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    Airen Farreira tinha quinze anos quando começou a ter sonhos misteriosos, com um homem enigmático treinando incansavelmente sua esgrima em um quintal cercado por uma cerca antiga. Era um fenômeno fascinante, mas acabou se tornando parte de sua rotina diária.

    Nos últimos cinco anos, ele fez o possível para desenvolver sua esgrima. Durante esse período, o sonho desapareceu, mas o homem voltou a aparecer na noite em que ele deixou o mundo da feitiçaria, ainda treinando sua esgrima.

    O sonho parecia o mesmo de sempre. O cenário era familiar, o cheiro era o mesmo, e o homem continuava praticando sua esgrima. Airen Farreira, agora com vinte e um anos, já tinha visto isso incontáveis vezes. Ele observava com atenção o homem praticando, mas não se preocupava mais em copiar os movimentos do sonho na vida real.

    Por isso, Airen percebeu uma diferença sutil. Era algo tão leve que ninguém mais notaria, mas ele percebeu após cerca de uma hora.

    “Os olhos.”

    Os olhos, além de permitir a visão, eram considerados por muitos como espelhos da alma. O que Airen sentiu foi exatamente isso. Ele ficou curioso sobre a emoção que parecia habitar os olhos daquele homem.

    “Por que há raiva em seus olhos?”

    O homem nunca havia mostrado emoção enquanto empunhava a espada, como se o treinamento fosse o propósito de sua vida. Ele repetia os movimentos incessantemente.

    Se era assim, por que estava irritado agora? Airen ficou intrigado e focou nos olhos do homem. Era certo que ele estava com raiva, mesmo que apenas um pouco. E o sonho terminou ali.

    — Levantem-se!

    — Temos suprimentos suficientes?

    — Vamos terminar o café rápido!

    Os barulhos dos soldados cumprindo suas tarefas deixaram claro que Airen estava acordado. Ele teria se levantado imediatamente para alongar os músculos e articulações que haviam endurecido durante a noite, mas hoje permaneceu deitado por mais alguns instantes. Ele fechou os olhos novamente.

    “Toda vez… algo especial sempre aconteceu quando o sonho mudou.”

    Era certeza. Seu treinamento em esgrima melhorou muito depois que ele se tornou consciente dentro do sonho, e foi arrastado para o mundo da feitiçaria quando o homem olhou em sua direção. Com isso, algo também mudaria dessa vez.

    “Ou talvez algo já tenha mudado.”

    Airen pensou sobre o dia anterior, que certamente foi estranho. Ele demonstrou um feito perfeito, algo superior ao que havia conquistado no mundo da feitiçaria. Trouxe honra à sua família com suas ações, então deveria estar feliz, mas estava deprimido, o que era outra estranheza. Era algo tão pequeno que talvez fosse só imaginação…

    — Vamos… parar.

    Airen balançou a cabeça e se levantou. O sonho havia mudado, e ele precisava estar atento, mas caçar demônios era mais importante no momento. O comandante reconhecia suas habilidades, mas ele ainda era um novato inexperiente. Precisava ter isso em mente sempre.

    “Concentre-se e não baixe a guarda”, pensou enquanto começava a se alongar.

    — Oh, Lorde Airen. Teve uma boa noite de sono?

    — Você foi incrível ontem!

    Diferente do primeiro dia, alguns Cavaleiros do Crepúsculo puxaram conversa com ele. Outros também pareciam querer falar. Ele sorriu, trocou algumas palavras com eles e olhou para seu pai. O sorriso mais profundo no rosto dele iluminou Airen, que foi buscar o café da manhã.

    O colar ficou preto novamente. Parecia que aquela má intenção não pararia até o fim da expedição.

    “Será que estão planejando algo além do veneno?”

    Enquanto esperava o colar purificar a comida, sentiu algo sobre sua cabeça. Airen rapidamente estendeu a mão e riu ao ver o que era.

    Colocaram veneno na comida de novo! São uns malvados! Sempre tome cuidado!

    A escrita continuava horrível, mas aqueceu o coração de Airen.

    “Parece que ainda tenho alguém do meu lado. Quem quer que seja, obrigado. Vou me lembrar disso.”

    Ele murmurou mentalmente e esperou até que a purificação terminasse. Depois, começou a comer de forma exagerada, como se quisesse que os outros vissem.

    Jack Stewart observava com seriedade, enquanto Phil Gairon sussurrava.

    — Tem certeza de que funcionará desta vez?

    — Tenho certeza de que está envenenada, meu lorde. É o suficiente para deixar qualquer um doente por três dias…

    — Você disse isso ontem! Por que ele ainda está bem?

    — Se… se não funcionar desta vez, suspeito que ele tenha um artefato que o protege contra venenos.

    — Maldição! Ele tem dois artefatos valiosos que nem eu, Visconde Gairon, tenho. Absurdo! É culpa daquela bruxa vagabunda de novo?!

    Gairon xingou a família Farreira com os olhos vermelhos de ódio, cuspindo na cara de Jack. O cavaleiro não parecia incomodado enquanto ouvia o visconde ordenar que prejudicasse Airen a qualquer custo.

