Índice de Capítulo

    Charlot e Victor eram famosos por serem bondosos e de bom coração. Não se tratava apenas de serem amigáveis ou terem uma boa aparência. As boas ações realizadas por eles ao longo de quarenta anos eram incontáveis, com mais de dez delas sendo realmente notáveis.

    Eles exterminaram tribos de goblins para ajudar os camponeses pobres do sul, mataram monstros que ameaçavam pequenas vilas sem cobrar nada e até invadiram e destruíram uma masmorra de demônios.

    E quase perderam suas vidas várias vezes no processo, já que não nasceram poderosos. Mas Charlot e Victor superaram todas as dificuldades e sobreviveram para se tornarem dois dos mercenários mais fortes que existiam. Eles eram reverenciados por espadachins iniciantes.

    “E por que eles… estão fazendo isso?” Khubaru pensou.

    Khubaru não conseguia acreditar no que estava acontecendo. É claro que não havia como ter certeza do que eles queriam. Talvez quisessem apenas conversar. Seria mais razoável acreditar que eles iriam conversar por um momento e, em seguida, seguiriam seus caminhos.

    Mas não, isso não era possível. Mesmo sem os sentidos aguçados de Lulu ou Airen, ele conseguia entender. Charlot e Victor estavam prontos para causar problemas se não conseguissem o que queriam.

    E o que eles queriam era…

    “A Espada Numerada…! Cometi um erro…!”

    Khubaru se arrependeu de sua decisão. Ninguém, além de Airen e seu grupo, sabia que Vulcanus não conseguiu criar a Espada Numerada. Era natural que os outros pensassem que Airen estava carregando a espada, o que tornava um roubo inevitável. Foi um resultado de ignorar uma possibilidade. Khubaru suspirou e perguntou.

    — Sobre o que vocês querem conversar?

    — Por que não conversamos mais de perto? Vocês estão longe demais… Por que continuam recuando? — perguntou Victor.

    — Acho que essa distância está boa o suficiente — respondeu Khubaru.

    — Haha, que decepção. Até bebemos juntos lá em Derinku.

    — É verdade. Mas precisamos seguir viagem agora, então não temos tempo para conversar. Que tal deixarmos para outro momento?

    — Não, acho que devemos conversar agora — disse Victor.

    — Concordo. Depois de tudo o que fizemos por vocês, não podem simplesmente nos deixar assim — disse Charlot.

    — O que vocês… Ugh…

    Khubaru franziu a testa no meio da conversa. Airen e Lulu também ficaram sérios quando Victor tirou uma cabeça humana decapitada de sua mochila. Os olhos abertos da cabeça pareciam incrédulos, como se não acreditassem que a morte viria.

    Era Randel Clancy, o famoso Golpe Único, Randel, que fora decapitado.

    — Matamos tantos desses bandidos que estavam atrás de vocês, e vocês nos tratam com tanta frieza… Uma pena. Realmente uma pena — disse Victor com um sorriso gentil, mas seus olhos não estavam sorrindo. Eram frios. Lulu pulou do ombro de Khubaru e gritou.

    — E daí! O que vocês querem? Cortem o papo furado e vão direto ao ponto!

    — Haha, nossa adorável amiga gata está apressada. Mas eu já ia fazer isso. Também estamos muito ansiosos, sabe — respondeu Victor.

    — Entreguem a Espada Numerada — disse Charlot.

    — Não temos! Não foi concluída, então nem está conosco!

    Lulu gritou de volta. Foi quase um grito, palavras honestas que a maioria aceitaria. Mas isso não funcionou com Charlot e Victor, que estavam dominados pela ganância.

    Então eles pararam de sorrir. Seus rostos, antes valentes, tornaram-se assustadores. Era como se fossem esculturas de mármore com fogo do inferno nos olhos. Lulu sentiu arrepios por todo o corpo e recuou, assim como Khubaru. Apenas Airen permaneceu em seu lugar. Uma energia começou a emanar de seu corpo.

    — Hmm.

    Victor parecia intrigado, mas isso durou apenas um momento. Logo voltou a parecer ameaçador e falou com uma voz baixa.

    — Chega de conversa. Entreguem a Espada Numerada. As espadas de Pablo e Dwanson também. Sei que estão escondendo com feitiçaria.

