Índice de Capítulo

    Khubaru engoliu em seco ao ouvir as palavras de Ignet. Lulu também olhava nervosa para os dois. A Ordem dos Cavaleiros Negros era a terceira ordem de cavalaria do Reino Sagrado de Arvilius, considerada menos proeminente que os Cavaleiros Brancos ou Vermelhos. Mas isso era apenas dentro do reino. Em nenhum lugar do continente alguém ousaria subestimar os Cavaleiros Negros.

    O Reino Sagrado tinha a história mais antiga entre os inúmeros reinos do mundo e protegia o continente como seu escudo sagrado desde sua fundação. Muitos heróis nasceram ali, e foi o reino que derrotou o maior número de demônios e diabos, conquistando a admiração e o respeito de todos os povos.

    Ser um cavaleiro dos Cavaleiros Negros era tornar-se cidadão de um reino tão grandioso. E isso era a maior honra que qualquer espadachim ou cavaleiro poderia alcançar.

    “Mas, isso é repentino demais”, pensou Khubaru.

    Airen era, sem dúvida, um homem cobiçado. Tinha uma esgrima incrível, inigualável para sua idade, e um caráter moral exemplar. Era um pouco hesitante por falta de experiência, mas isso se corrigiria com o tempo, então era compreensível que Ignet quisesse recrutá-lo. Contudo, Khubaru nunca havia ouvido falar de alguém sendo nomeado cavaleiro sem qualquer processo.

    Será que ela pensa que está em um grupo mercenário?! Ou é o hábito de quem já foi líder de um? Talvez fosse possível, já que Gerog e Anya a chamavam de ‘capitã’ em vez de ‘senhora’, refletiu Khubaru.

    Airen também estava atônito. Ele conhecia o nome de Ignet. Ela era considerada o maior gênio do continente, uma espadachim fria e impiedosa. As impressões que teve de Illia e os rumores que ouvira explicavam que tipo de pessoa ela era. Mas nunca imaginara que seria tão imprevisível.

    — Eu recuso — disse Airen.

    — Uma resposta célere. Qual é a razão de tua recusa?

    — Não tenho um motivo específico…

    — Espere, escute por um momento. O Reino Sagrado é um lugar muito mais grandioso do que imaginas.

    Ignet interrompeu Airen levantando a mão, começando a explicar os benefícios de Arvilius. Airen não estava interessado. Embora tivesse sido o ‘Nobre Preguiçoso’, sabia muito bem o quão grandioso era o Reino Sagrado e o que significava tornar-se um cavaleiro ali. Mas o que Ignet disse a seguir foi algo que ele jamais esperaria.

    — O reino tem uma política muito liberal sobre sexo — afirmou Ignet.

    — O quê? — respondeu Airen.

    — Estou dizendo que eles não exigem pureza ou inocência como talvez imagines. Isso, às vezes, desencoraja jovens prodígios de se unirem ao reino.

    — Eu… não me importo com isso.

    — Não te importas? — Ela perguntou, então se virou para Gerog. — Esse idiota uma vez disse que não se juntaria por causa disso.

    — Capitã… Pode evitar expor minha privacidade? — disse Gerog com uma carranca.

    — Farei isso — respondeu ela.

    “Ela é tão imprevisível”, pensou Khubaru. Era aterrorizante vê-la lidando com Charlot e Victor de forma tão implacável, mas o jeito como fazia piadas a tornava parecida com uma garota comum. Até parecia um pouco fofa com sua fala antiquada e rosto jovem. De qualquer forma, era um alívio que Ignet parecesse amigável com Airen.

    — Hmm. Há mais a dizer, mas estou achando difícil explicar tudo. Não sou muito de falar, que fique claro. Então, bem, o melhor ponto é…

    Se ela fosse hostil, certamente não falaria de forma tão amigável. Ainda parecia impassível, mas o jeito como agia dificultava acreditar que fosse tão implacável como os rumores diziam.

    “Mas… Não acho que Airen aceitará entrar para o Reino Sagrado.”

