— CAPÍTULO TRINTA —

    Galhos cadavéricos

    Com o raiar do dia, dissipando o frio da manhã, e o sol a lutar por entre as nuvens, as meninas deixavam a casa, irradiando uma alegria tal que parecia que a vida havia ganhado uma nova e vibrante cor. Agora, um vazio pairava sobre o vilarejo. Onde antes treze almas viviam em harmonia, restavam apenas quatro, um lembrete constante da partida de Hia e Nyoha.

    Enquanto se dirigiam à loja do Sr. Luck, ouviram a porta bater. Apressando o passo, entraram na loja, deparando-se com uma cena incomum: um homem, elegantemente trajado em roxo, com um tecido que brilhava sutilmente sob a luz fraca do interior, com os cabelos lisos jogados para trás, conversava com o Sr. Luck, que, surpreendentemente, não estava atrás do balcão, mas sim à mesa dos visitantes, com um semblante preocupado que não costumava exibir. A chegada das meninas interrompeu a conversa.

    — Yuki, o que te traz aqui hoje? — perguntou Sr. Luck com sua voz costumeiramente seca.

    — Olá, Sr. Luck. Veja só a Pearl! — respondeu Yuki, indicando a irmã.

    Sr. Luck aproximou-se de Pearl e a abraçou, sussurrando-lhe ao ouvido:

    — Leve sua irmã daqui. Avise sua mãe sobre esse homem.

    — Pearl!! Que bom te ver! Que bom que voltou! — disse Sr. Luck em voz alta. Ele deu um sorriso forçado, tentando disfarçar a tensão que pairava no ar.

    — É muito bom vê-lo também, Sr. Luck, mas precisamos ir. Sabe como é, muita coisa para fazer, não é, Yuki?

    — disse Pearl, forçando um sorriso.

    — Mas nós não temos nada para fazer, Pearl — respondeu Yuki, confusa.

    — Que isso, Yuki, vamos! — insistiu Pearl, empurrando a irmã gentilmente para que começassem a andar, enquanto mantinha o sorriso fingido.

    — Por que tanta pressa, Pearl? Acabamos de chegar! — questionou Yuki, ainda sem entender.

    Subitamente, a entrada da loja foi obstruída por galhos secos e retorcidos, como se a própria madeira do lugar tivesse se rebelado, criando uma barreira macabra. O homem, então, ergueu-se e virou-se, revelando um rosto pálido e trapezoidal, marcado por uma cicatriz que cruzava seu olho esquerdo. Seus olhos eram negros e sombrios, e seu sorriso expunha dentes caninos afiados. Seu olhar varreu as meninas rapidamente, antes de focar novamente no Sr. Luck.

    O homem apontou um dedo em direção ao peito do Sr. Luck. De seu dedo, brotaram galhos que, atravessando o corpo do Sr. Luck, iniciaram uma transformação grotesca. Suas pernas, tronco e cabeça foram rapidamente dominados por raízes, convertendo-o em uma árvore seca bem no centro da loja. Assustadas, as meninas correram para fora do estabelecimento em ruínas, mantendo distância do homem enquanto aterrorizadas testemunhavam aquela cena surreal.

    — Sr. Luck? — Pearl estava boquiaberta, observando a loja desabar com a árvore seca emergindo em seu centro. Seus olhos estavam arregalados, aterrorizados pela cena, e suas mãos tremiam levemente.

    O homem reapareceu diante das meninas. Seu rosto agora exibia um sorriso sádico, enquanto seus olhos brilhavam com uma intensidade perturbadora.

    — Ora, ora! Não tenham medo, garotinhas… Eu o levei para um lugar melhor. — Ele as encarava com um brilho estranho nos olhos arregalados e estendeu a mão para tocá-las. Nesse instante, reagiu rapidamente, recuando a mão: uma flecha havia passado rente ao local onde a colocaria.

    — Deixe minhas filhas em paz! — gritou uma voz, enquanto uma figura segurava um arco de energia pura. Se aproximou das meninas, mantendo o arco de energia apontado para o homem.