    — Não vou mentir dizendo que vou deixar vocês viverem, mas prometo que não sentirão dor. Mas, se não entregarem as espadas, terão uma experiência muito difícil pela frente.

    — Idiotas! Vocês vão arruinar suas vidas por causa disso? Estão atrás de uma espada que já tem dono, e o dono é Vulcanus! Vocês se tornarão homens procurados em todo o continente! — gritou Khubaru.

    — Agradecemos sua preocupação. Mas tudo bem. Não somos os únicos que querem a espada. Como podem ver aqui, Randel e muitos outros também a queriam. Vocês serão apenas vítimas infelizes, com a Espada Numerada perdida em batalha.

    — Mas ninguém vai suspeitar de nós. Embora não tenha relação com isso… Fizemos algumas boas ações no passado.

    “Não, eles não vão ouvir.” Khubaru cerrou os punhos após ouvir Victor.

    Não havia outra saída. Teriam que lutar para sair dali. Mas a chance de derrotá-los era pequena.

    Charlot e Victor eram conhecidos por serem fortes o suficiente para lutar contra um mestre espadachim juntos. Isso significava que apenas um deles já era suficiente para superar Airen, o mais forte do grupo. Claro, Lulu, como feiticeira, e Khubaru, como Elementalista, tinham recursos para lutar. Mas ainda assim.

    — Tenho uma pergunta.

    Foi quando Khubaru estava em um dilema sério que Airen quebrou o silêncio. Charlot riu secamente. Estava prestes a dizer a Airen para não perder mais tempo, mas parou ao olhar em seus olhos.

    Sentiu uma sensação estranha, como a que teve quando encontrou Airen pela primeira vez na competição, mas dessa vez ainda mais intensa. Charlot se sentiu desconfortável, gesticulando com o queixo para Airen falar. Victor respeitou a decisão do irmão.

    E, naquele momento tenso, Airen perguntou.

    — O que vocês disseram em Derinku, quando bebemos… era tudo mentira? — Airen perguntou seriamente. — Vocês caçaram goblins nas aldeias da floresta do sul e arriscaram suas vidas lutando contra demônios, mesmo quando os camponeses pobres não podiam pagar muito… Foi tudo apenas para construir uma reputação?

    Para alguns, a pergunta soaria tola e frustrante. Muitos diriam que fazer tal pergunta quando suas vidas estavam em risco era insensato, que ele deveria focar em encontrar uma saída segura, em vez de incomodar os inimigos.

    Mas essa era uma pergunta muito importante para Airen.

    Ele pensou no que aconteceu em Derinku. Encontrou Charlot e Victor na rua, e eles se juntaram a ele para jantar e beber. Khubaru perguntou sobre os feitos do passado deles, e eles responderam com um olhar envergonhado, mas orgulhoso. Lulu até os aplaudiu por isso. Naquele momento, eles pareciam realmente felizes, e certamente não pareciam do tipo que faria algo assim.

    Por isso Airen estava curioso. Por quê? Como pessoas tão boas e fortes poderiam fazer algo como roubar uma mera espada?

    — Vocês tinham… um olhar tão feliz… quando falaram sobre o passado. Então me expliquem por que estão fazendo isso — pediu Airen. Em seguida, ficou sério e os advertiu. — Se não me responderem, nunca terão a Espada Numerada, mesmo que me matem. Nunca.

    Airen então invocou sua espada e a cravou no chão. A espada larga, com aparência densa e desgastada, parecia expressar os sentimentos de Airen. Charlot e Victor se entreolharam.

    Eles sentiram que Airen falava sério, então Charlot assentiu. Ele iria responder. Olhou para baixo, tentando encontrar palavras, levantou a cabeça e falou com a maior sinceridade possível.

    — É porque a Espada Numerada de Vulcanus é mais importante que qualquer outra coisa.

    — O quê?

    — Isso… é tudo?

    — Sim. Isso é tudo. Por quê? Esperava algo diferente?

    Charlot respondeu como se perguntasse o que mais Airen queria. Mas Airen não conseguiu falar por um longo tempo, pois não entendia. Ele mal se recompôs e perguntou.

    — Apenas por causa de uma espada?

    — Uma… espada? — Charlot devolveu a pergunta.

    — Sim, uma mera espada… O que há de tão importante assim que você não se importa em trair todos que salvou e destruir a vida que construiu?

    — A Espada Numerada não é só uma espada!