    Khubaru olhou para Airen, o jovem modesto com habilidades excepcionais. Ele era tão inocente que parecia quase impossível. Mas Khubaru tinha que admitir que ele era teimoso. Airen concordava se achasse algo correto, mas recusava se sentisse que era errado, independentemente de quem dissesse.

    Esse era Airen, segundo Khubaru. Enquanto não controlasse sua ‘estaca de ferro’, ele não queria ser parte de nenhuma organização. Mas o importante era recusar a oferta de Ignet da maneira mais amigável possível.

    — Lamento, mas não me unirei à ordem, não importa como tente me persuadir. Estou em uma missão importante — disse Airen.

    “Eu sabia.” Khubaru suspirou. Não havia como mudar isso. Ignet dizia que não era boa em conversar, mas Khubaru achava que Airen era ainda pior nesse quesito. O orc ficou nervoso enquanto Airen declarava sua intenção de maneira simples e direta.

    Felizmente, Ignet não parecia irritada. Ela apenas sentou na mesma rocha de antes e o encarou. Um breve momento passou. Dez segundos. Vinte. Trinta, então um minuto. Foi um curto espaço de tempo, mas desconfortavelmente longo por estarem no meio de uma conversa.

    Khubaru ficou curioso quando Lulu falou nervosamente.

    — Ela está olhando dentro dele.

    — O quê? — perguntou Khubaru.

    — Ela está olhando para o Airen. Igual ao que Gerog fez…!

    Foi então que Ignet, depois de algum tempo encarando Airen, disse a ele:

    — Ouvi de Gerog que ele avistou um homem com um pedaço de metal no coração — disse. Suas palavras surpreenderam Airen, mas ela continuou. — Não acreditei a princípio. Já testemunhei homens consumidos por vingança, orgulho e até falsas esperanças em seus corações, mas jamais ouvira falar de alguém com um pedaço de metal. Contudo, ao chegar a Derinku e lançar meus olhos sobre ti, compreendi que o relato de Gerog era verdadeiro.

    Airen começou a respirar ofegante. Sem perceber, cerrava os dentes, e suas mãos suavam. Não era a primeira vez que alguém olhava para dentro dele. O diretor Ian já o fizera, e Lulu e Khubaru, embora de forma diferente, tinham olhos atentos para esse tipo de coisa. E até mesmo Gerog, que devia tê-lo relatado a Ignet. Airen lembrou-se do momento tenso quando Gerog o observou antes.

    Mas ninguém, entre todas essas pessoas, o fizera sentir-se claustrofóbico. Os olhos de Ignet lhe causavam um medo que o fazia sentir-se como um animal preso em uma garrafa de vidro.

    — Despertaste meu interesse. Não, mais do que isso. És como aço refinado, que até aquele arrogante Vulcanus cobiçaria… É claro que o desejaria para mim. Contudo, também refleti que talvez não pudesse tê-lo em meu grupo. Não seria evidente? Talvez eu não consiga subjugar um homem com aço no coração. Mas… — Ignet interrompeu-se por um segundo. Airen ainda estava em silêncio, e ela continuou: — Agora que observo, percebo que ainda não te tornaste o mestre do aço.

    Woosh!

    A espada de Ignet em sua mão direita liberou chamas ardentes. Era uma Aura da Espada. Como lava, uma aura de vermelho profundo cobriu claramente a lâmina. O suor escorreu da testa de Airen ao ser exposto ao calor.

    Uniforme preto, cabelo preto, olhos negros; tudo em Ignet Cresensia era escuro. Não havia parte que não fosse sombria, e Airen sentiu-se como se estivesse diante de um espelho feito de ônix. E percebeu seu estado novamente através dos olhos dela, que ele ainda não dominava sua esgrima e que o homem ainda o influenciava.

    — Reitero minhas palavras. Airen Farreira, nomeio-te cavaleiro dos Cavaleiros Negros. Esta não é uma oferta, mas uma ordem — disse Ignet.

    — Eu recuso.

    — Acabei de te dizer. Não tens escolha. Não desejo que semeies tumulto nesta terra devido a um poder que não és capaz de controlar. Isso seria apenas uma grande fonte de irritação para mim no futuro…

    — Ele disse que não vai, sua bruxa! Ele pode superar isso! Ele nunca causou problemas, diferente de mim! — Lulu saltou à frente e gritou para eles. — Ele é tão bom, tão forte, e está ficando mais forte! Ele ficará bem sem alguém como você levá-lo!

    Ignet virou-se para a gata que a interrompeu. Ela sorriu.

    — Um gato preto. Gosto de ti. Pela tua cor negra e por seres um gato.

    — Eu não me importo se você gosta de mim ou não! Airen não vai a lugar nenhum! Ele disse não, então o deixe em paz e vá embora!

    — Haha! Gerog, Anya, olhem para esta criatura. É muito divertido que ela fale — disse Ignet. Seus olhos se curvaram em um formato de crescente, como se estivesse muito divertida ao observar Lulu. Mas a gata não conseguiu sorrir.

    “Ela é tão assustadora!”

    Só de encontrar seus olhos com os dela por um segundo, começou a tremer. Não conseguia gritar mais. Foi nesse momento que percebeu por que Airen não conseguia expressar suas palavras e achou incrível ele ao menos enfrentá-la. E foi quando o poder vulcânico de Ignet desapareceu de repente.

    — Isso é desconfortável — disse ela.

    Todos, exceto Anya, ficaram curiosos com suas palavras repentinas. Ela parecia divertida ao observar Lulu, mas de repente mudou. Contudo, Ignet não se importou e continuou.

    — Parece-me que estou agindo de forma insensata. Contudo, a culpa recai sobre este pequeno tolo, que carrega o aço sem poder controlá-lo. — disse Ignet.

    — Estou… tentando — respondeu Airen.

    — Não confio nisso.

    — O Diretor Ian aprovou. Meus pais e minha irmã em casa aprovaram, e Khubaru e Lulu aqui também aprovaram. Todos confiam em mim, então posso confiar em mim mesmo.

    Os olhos de Ignet se arregalaram um pouco quando ele mencionou o nome de Ian. Mesmo para uma pessoa forte e impressionante como o sol no céu, ela não podia ignorar o mestre de Krono. Mas nem mesmo esse nome foi suficiente para persuadir a capitã dos Cavaleiros Negros, o maior gênio do continente.

    — Desapontas-me mais uma vez. Não dependas dos outros, Airen Farreira. O que deves revelar é tua própria força. Sem isso, mil palavras não me convenceriam.

    — Então provarei.

    — Hmm?

    — Provarei que tenho o que é necessário para controlar o aço dentro de mim.

    Um silêncio caiu. Ninguém achou que ele responderia de forma tão decisiva, muito menos Ignet. Ela pensava que Airen era uma criança que não conseguia encontrar seu caminho, enquanto o peso do aço o pressionava e o desequilibrava. Mas Airen parecia certo, então ela perguntou.

    — Diga-me como provarás.

    — Há uma pessoa chamada Hill Burnett, um cavaleiro e espadachim especialista do Reino Heyle. Ele matou inúmeras criaturas demoníacas, e seu espírito de luta era tão monstruoso quanto um demônio poderoso. O suficiente para influenciar o aço dentro de mim — disse Airen, explicando calmamente. — Se você puder fazer o mesmo, Condessa Cresensia, eu mostrarei que isso não me abala.

    Um silêncio ainda mais profundo se instalou entre eles. Khubaru, Lulu, Gerog e até mesmo Anya ficaram sem palavras. Então, todos se voltaram para Ignet, que exibia o sorriso mais profundo desde que chegara ali.

    — Devo considerar tuas palavras como um pedido de duelo? — perguntou ela.

    Airen assentiu com um olhar determinado, convocou sua grande espada, fez uma reverência e falou com ela.

    — Airen Farreira, ex-aluno formal do 27º Ano da Academia de Esgrima Krono, solicita um duelo com a capitã dos Cavaleiros Negros, Ignet Cresensia, do Reino Sagrado.

    Um pequeno gesto, um grande impacto.

    Nota