Capítulo 68: Reunião (3/3)

— Maldição! Eu preciso garantir isso de alguma forma…

Hill Burnett, o Capitão Tenente da Ordem dos Cavaleiros do Crepúsculo, murmurava para si mesmo, claramente irritado com a família Gairon.

— Fui distraído pelo demônio vil mexendo com minha mente, e meu julgamento não era meu próprio.

— Essa era a intenção do demônio! Está tentando desestabilizar o reino mesmo após sua morte!

Essa foi a defesa do Visconde Gairon contra as acusações, e os Barões Russell e Lester apoiaram-no. Outras famílias preferiram não tomar partido, pensando que o visconde poderia estar dizendo a verdade.

Claro, mesmo com essas justificativas, desobedecer ao comandante da expedição era um problema grave. Apenas isso já seria suficiente para impor uma multa significativa à propriedade Gairon. Mas Hill queria mais do que isso.

“Pelo bem do reino e do continente, eu não posso dar um exemplo fraco!”

Era um tempo de paz. Os diabos existiam apenas em livros, e os demônios eram raros comparados ao passado. Mas isso também representava um perigo. As pessoas estavam menos cientes da ameaça que os demônios representavam.

Se as pessoas começassem a achar que os demônios não eram uma ameaça e que expedições de caça a demônios eram desnecessárias, seria tarde demais. O continente ficaria instável, e as fronteiras contra o mundo demoníaco cairiam.

Por isso, os Gairon precisavam servir de exemplo. Hill cerrava os dentes, perdido nesses pensamentos, quando foi interrompido.

— Senhor. Sir Stewart está pedindo para falar com o senhor.

— Hã? Sir Stewart?

Hill estava grato pela confissão de Jack Stewart, pois aliviou muitas de suas dúvidas.

— Não tenho certeza se meu mestre… o Visconde Gairon estava mesmo sob hipnose. Acredito que ele esteja mentindo, mas talvez seja verdade. Sempre pareceu meio descontrolado. Mas há uma verdade mais importante.

O que Jack disse a seguir chocou profundamente o comandante. A família Gairon havia tentado envenenar Airen Farreira, o recurso mais poderoso da expedição. Tentaram várias vezes e, quando isso não funcionou, o visconde ordenou que Jack interferisse com Airen durante a luta contra as criaturas demoníacas.

Esses eram atos imperdoáveis. Hill franziu o rosto. Ele já não gostava de Phil Gairon, mas ouvir isso piorou as coisas. E tais sentimentos não se limitaram ao visconde.

“Não sinto mais pena dele.”

Hill olhou para Jack Stewart com raiva. Na verdade, sentia pena de Jack pelo que aconteceu quando foi feito refém. Também considerava Jack um bom homem, que cumpria bem seus deveres. Mas a situação havia mudado. Hill falou com severidade.

— Acha que será perdoado por apenas ter seguido ordens?

— Não, senhor. Absolutamente, não. Aceitarei a punição que mereço.

— Certamente aceitará.

Jack aceitou sua culpa imediatamente. Ele parecia se arrepender de suas escolhas, mas Hill não sentiu simpatia. O pecado era grande demais para isso. Ainda assim, a confissão de Jack foi de grande ajuda.

— Isso é absurdo! Ele está mentindo! Jack Stewart fez tudo sozinho! Não, ele também deve ter sido hipnotizado! Isso mesmo! Não fui eu! NÃO! — gritou o Visconde Gairon.

— Ainda tem mais a dizer? Estou verdadeiramente impressionado — respondeu Hill.

Todas as seis famílias do sul, incluindo os membros da propriedade Gairon, sabiam que tipo de pessoa Jack Stewart era. Agora que o Primeiro Cavaleiro da propriedade Gairon virou as costas, não havia nada que Lester ou Russell pudessem fazer.

Até mesmo o visconde, que deveria manter a calma, perdeu completamente a compostura. Ele estava tão transtornado que parecia ter enlouquecido. Assim terminou a influência da família Gairon, junto com a expedição. Mas ninguém lamentou o resultado.

— Ufa. Finalmente acabou.

Hill terminou o relatório sobre a expedição de caça aos demônios e o que aconteceu com a propriedade Gairon. Depois, foi até a propriedade Farreira. Tentou ser o mais rápido possível, preocupado que outro país tentasse recrutar o precioso gênio do Reino Heyle.

“Eu preciso trazê-lo para a ordem dos cavaleiros antes que isso aconteça!”

O Reino Heyle era fraco, tanto em liderança quanto em força militar. Sinceramente, o reino era incapaz de apoiar o talento de Airen Farreira. Se um país mais forte, como os Cinco Reinos do Oeste, famosos por seus cavaleiros, tentasse recrutá-lo, seria impossível detê-los.

Mas Hill precisava tentar. Determinado, chegou à propriedade, disposto a oferecer a melhor compensação possível.

— Obrigado por vir de tão longe. Mas… sinto muito dizer que chegou tarde demais — disse o Barão Farreira.

— Perdão, senhor? O que quer dizer…?

— Meu filho não está mais aqui.

Hill ficou devastado. Será que outro país já o havia levado?! Felizmente, não era isso. Mas o que Harun disse a seguir também não foi exatamente uma boa notícia.

— Ele voltou para a Academia de Esgrima Krono.

— Voltou?

— Sim. Disse que tinha assuntos a resolver. E, para sua informação, ele foi formalmente aceito na academia há cinco anos.

— Eu… entendo.

“Era de se esperar. Não havia como ele não ser aceito com as habilidades que tem”, Hill pensou.