    A voz de Victor ecoou, interrompendo a conversa entre Charlot e Airen. Khubaru e Lulu cobriram os ouvidos. O volume era alto, mas a emoção desesperada contida na voz tornava difícil suportar. Victor continuou.

    — Faz vinte anos que estamos presos em um bloqueio em nosso treinamento. E, se contarmos desde que nos tornamos especialistas, já são mais de trinta anos. Tentamos de tudo para superar isso, enfrentamos todas as provações possíveis. E mesmo assim, não conseguimos. Meu irmão e eu ainda estamos presos nesse inferno.

    — E não somos só nós. Incontáveis espadachins, lutando por décadas porque não conseguem superar o bloqueio para se tornarem mestres, arriscam suas vidas. O peso que carregam… a dor que suportamos… Você não tem ideia. É tão jovem que jamais entenderá.

    Victor puxou sua espada. Seus olhos estavam vermelhos de sangue, e seu corpo emanava uma energia sinistra. Charlot fez o mesmo. Logo, seus rostos adquiriram traços desumanos, e o mesmo aconteceu com seus olhos. Um fogo ainda maior girava ao redor deles. Airen sabia que eles não estavam mentindo, que realmente estavam arriscando suas vidas pela espada.

    Mas Airen simplesmente não conseguia invejar aquele fogo.

    “É diferente.”

    Ele pensou em seus amigos. Illia, Brett, Judith, que conheceu cinco anos atrás, e Lance Patterson e outros colegas com quem se reencontrou há poucos meses.

    As luzes que brilhavam neles eram mais gentis e radiantes do que o fogo que ardia diante dele. Era um fogo saudável e belo, capaz de aquecer o coração de quem o visse.

    Mas Charlot e Victor eram diferentes. Consumiam-se em fogo pela ganância e obsessão, parecendo nada menos que demônios.

    “Eu entendo, no entanto.”

    Airen lembrou-se do passado, quando Brett ficou deprimido e tentou abandonar a academia após o exame final. Pensou que, talvez, se aquela condição tivesse persistido, seu amigo poderia ter se tornado como eles. Mas isso não significava que Airen pudesse perdoar aqueles homens.

    Ele então puxou sua espada. A energia que mantinha sob controle irrompeu de dentro dele. Os olhos de Charlot e Victor se arregalaram ao perceber que o inimigo possuía uma energia muito mais poderosa do que imaginavam.

    Mas isso era óbvio. Airen emprestava o poder de um homem que havia suportado muito mais do que eles. A vontade daquele homem não se corrompeu, mesmo quando esteve sozinho, devastado, sofrendo.

    Enquanto Airen ouvia o leve som do choro de sua espada, deixou sua mente ir.

    Ele não tinha escolha. Não gostava de sentir a influência daquele homem novamente, mas era a única saída. Airen escolheu a opção mais favorável.

    A energia de aço explodiu de dentro dele. Charlot e Victor ficaram nervosos diante da presença esmagadora, densa como metal. E, junto com Airen, Khubaru e Lulu também puxaram sua energia para se preparar para a luta. O ar ficou tenso antes que o combate começasse. Mas o que rompeu o silêncio não foi o som de espadas se chocando.

    Clap clap.

    — Uau! Uau! Georg, olha! Você viu isso? Está ainda mais impressionante que antes! Parece mais durável!

    — Você pode… só ficar quieta?

    O som repentino de palmas e uma garota conversando com um homem interromperam o clima tenso. Charlot e Victor se sobressaltaram e se viraram para olhar, assim como Airen.

    Os cinco pares de olhos fixaram-se em uma direção. Lá estavam uma garota fofa com maquiagem pesada e um vestido preto, junto a um espadachim de cabelos grisalhos, que parecia entediado.

    E havia uma mulher em um uniforme preto, caminhando por um portal dourado. Khubaru a reconheceu imediatamente e ficou chocado.

    Aquela pessoa, que um dia fora órfã, havia se formado na Academia de Esgrima Krono como a primeira colocada. Depois disso, tornou-se líder de um grupo mercenário. Tornou-se cavaleira honorária, até ascender a uma das três Capitãs dos Cavaleiros do Reino Sagrado.

    Era Ignet Crecensia. Ela balançava seus longos cabelos negros como breu e puxava sua lâmina.

    Um pequeno gesto, um grande impacto!

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