    Após a partida do mestre, Jack limpou o rosto com um lenço. Ele não gostava. Não gostava da saliva, claro, mas também não gostava de ter que prejudicar alguém na mesma expedição.


    O segundo dia da marcha seguiu sem problemas. Não houve mais batalhas inesperadas como no dia anterior. Depois de duas emboscadas fracassadas, as criaturas demoníacas pararam de atacar. Apenas alguns monstros selvagens apareceram, mas os Cavaleiros do Crepúsculo os eliminaram rapidamente, sem necessidade de Airen ou Hill intervir.

    Airen ficou um pouco pálido ao ver o sangue.

    — Você não parece bem. Está tudo certo?

    — Estou bem, comandante.

    Hill assentiu. Não era nada grave. Airen parecia calmo enfrentando uma criatura demoníaca gigante, então não era possível que estivesse abalado com aquilo.

    Mas ele estava. Airen sentia repulsa pela matança, e isso o chocava.

    “O que está acontecendo comigo?”

    Tal reação seria óbvia para quem nunca tivesse vivenciado algo assim, mas ele estava bem no dia anterior. Por quê? Airen passou o segundo dia se questionando, e naquela noite sonhou novamente com o homem, agora com raiva nos olhos.

    No terceiro dia da expedição, Airen provou novamente suas capacidades.

    — Consigo sentir energia demoníaca naquela direção. Suspeito de uma armadilha.

    — Criaturas demoníacas se aproximando pela esquerda. Deixem comigo — disse Airen.

    Ao chegarem à floresta onde ficava o esconderijo do demônio, Airen sentiu que seu corpo havia mudado. Estava incrivelmente calmo e tenso ao mesmo tempo. Seus sentidos aguçados permitiram detectar as criaturas demoníacas se preparando muito antes do colar, e ele as atacou impiedosamente. Hill sorriu satisfeito ao vê-lo abatendo inimigos sem hesitação.

    Visconde Gairon ficou furioso, mas não podia demonstrar sua frustração. Airen havia garantido que prosseguissem sem baixas, então o visconde não podia mostrar seu ódio. Em vez disso, lançou um olhar mortal para Jack Stewart, mas o cavaleiro nada podia fazer. Além disso, ele não queria prejudicar Airen, que havia se tornado um espadachim extraordinário.

    “Sei que ele é de uma família rival, mas também sou um cavaleiro!”

    Na verdade, as famílias nem eram inimigas. Era apenas o ódio intenso de Phil em direção aos Farreira que deprimia Jack.

    Com cada um imerso em seus pensamentos, avançaram até chegar ao esconderijo do demônio. A caverna tinha uma entrada ampla, como se tivesse sido criada artificialmente, torcendo o espaço.

    Hill Burnett virou-se para Airen.

    — Vamos entrar primeiro.

    Era sensato enviar os dois membros mais fortes da expedição à frente, e Airen também era mais sensível à energia demoníaca do que a maioria.

    Ninguém se opôs a dar uma responsabilidade tão grande a um novato. Todos na expedição já viam Airen Farreira como um espadachim poderoso.

    — Sim, comandante.

    Airen não tinha motivos para recusar, pois agora estava satisfeito com sua mudança. Seus sentidos aguçados e sua mente fria o faziam confiar que poderia reagir a qualquer artimanha que o demônio tentasse.

    Os dois entraram na caverna, seguidos por centenas de soldados. Durante cerca de um minuto, caminharam no escuro, guiando-se apenas pelas tochas mágicas que carregavam.

    Então, ouviram música. Todos pararam imediatamente, pois ouvir um instrumento em um lugar como aquele era estranho. Franziam a testa, confusos.

    — Uma corda… É um violino?

    — Acho também que ouço um piano…

    Alguns que tinham conhecimento musical reconheceram os instrumentos, enquanto outros apenas escutavam em silêncio. A música não era ruim. Logo, começaram a apreciá-la, fechando os olhos.

    — É agradável.

    — Sim, quem quer que esteja tocando é talentoso.

    Todos começaram a relaxar enquanto ouviam a melodia. Alguns descreviam a música em tom poético, enquanto outros apenas se concentravam nela. Alguns até a elogiavam. Em meio a essas reações variadas, seguiam adiante, pouco a pouco, sem perceber.

    Um passo, dois, três. O ritmo da música começou a acelerar, e o mesmo aconteceu com os soldados.

    — Hah!

    Enquanto caminhavam, Hill Burnett gritou. Uma onda de energia se espalhou dele, e os soldados despertaram em choque.

    — Todos estão bem? — perguntou Hill.

    — Sim, comandante!

    — Estamos bem!

    — Sacudam seus companheiros se eles não acordarem. Airen, você está bem?

    — Sim, comandante — respondeu Airen com um aceno.

    Poucos, incluindo Hill, não foram afetados pelo ataque mental. Então, avistaram uma mulher tocando piano em uma grande sala no final do corredor. Todos observaram a mulher de vestido preto e longos cabelos negros, cercada por soldados esqueléticos segurando instrumentos de corda.

    — Temos visitantes. Bem-vindos.

    A mulher parecia uma pessoa comum, exceto pelos olhos vermelhos. Hill falou em tom baixo.

    — O demônio… É mais forte do que eu imaginei.

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