Índice de Capítulo

    Airen Farreira esteve ocupado após retornar do mundo da feitiçaria. Ele não pôde descansar enquanto a expedição de caça aos demônios estava em andamento. Dedicou seus dias a aproveitar cada momento, esforçando-se para expiar seus erros do passado.

    Mesmo assim, jamais esqueceu as pessoas preciosas que o tornaram quem era. Entre elas estavam o Diretor Ian, Illia Lindsay, Judith, Brett Lloyd e a gata feiticeira, Lulu.

    De todos, sentia mais falta de Lulu. Ele ainda se lembrava da empolgação no dia em que voltou do mundo da feitiçaria e ouviu algo debaixo da cama, achando que era Lulu. Também recordava a decepção ao descobrir que estava errado. Mas agora, esses sentimentos eram coisa do passado, pois a verdadeira Lulu estava diante dele.

    — Lulu!

    Airen levantou-se de um salto e caminhou em sua direção. Não havia dúvida: aquela era Lulu, pois só existia uma gata preta capaz de levitar no ar. Ele abriu os braços para abraçá-la, mas a gata levantou uma das patas dianteiras, sinalizando que parasse.

    A patinha rosada era incrivelmente fofa, mas Airen sabia que aquele não era o momento de comentar isso. Em vez disso, perguntou:

    — Por quê?

    — Conversaremos depois. Ouça Jack Stewart primeiro — disse Lulu.

    — Hã?

    — O que ele tem a dizer aliviará sua carga. Provavelmente.

    Lulu então recuou. Airen observou-a, perplexo, antes de se virar para Jack. O homem tinha uma expressão séria, a mesma que carregava desde o incidente no esconderijo do demônio, mas parecia que precisava dizer algo. Airen perguntou:

    — Sir Stewart?

    — Sim, Lorde Airen.

    — Você tem algo a dizer?

    — Tenho. O que aconteceu na caverna… Soube que você está lidando com isso de forma pesada.

    — Quem disse…

    — Eu disse — interrompeu Lulu.

    Airen olhou para a gata, que continuava com uma expressão séria.

    — Sei que você está frustrado com o que aconteceu na caverna. E isso não tem nada a ver com o que o visconde disse.

    — Mas você também está preocupado com o que o visconde falou.

    Lulu estava certa. O ponto principal, claro, era que Airen havia sido levado pela vontade de empunhar a espada, seguindo o impulso do homem em seus sonhos. Mas era verdade também que não podia ignorar as palavras do Visconde Gairon.

    “Eu… realmente não pensei nos reféns naquele momento.”

    Naquele instante, sua mente estava focada apenas em matar a demônio. Ele conseguiu evitar mortes, mas isso não significava que não houve risco. Duas vidas dependiam de suas ações. Sua esgrima instável poderia ter colocado alguém em perigo, e esse fato pesava sobre ele, mesmo que não se sentisse exatamente culpado. Mas o que Jack Stewart disse a seguir foi contra essa ideia.

    — Você foi o único que se importou com minha vida naquele momento — disse Jack.

    — O quê? — respondeu Airen.

    — Ninguém se importou comigo. O Comandante Burnett, meus próprios homens… e até meu mestre, o Visconde Gairon.

    Jack relembrou o incidente. Recordava como os membros da expedição estavam frustrados, e não preocupados, como os olhos frios de Hill Burnett buscavam sacrificá-lo pelo bem do continente, e como o Visconde Gairon pesava sua honra familiar acima de sua vida.

    Ninguém se importou com ele. Apenas com Ryan Gairon. Mas Airen foi diferente. Apenas ele empunhou a espada por sua vida.

    — Não foi assim — respondeu Airen, sério.

    Ele não pensava em salvar ninguém. Queria apenas matar a demônio. Esse fato o incomodava ao ouvir as palavras de Jack. Mas não conseguia encontrar uma razão para negar a continuação do cavaleiro.

    — Honestamente, acho que não importa o que você pensou naquele momento. O que importa é que você foi o único que levantou uma espada por mim, e eu estou vivo por causa disso. Eu estaria morto se não fosse por você, Lorde Airen. Só queria que soubesse disso.

    Jack Stewart inclinou-se em um agradecimento sincero. Ele estava dizendo a verdade e realmente significava aquilo. A gratidão era evidente, mesclada com a raiva e tristeza que ainda carregava. Airen percebeu isso ao olhar em seus olhos.

    — É ruim que sua mente esteja instável. Talvez seja algo realmente, realmente ruim — disse Lulu.

    — Mas, graças a isso, você salvou duas vidas. Se for assim, isso não é algo realmente, realmente, realmente bom?

    A gata falava como uma verdadeira sábia, e Airen teve que concordar com um aceno.


    Quando a emoção do momento passou, Jack continuou. Era quase uma confissão. Ele admitiu que havia envenenado a comida de Airen para impedir que a família Farreira ganhasse toda a atenção e que tentou interferir na batalha após o envenenamento falhar. Também revelou que tudo foi ordenado pelo Visconde Gairon.

    — Sei que sou culpado disso. Mesmo que tenha sido uma ordem do meu mestre… eu não deveria ter feito. Tenho vergonha como cavaleiro e como pessoa. Fazer algo assim a um colega de expedição… Eu sinto muito. Sinto de verdade, Lorde Airen.

    Era uma história perturbadora, mas não surpreendente para Airen. Ele já suspeitava, mas isso não significava que estava preparado para ouvir.

