— CAPÍTULO VINTE E SETE —

    Pensamentos insistentes

    Ainda um pouco atordoada pela experiência que tivera antes de despertar, levantou-se. Seus olhos foram logo atraídos por um papel sob o abajur aceso, que emitia um brilho amarelado e suave, como se a luz estivesse ali apenas para destacar o bilhete. Com uma mistura de preguiça e curiosidade, esticou a mão, pegou-o e leu:

    “Meu amor, se já acordou, estamos te esperando na casa da tia Hia. Preparei pãezinhos para você logo cedo, estão dentro do aquecedor. E lembre-se de escolher uma roupa adequada para o treinamento de hoje! De mamãe para Yuki.”

    Após a leitura, ela recolocou a carta no mesmo lugar e desceu as escadas. Com uma leve dificuldade para despertar, a dor de cabeça que a acompanhava não parava de martelar. Yuki se sentia sensível, como se cada batida doesse mais do que deveria.

    — Que sonho horrível… Por que sonhei algo assim? E por que vi minha mãe daquele jeito ontem à noite? — questionou-se, a voz ainda embargada pelo sono.

    Ela andou ao seu quarto, abriu a porta e aproximou-se de Bluo para verificar se ele havia despertado. Mas não, a criatura ainda dormia profundamente. Você só faz isso, é? Só dorme? Ao descer, dirigiu-se ao aquecedor — um compartimento metálico que se abria verticalmente, com uma temperatura agradável lá dentro. Em seguida, foi até a sala e, com calma, sentou-se à mesa. Antes de morder o primeiro pedaço, fechou os olhos e saboreou o aroma que invadia a cozinha: os pães, preparados especialmente para ela, com aquele molho doce e sutil, passado carinhosamente por Mila.

    Tomou um banho quente, o silêncio da casa quebrado apenas pelo som da água caindo. Ao sair, enrolada na toalha, percebeu que havia esquecido suas roupas. Sem ninguém para chamar, subiu ao segundo andar, abriu o guarda-roupa e escolheu um short amarelo com detalhes pretos, de tecido leve que aderiu à pele sem desconforto. Para completar, vestiu uma blusa de mangas compridas num tom de azul escuro com delicados detalhes amarelos nas bordas, larga o suficiente para cobrir parte do short.
    Eu não consigo entender aquele sonho…, pensava enquanto vestia a blusa. Será que a Pearl quis falar comigo?

    Arrumou o cabelo, escovando-o com cuidado: mechas castanhas, longas e onduladas. Quando terminou, desceu as escadas, pegou o agasalho para se proteger do frio, abriu a maçaneta da porta e encontrou sua vila, serena como sempre.

    Que alívio…, suspirou. Acho que estou ficando maluca… O que eu estava esperando?

    O céu estava fechado, mas ainda claro, com algumas nuvens permitindo que o sol escapasse entre elas. A neve caía suavemente, embora o frio não fosse intenso naquele dia, e aos poucos cobria os cabelos de Yuki enquanto ela caminhava pelas ruas. Ela notou que os vizinhos da casa da frente haviam se mudado, a única mudança na vila desde que Pearl entrara em coma. Talvez estivessem tão assustados que foram procurar um lugar melhor, pensou Yuki. Contudo, o Sr. Luck ainda morava ali; Yuki acreditava que ele não conseguia se desvencilhar das lembranças que guardavam aquele lugar. Agora, havia apenas sete casas: quatro vazias e três ocupadas.

    A vila tem só seis pessoas agora, mas por que não vi ninguém…naquele sonho…?

    Os passos não afundavam mais na neve como antes; Yuki podia sentir o chão de terra logo abaixo, mesmo que o visse apenas brevemente. Seguiu até a casa dos Lawrer, batendo à porta. Logo foi atendida por Nyoha, com seus olhos brilhantes, ora verdes, ora amarelados.

    — Sua mãe me contou que viria.

    — É, pois é… Falando nela, onde ela está?

    Nyoha usava um casaco de um bonito tom marrom escuro que, embora não combinasse com seus cabelos verdes, lhe conferia uma impressão de força. Segurou a mão de Yuki, puxando-a delicadamente, sem lhe dar a chance de verificar se a mãe estava na casa ou de ter um momento para ver Pearl, e a conduziu para uma área semi aberta.

    — Depois de tanto tempo sem nos falarmos, aqui você de novo, e desta vez empenhada em algo. Você mudou, Yuki.

    — Desculpa, Nya, por não falar direito com você, mas você diz isso como se tivesse vivido inúmeras coisas.
    — Não posso te julgar sobre isso, afinal eu ia mais lá para ver a Pearl. Falei isso porque nunca a vi demonstrar o menor interesse por magia…

    — Era chato ouvir vocês duas falando de magia o tempo todo. Eu estava mais interessada em ler sobre as coisas do mundo.
    — Vai culpar quem Yuki? — Nyoha a encarou com um pequeno sorriso nos lábios.

    — O tempo, Nya. 

    Afastou-se um pouco de Yuki e voltou-se para a barreira, que se encontrava distante, protegida pela floresta que circundava levemente a vila. O lugar, pouco vasto e sem muitos ruídos vindos da vila, talvez fosse o ideal para um treinamento, pensava Yuki.

    — Vou te ensinar o mesmo que a Pearl aprendeu e te darei três chances para aprender só observando. Se não conseguir, passamos para o próximo, pode ser? Não é possível que ela aprenda tão rápido, mesmo que consiga recitar com o pensamento.
    — E isso é para?
    — Ver o que você vai aprender com facilidade, além de, claro, a magia que corre no seu sangue: a magia das flechas.
    — Entendi, então a primeira tentativa é?
    — A bola de fogo. — Ela se moveu para um pouco mais longe. — Vamos lá, acho que nenhuma de nós temos o dia todo.

    Nyoha ajeitou-se, adotando uma postura com a perna levemente inclinada para trás e o corpo bem direcionado para frente, demonstrando a experiência que tinha com aquele poder. Seus olhos brilhavam com determinação. Guiou as mãos para frente.

    Ignis magnus pila flammis! — conjurou. 

    O fogo se formou e cresceu rapidamente, com chamas que giravam em velocidade. e se tornou uma bola de fogo majestosamente à sua frente, densa e intensa, com chamas que dançavam em tons de laranja e vermelho, emanando um calor enorme, descongelava perfeitamente o chão ao seu redor, revelando a terra úmida. Ela elevou a mão, mantendo a bola de fogo na palma e apontando para cima.

    — Você pode criar uma magia imaginando ou entendendo como ela é formada. Sua mãe explicou isso, certo? Para ser exato, sua afinidade com qualquer magia aumenta muito com o contato, frequência e prática.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota