Após muito tempo andando sem parar, resolveram parar para descansar. Naquele momento, por mais que tivessem andado muito, não foi o suficiente para deixar o corpo deles cansados; eles possuíam uma resistência fora do comum — era o que Kael pensava, comparando-os com pessoas que ele já havia conhecido.

    Por outro lado, a mente de Luca não estava ali; talvez fosse pela saudade.

    Nós nos despedimos da mamãe e começamos a andar sem parar. É estranho ficar distante das minhas irmãs e da mamãe durante tanto tempo. Um mês… é muito tempo.

    — Quanto tempo vocês querem descansar? — Kael interrompeu os pensamentos de Luca.
    — Eu não preciso mais de tempo, talvez o Luca precise, né? Ele é o mais cansadinho.
    — Lótus, nove a um.

    Lótus se calou e ficou de costas para o irmão.

    — Karl? Já podemos ir?
    — Podemos.

    Então, após alguns minutos de pausa, eles voltaram a andar.

    Luca refletia enquanto caminhava ao lado de Kael. Seus irmãos estavam à frente, mantendo o ritmo constante.

    — Pai, para onde estamos indo? — perguntou Luca.

    — Bem, já descemos as montanhas de Yeni. Estamos na floresta de Vamne e, daqui, vamos entrar nos campos verdes.
    — Provavelmente vamos caminhar pelos próximos dois dias até o porto do sul.

    — Eu espero que as pessoas no porto sejam amigáveis. — Disse Lótus esperançoso. 

    Karl riu, cruzando os braços:

    — Você diz isso como se fosse fazer muitos amigos, né?  

    — Talvez eles tenham histórias para contar. Eu gostaria de ouvir sobre os mares — falou Luca, empolgado.

    A floresta de Vamne era um lugar estranho, com árvores que pareciam tocar o céu e folhas tão escuras que o chão mal recebia luz. 

    O ar tinha um aroma estranho, uma mistura de musgo e umidade, e o silêncio era interrompido apenas pelo som ocasional de galhos quebrando enquanto andavam, mas Kael observava as árvores e o caminho com cuidado.

    — Pai, o senhor está preocupado com alguma coisa? — perguntou Lótus, percebendo a expressão séria no rosto do pai.

    — Estou verificando se há algo errado com a floresta. Faz tempo que não passo por essa área. Talvez tenha algo novo.

    Ele avistou então marcas na neve, deixadas por patas de animais. Parou por um instante para analisá-las.

    — Bem como imaginei… Os alces mudaram de região, e isso fez os lobos se adaptarem também. Nunca imaginei que chegariam ao ponto de caçar onde eles têm menos vantagem.

    Não muito distante das marcas na neve, havia arranhões profundos no tronco de uma das árvores, como se algo grande tivesse passado por ali recentemente.

    Luca notou a respiração pesada do pai e sentiu um calafrio.

    Kael encorajou os meninos a continuarem.  

    — Vamos, sigam em frente.

    — Lobos, pai? — perguntou Karl, com preocupação.

    — Não se preocupe — respondeu, com calma.

    Luca via Karl, que agora caminhava ao lado do pai, impressionado, começou a refletir.

    Karl é muito parecido com o papai: o cabelo preto, longo e bem dividido, o corpo musculoso e alto… eh, talvez Karl não fosse tão alto ainda… mas até a voz grave. É como uma cópia dele.

    Só que Karl é muito calmo, quieto e nem ri muito, diferente do papai.

    A floresta ficava cada vez mais densa, com folhas negras que bloqueavam a luz e deixavam o ambiente escuro e assustador.

    — Pai, e a mamãe, o quanto ela é forte? Por que ela não saiu mais nas aventuras? — perguntou Lótus, curioso.

    — A sua mãe é mais forte que eu, só que ela usa uma forma de força diferente da minha. Lembro da primeira vez que a vi: eu estava enfrentando um monstro perto do continente das Maldições, o monstro era enorme.

    — Continente das Maldições? Ele era tão grande assim?

    — É um lugar bem ruim, mas claro que ele era. Ele era tão grande que conseguiria ver as montanhas daqui de onde estamos. A gente estava se esforçando para tentar matá-lo, eu tinha usado um dos meus golpes mais fortes para cortar o punho dele, ele ia matar um dos meus companheiros.

    — E o que aconteceu? — perguntou Luca, extremamente curioso.

    — A mãe de vocês apareceu, a mulher extremamente linda que vocês conhecem. Ela era de uma equipe diferente, foi enviada para dar suporte e resolveu tudo. Puxou aquele arco dela, fez um ataque tão impressionante que atravessou o corpo do monstro, fazendo ele explodir por dentro.

    — Nossa!! Eu não sabia que a mamãe era tão forte. — disse Lótus, enquanto seus olhos se enchiam de encanto.

    — Pois é, ela é incrível.

    — Pai, qual foi o monstro mais forte que você enfrentou? — perguntou Karl.

    Kael sorriu de canto, pensativo.  

    — O mais forte? Vejamos… eu acho que foi um… — Mas antes de terminar, ele parou bruscamente, segurando a espada e retirando-a da bainha com precisão.

    De repente, a visão de todos foi tomada por um clarão branco, e um som forte saia de um lugar onde ninguém, a não ser Kael, pudesse perceber. Um ataque devastador de energia pura destruía tudo ao redor daquela direção. Surpreendidos pelo ataque, todos foram jogados para longe uns dos outros, inclusive Kael, se espalhando pela floresta. Mesmo que a força e a intensidade do ataque tivessem acertado os meninos, ele não os atingiu em cheio devido ao bloqueio de Kael, que havia se posicionado à frente deles.

    Levantando-se do chão, ainda todo confuso sobre o que havia acontecido,
    — O que aconteceu? Pai? Karl? Lótus? — perguntou-se Luca enquanto se sentava encostado em uma árvore próxima, pela metade, devido à destruição.

    No momento em que piscou os olhos e olhou para cima, uma boca enorme de uma cobra gigantesca com escamas brancas e olhos vermelhos brilhantes estava prestes a abocanhá-lo; ela recebeu um impacto no lado esquerdo do rosto, sendo jogada para o lado contrário ao impacto.

    Luca não conseguiu ver o que aconteceu; seus olhos não acompanharam os movimentos do que poderia ser.

    — Você está bem, filho? — Disse Kael enquanto oferecia sua mão para ajudar Luca a levantar.

    — Pai? — Antes de se levantar, Luca começou a chorar, assustado com a situação que acabara de acontecer.

    — Ei, ei, recomponha-se, tô contando com você para ir atrás dos seus irmãos, tudo bem? Tome sua adaga, vamos. — Puxou Luca para cima, levantando-o e entregando a adaga para ele.

    — Pai… — Enxugou as lágrimas e se preparou, pegando a adaga.

    — Corra, agora!

    Sem olhar para trás, começou a correr pela área destruída pelo ataque, observando cada detalhe da região com o objetivo de encontrar um dos irmãos. Mas, novamente, ele escutou um som vindo de diversas árvores e o movimento rápido da terra. Quando olhou para trás, viu a cobra passar por cima dele, com Kael correndo pelas costas da cobra de cabeça para baixo, empunhando sua espada brilhante, cheia de pequenas escrituras cintilando.

    Luca não olhou para trás, apenas mudou de direção para se proteger do corpo da cobra.

    — Por que isso está acontecendo? Como pode existir uma criatura como essa?

    Enquanto corria, notou o corpo de um dos seus irmãos debaixo de uma árvore, aparentemente inconsciente.

    — Lótus? — Rapidamente correu na direção do irmão, tentou acordá-lo com alguns tapinhas nas costas, mas desistiu da ideia. Pegou a árvore com as mãos, levantou-a com muita dificuldade e a jogou para o lado, libertando o irmão.

    Sentiu uma sensação estranha vindo de trás de seu corpo, ao mesmo tempo em que escutava um barulho de destruição. Um novo ataque de pura energia, desta vez menor, vindo em alta velocidade. Naquele momento, por reflexo, ele apenas pôde pular sobre o corpo de seu irmão para protegê-lo.

    O ataque passou direto por cima de Luca, porém ele sentiu as costas queimarem. Ignorando a dor, pegou o corpo de Lótus, que estava apagado, e começou a correr, pulando entre a destruição das árvores, até ouvir o barulho da cobra novamente.

    — Luca! — O grito desesperado de seu irmão Karl.

    A cobra estava sobre Luca, com a boca totalmente aberta, prestes a estraçalha-los ao mesmo tempo.

    Um instante depois tudo estava escuro.

    Eu morri? Tá tudo escuro, mas eu ainda estou em pé com Lótus nas costas, não estou?

    A cobra, com a boca aberta e ambos dentro, caiu para frente. Nesse momento, Luca olhou para trás e viu Kael em cima do corpo dela, que ainda se movia, com a cabeça cortada. A espada, apoiada no ombro de Kael, estava coberta de sangue.



    — Eh, situações assim podem acontecer à medida que saímos da montanha, mas não imaginei que seria desse nível. Mesmo assim, eu não deixaria vocês morrerem, mesmo que isso custasse a minha vida — disse Kael, olhando diretamente para Luca.

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