    — Quem é você? — perguntou Mila.

    — Para que tanta afronta? Rainha dos Arcos…

    — Não vou perguntar novamente! — A mulher gerou uma flecha de coloração vermelha.

    As meninas, tomadas pelo medo, se levantaram e se afastaram de Mila, buscando refúgio próximo à casa dos vizinhos. Mila, de costas para elas, encarava o homem, que mantinha as mãos abertas e os olhos fixos nela, como se a temesse.

    — Eu, Mila Stellara, me chamo Trafa… Sou um dos filhos da Soberana.

    — Não é humano… imaginei… — Mila agora apontava o arco diretamente para a cabeça dele.

    — Então você conhece os nossos truques?

    — Sei mais do que você imagina, Trafa. O que veio fazer aqui?

    Num movimento rápido, ele correu em direção a Mila, que disparou a flecha e se moveu simultaneamente. Ele conseguiu agarrar a flecha no ar, impedindo-a de atingi-lo, mas sua mão queimou com a energia incandescente. Mila reapareceu na frente dele, lançando outra flecha. Ele desviou com um mortal, recuando com um impulso para trás.

    — Te subestimei, Rainha dos Arcos?

    — E continua me subestimando! — Uma flecha atingiu o peito do homem pelas costas, atravessando-o e desaparecendo logo após. Estranhamente, ele não sangrou; em vez disso, regenerou-se rapidamente.

    — Sim, vejo que seu título não é em vão… Por acaso… me emprestaria sua mão? — Ele ergueu o braço de repente e, do chão próximo a Mila, uma raiz afiada surgiu, envolvendo a mão dela. A raiz era grotesca e escura, pulsando com uma energia maligna. 

    Para as meninas, o homem desapareceu, e num piscar de olhos, já estava diante de Mila. Desferiu um soco poderoso no estômago dela, arremessando-a contra a casa dos vizinhos, no segundo andar. O som da madeira estilhaçando ecoou pela rua, seguido por um gemido de dor.

    Pearl virou as mãos para o homem e gritou:

    — Flammas! — Mas nada aconteceu. Ela olhou para as próprias mãos e, ao voltar o olhar para frente, viu o homem com as mãos próximas a seu rosto. Antes que pudesse tocá-la, outro feixe o impediu, fazendo-o recuar. Mila estava em pé no segundo andar, novamente com o arco apontado para ele. Seu rosto estava marcado pela dor, mas seus olhos brilhavam com fúria.

    — Como ousa! Já disse que você não tocará nas minhas filhas! Seu nojento!

    — Ah, Rainha dos Arcos, mil perdões. Minha mãe até me ensinou bons modos… Mas… resolvi não usá-los com alguém tão forte como você.

    Mila agora vestia uma roupa elegante, com quatro símbolos estampados nas costas. Era um traje branco, com uma meia-calça e um calçado especial que lembrava nuvens; sua camisa era ricamente desenhada e seus braços cobertos, emanando uma energia visível para Yuki e Pearl, que as deixava maravilhadas.

    — Você não tocará nas minhas filhas! — A voz de Mila ecoou, firme e determinada.

    — Ah, é? Você sabe… Você sabe que não tem mais tanto tempo.

    Mila correu em direção ao homem com uma velocidade que Pearl não conseguiu acompanhar visualmente. De repente, diversos feixes de luz cruzaram o espaço de um lado para o outro, e uma estrutura de raízes se expandiu, protegendo todos os feixes. Mila aparecia e desaparecia ao redor da estrutura; quando uma raiz era lançada violentamente do chão para atacá-la, ela mudava de posição. Finalmente, uma flecha ainda mais poderosa destruiu a estrutura, atingindo o homem no ombro e arremessando-o para longe, quebrando a própria estrutura no processo, , espalhando fragmentos por todo o chão.

    Mila parou, de costas para as meninas, e Yuki percebeu que seu braço estava estranho, diferente; parecia coberto por uma casca, como se a própria terra estivesse tomando forma nela.

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