Hill ficou desapontado. Graduados da academia normalmente mantinham sua nacionalidade ou se juntavam a ordens de cavaleiros de seu país. Mas os de Krono costumavam preferir vagar livremente pelo mundo em vez de se fixarem em um lugar. Havia uma chance de Airen ser diferente. Mas…

“Não há mais nada que eu possa fazer agora.”

A única coisa que Hill podia fazer era construir uma boa relação com o Barão Farreira. Ele entregou um presente valioso ao barão e elogiou Airen.

— Haha. É bom ouvir que meu filho causou tão boa impressão.

Harun não conseguia parar de sorrir, mas não era por causa do presente. Para um pai, o melhor presente era ouvir elogios sobre seu filho. Especialmente para Harun, que havia se preocupado por mais de quinze anos.

Mas o barão não comprou completamente as palavras de Hill. O futuro de seu filho era escolha dele. Agora que Airen havia crescido o suficiente para cuidar de si mesmo, Harun não planejava interferir em suas decisões.

No final, Hill teve que partir insatisfeito. Enquanto observava o cavaleiro partir, Kiril comentou.

— Então, Airen se tornou alguém importante, afinal. Ouvi dizer que aquele homem é bem exigente com elogios. Não pensei que ele agisse assim.

— Bem, acho que meu irmão é melhor do que a maioria. É bonito, bom com espadas e até sabe feitiçaria… Mas ainda tem um longo caminho a percorrer.

Kiril Farreira elogiava e criticava o irmão ao mesmo tempo, com uma expressão neutra. Mas disse isso enquanto fazia algo peculiar: equilibrava-se em cima de várias esferas do tamanho de punhos, empilhadas umas sobre as outras, com apenas um pé, de olhos fechados.

— O que está fazendo? — perguntou Harun.

— Treinamento de feitiçaria. Estou buscando equilíbrio.

— Equilíbrio?

— Eu tenho que voltar para Cezar.

— O que você quer dizer? — perguntou Amelia.

Amela Farreira, que normalmente conhece sua filha do que ninguém, também parecia confusa. Mas Kiril explicou o que estava fazendo com uma voz calma.

— Estou aguçando meus sentidos para que eu possa voltar para casa exatamente no momento em que Airen retornar. Se eu voltasse só depois de ouvir que ele chegou, estaria atrasada. Não quero isso.

— Sabia? Skeena faz isso com facilidade usando 30 bolinhas de gude. Você acha que eu conseguirei fazer isso no futuro? — perguntou Kiril, e o barão e a baronesa mal conseguiram dizer algo positivo.

— Sim.  

— Claro que consegue.  

Sua filha tornou-se mais difícil de compreender à medida que avançava na feitiçaria. Mas, independentemente disso, ambos amavam Kiril mais do que qualquer outra pessoa.

— Tem certeza de que estará bem sozinho, meu senhor?

— Está tudo bem. E eu não estarei sozinho. Lulu vai comigo.

Airen respondeu animadamente à preocupação de seu servo Marcus. Ele fez isso de propósito, pois sabia que Marcus estava nervoso. Mas não havia necessidade. Airen era mais forte do que a maioria dos cavaleiros, e não precisava mais de escoltas.

E a viagem não foi desafiadora. A sede da Academia de Espadachins Krono ficava mais perto do que o local regional onde Airen treinava.

Depois de recusar a ajuda de seu servo, Airen se despediu dos pais e de Kiril, então deixou o castelo. E enquanto caminhava devagar, pensou nas pessoas de cinco anos atrás.

“Será que eles mudaram? Talvez o diretor ainda seja o mesmo. Não consigo imaginá-lo mais velho do que era.”

O motivo de ele ter ido para Krono primeiro, em vez de visitar a família Lindsay, era o sonho. Sua determinação estava enfraquecendo novamente por causa do sonho. Ele queria encontrar a primeira pessoa que deu direção à sua mente vazia e o ajudou a se tornar quem era, junto com Lulu, é claro.

“Tenho certeza de que o diretor… pode me dar algum conselho sobre minha situação.”

Ele deveria ir primeiro ao território dos Lindsay para cumprir sua promessa, já que essa era a condição que havia feito com Illia. Mas também achava que a ordem não importava tanto depois de cinco anos. Além disso, queria resolver seu dilema antes de tudo.

E continuou caminhando com esses pensamentos.

Pop!

— Tcharam!

Uma gata preta caiu do céu. Era Lulu. As pessoas que passavam ficaram chocadas e observaram a entrada grandiosa, mas Airen se surpreendeu com outra coisa.

— Você se arrumou — disse Airen.

— Sim! Essa é nossa primeira viagem juntos, então achei que deveria me vestir adequadamente!

Airen observou as roupas de Lulu. Ela usava um chapéu de abas largas com uma pena presa, uma camisa branca com colete e calças de couro, além de um par de botas pretas. Também havia uma espada presa à cintura. Era uma espada fina, semelhante a um florete, que parecia engraçada, mas combinava bem com ela.

Airen levantou os polegares.

— Você está ótima.

— Sério?

— Sim. Está muito bonita.

— Haha! O meu lado fashionista ainda está vivo! Talvez eu não faça isso com frequência, mas quando faço, faço bem! Esperem só, Academia Krono! Os espadachins mais fortes estão chegando! Ei! Hiya! — gritou Lulu enquanto exibia alguns movimentos básicos de espada, fazendo Airen rir.

“Acho que não vou me entediar no caminho.”

O jovem loiro seguiu com passos leves atrás da gata preta que corria na frente.