    — Estou pronto para qualquer punição, Lorde Airen.

    Airen se sentia dividido. Muitas pessoas haviam insultado e zombado dele no passado, e ele sabia como lidar com isso. Antes, ele evitava confrontos, mas agora enfrentava-os de frente. Essa, no entanto, era a primeira vez que alguém hostil se aproximava para pedir desculpas e solicitar punição.

    “Não sei o que fazer.”

    Ele não pensava em perdoar Jack, já que o homem havia causado danos a ele e à sua família. Mas, naquele momento, não sabia o que dizer.

    “E…”

    Airen olhou para trás. Lulu estava flutuando no ar, afastando-se para o canto do quarto, bem longe. Sim, ele queria falar com Lulu primeiro. Não queria desperdiçar tempo com Jack quando finalmente estava reunido com sua boa amiga após cinco anos.

    — Falaremos sobre isso depois — disse Airen.

    — Lorde Airen…

    — Não vou te perdoar, mas não sei o que fazer agora. Por favor, vá embora. Entendeu?

    — Sim… Lorde Airen. Eu pagarei pelos meus pecados.

    Jack curvou-se novamente e levantou-se. Ele abriu a porta para sair, e Lulu tentou acompanhá-lo. Airen gritou, surpreso.

    — Lulu!

    Não foi apenas um grito. Ele correu rapidamente e fechou a porta antes que Lulu pudesse sair, empurrando Jack para fora do quarto. Jack ficou surpreso, mas Airen não se importou.

    Em silêncio, Airen tentou encarar os olhos de Lulu, que evitou o contato. A gata desceu ao chão e caminhou até o canto do quarto, virando-se de costas para ele.

    Airen percebeu o que significava aquele olhar solitário.

    “Ela acha que é culpada por eu ter ficado preso no mundo da feitiçaria.”

    Parecia que Lulu compartilhava dos mesmos pensamentos que Kiril teve antes. Ela se sentia culpada por ter separado a família por cinco anos. Mas isso não era verdade. Definitivamente, não era o caso.

    Não havia palavras suficientes para expressar isso. Airen tinha entrado no mundo da feitiçaria por vontade própria, buscando seu próprio crescimento. Não era algo ruim. Ele não podia suportar ver Lulu, que certamente sabia disso, agir dessa maneira. Mas a gata não estava disposta a abrir seu coração tão facilmente.

    — Você teria despertado uma habilidade diferente se eu tivesse ensinado melhor. Então, você não teria ficado preso naquele lugar por cinco anos, longe da sua família. Kiril não teria ficado tão triste. É tudo culpa minha. Me desculpe.

    Airen balançou a cabeça. Ele disse a Lulu que ela era a razão pela qual ele conseguiu chegar tão longe. Afirmou que, graças ao excelente ensinamento dela, ele se tornou um feiticeiro, algo raro em todo o continente, refinou sua esgrima e até derrotou um demônio como resultado. E repetiu isso várias vezes.

    As palavras sinceras de Airen tocaram o coração de Lulu? Ele viu as orelhas dela tremularem. Mas isso não foi suficiente. As orelhas caíram novamente, e a gata falou com uma voz triste.

    — Eu sou uma gata azarada. Uma gata preta azarada.

    — O que está dizendo? Você mesma disse que era tudo superstição e que não significava nada.

    — Uma superstição ainda tem poder. É mais poderosa se for famosa — Lulu hesitou por um momento, mas continuou. — Mesmo que não faça sentido, torna-se realidade se muitas pessoas acreditarem. Mesmo que algo não tenha poder, pode se tornar forte se muitas pessoas o adorarem. A vontade de muitas pessoas transforma-se em feitiçaria e altera as leis do mundo. Você já ouviu falar de animismo?

    — Não.

    — É uma crença de que há espírito em coisas inanimadas. É como os antigos acreditavam no sol ou adoravam pedras gigantes. Mas não é totalmente absurdo. Alguns feiticeiros afirmam que o Deus do Reino Sagrado nasceu dessa forma.

    — Então, eu sou uma gata preta azarada. Muitas pessoas dizem isso, então deve ser verdade.

    Airen ficou frustrado com essa nova informação, mas de certa forma fazia sentido. Sacerdotes poderiam achar isso ofensivo, mas Airen, que também havia despertado feitiçaria, pensou que o que Lulu disse poderia ser verdade. Isso, no entanto, não o impediu de tentar persuadir a gata.

    Ele caminhou até o canto do quarto, assustando Lulu, que tentou fugir. Mas foi tarde demais. Airen a abraçou antes que ela pudesse escapar com seus poderes.

    — A partir de hoje, um gato preto será um símbolo de sorte — disse Airen.

    — O que quer dizer? Gatos pretos dão azar.

    — Não. Eu acredito que são um símbolo de sorte. Sempre foi assim, e agora tenho ainda mais certeza.

    — Pare de dizer coisas estranhas!

    Lulu protestou, debatendo-se nos braços de Airen. Ele continuou.

    — Eu vou acreditar, com mais força do que todas as pessoas que pensam o contrário juntas, que você é uma gata que traz sorte.

    — Isso resolve o problema, certo?

    Airen falou sem emoção, mas com uma voz profunda. Até mesmo a teimosa Lulu não conseguiu resistir. Ela parou de se debater e deixou-se ser abraçada. Então, murmurou.

    — Eu… senti sua falta.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota