rosto.

— E isso — disse Skeena enquanto tirava algo do bolso.

Ela até trouxe um presente para ele, um colar. Era um artefato avançado que alertaria o portador sobre energia demoníaca próxima e outras armadilhas mágicas. Também purificaria venenos. Airen ficou surpreso e levantou a mão para recusar ao reconhecer seu valor. Mas teve que aceitar depois do que ela disse a seguir.

— Fizemos isso juntas nos últimos cinco anos. Kiril colocou seu poder nesse colar, orando todos os dias pelo retorno do irmão.

— Obrigado…

— Acho que temos que encerrar por aqui. Preciso avisar o Lorde Farreira que estou levando Kiril de volta. Não temos muito tempo para voltar a Cezar. Você imagina a surpresa que tive ao descobrir que Kiril estava desaparecida? Hehehe.

Skeena riu enquanto Airen a agradecia novamente. Ela assentiu com um sorriso, flutuou no ar e falou com ele.

— É bom que ela tenha um irmão maravilhoso. Você é muito mais incrível do que eu imaginava.

Então ela se foi. Logo, sua aprendiz retornou a Airen.

— Sobre o que vocês dois conversaram?

— Nada demais. Sobre o quanto você estava se saindo bem lá. Mas você não deveria estar com sua professora?

— Ela vai voltar assim que terminar de falar com o papai — disse Kiril de forma irritada.

Mas Airen ficou contente. Kiril tentou resmungar, mas estalou a língua e parou ao ver o sorriso do irmão. E dentro daquele silêncio, eles aproveitaram a caminhada pacífica. Era um silêncio tranquilo, sem ser desconfortável. Então, Airen quebrou o silêncio.

— Você sabe?

— Hã?

— Onde Lulu está?

— Eu… não sei.

— Sério?

— Sim. Por que eu mentiria? Ela ficou aqui por alguns meses, depois desapareceu. Nunca mais a vi. É só isso.

O silêncio voltou a cair, mas não era como antes. Havia um silêncio desconfortável entre eles. Os olhos de Airen seguiram os olhos de Kiril. Ela parecia infeliz ao ouvir isso, mas ele precisava dizer o que tinha em mente.

— Eu sei que você não está feliz com a Lulu. Mas… você sabe que não foi culpa dela.

— Não foi culpa de ninguém. Nada estava errado. Eu queria seguir em frente, e o mundo atendeu ao meu desejo e me deu um lugar para realizá-lo. É só isso.

— Então…? O que você quer que eu faça?

— Pelo menos, não odeie a Lulu quando a vir de novo?

Airen parou no lugar e olhou silenciosamente para a irmã. Ele ainda parecia inexpressivo como sempre, mas Kiril sabia o que ele estava pensando, o que tinha em mente, e o quanto aquilo era importante. Afinal, ela era uma feiticeira.

— Eu… vou tentar.

Então, ela teve que assentir. Era uma tarde pacífica em abril.

Um mês depois, todos os soldados das seis famílias do sul do Reino Heyle, incluindo as forças do Barão Farreira, se reuniram na Propriedade Gairon. Não havia muitos soldados, mas eram forças de elite compostas principalmente por cavaleiros. Isso provava que a expedição daquele ano era diferente do habitual.

Mas os nobres reunidos ali não pareciam preocupados. Desta vez, eles contavam com a Ordem dos Cavaleiros do Crepúsculo e sacerdotes enviados da capital, com um jovem e renomado cavaleiro, Sir Hill Burnett, para liderá-los.

“Por mais perigosos que os demônios sejam, eles não são páreo para os Cavaleiros do Crepúsculo liderados por Sir Hill Burnett!”

“Eu preciso me juntar à expedição! Não há nada a perder e muito a ganhar!”

Os nobres e seus filhos mais velhos inicialmente planejavam apenas enviar tropas, mas mudaram de ideia e também se juntaram à expedição. Eles até promoveram um banquete para aliviar a tensão antes da expedição. Assim, era evidente que ninguém reunido na Propriedade Gairon estava preocupado com o fracasso.

Em vez disso, havia algo mais que lhes interessava. Airen Farreira, o Nobre Preguiçoso, apareceu em público pela primeira vez em cinco anos.

— Não esperava vê-lo em um lugar assim…

— Ouvi dizer que ele esteve preso em uma prisão mágica todo esse tempo.

— É verdade? Achei que estavam mentindo.

— Sim, achei que ele tinha se matado, e só inventaram isso porque não podiam admitir o fato…

Todos estavam falando sobre Airen. Ninguém sabia se era verdade que ele esteve preso no mundo da feitiçaria, doente ou apenas escondido em seu quarto, longe das pessoas.

Mas eles sabiam de uma coisa. Ninguém levava a sério um sujeito que esteve preso em casa a vida toda, tentando tirar uma fatia do bolo.

“Que idiota.”

“Espero que ele não molhe as calças. Ele não sabe nada sobre caça de monstros.”

Mas os filhos de Lester, Russell e Gairon pensavam de forma diferente. Ryan Gairon, o mais velho, estava especialmente cauteloso com o Nobre Preguiçoso. Ele entregou ao servo a taça de vinho que bebia e começou a caminhar em direção a Airen.

“O quê?”

“O que está acontecendo?”

Todos se viraram para os dois, agora frente a frente. O famoso e mais habilidoso guerreiro das seis famílias do sul estava diante do mais fraco de todos. Todos estavam curiosos para ver aquela combinação única. Foi então que ouviram um anúncio.

— Por favor, deem as boas-vindas a Sir Hill Burnett, o Tenente Capitão dos Cavaleiros do Crepúsculo.

Todos, aqueles que estavam rindo, aproveitando o banquete e observando Ryan Gairon e Airen Farreira, se viraram para Hill Burnett. Afinal, ele era o homem que traria a glória da vitória para todos eles.

Todos aplaudiram com entusiasmo, e Hill Burnett aproveitou o breve silêncio. Mas ele não ficou calado por muito tempo. Logo, ele ergueu a mão para interromper os aplausos e falou com uma voz digna.

— Sinto muito em dizer isso, mas vocês não precisam se juntar à expedição desta vez.