Tudo estava bastante destruído. Aquela área que antes era totalmente fechada por árvores consideravelmente grandes agora estava derrubada ao redor deles, abrindo uma passagem para o sol iluminar a vegetação do chão. Era difícil imaginar que apenas uma criatura pudesse fazer tudo isso.

    Kael balançou sua espada, fazendo escorrer todo o sangue de cobra que havia nela — um sangue roxo quase avermelhado.

    Manchava a terra úmida com uma tonalidade incomum.

    Ele sentou-se no corpo da cobra e colocou a espada de volta na bainha.

    — Lótus está bem? — perguntou Kael, enquanto Luca o colocava encostado em um tronco no chão.
    — Está sim, pai. Parece que ele bateu a cabeça em uma árvore, mas está bem.

    Karl chegou perto de Luca e Lótus.

    Por que, pai? Por que está tão frio? Você está tão preocupado assim?, pensou Karl, enquanto ficava ao lado de Luca, olhando para seu pai, que os encarava.

    Kael olhou para cima, pensativo.

    Joe, acho que o final do seu livro vai ter que esperar um pouco.

    — E então, meninos, o que vocês querem fazer? Estão preparados para continuar ou estão com medo do que pode acontecer com a pele de vocês?

    Ambos pararam para pensar: Karl estalando os dedos, enquanto Luca olhava para baixo.

    — Eu não…
    — Estou pronto, pai! — interrompeu Karl, com uma voz motivada, cheia de confiança. — Quero continuar viajando com o senhor, mas também quero que o senhor me treine e que eu seja útil para o senhor.

    Kael soltou um sorriso sincero, pulando da cobra e se aproximando de Karl.

    Essa motivação repentina inspirou o irmão; para Luca, era como se Karl brilhasse por um momento.

    Kael colocou os braços ao redor do pescoço de Karl, cumprimentando-o.
    — Esse é meu garoto! — disse, sorrindo e bagunçando os cabelos de Karl.

    — Muito bem, muito bem, tem algo contra, Luca?
    — N-não, pai, tá tudo bem, vamos continuar.
    — Nossa, Luca, e esse machucado na perna?
    — Onde? — Luca olhou para a própria perna.

    Um corte enorme ia até perto do joelho, mas ele não havia notado devido ao sangue quente. Agora, percebendo o ferimento, começou a entrar em desespero. O sangue parecia não parar, e a dor, antes despercebida, se intensificava a cada segundo.

    — Karl, segura ele. — disse Kael, procurando algo na mochila que estava com Karl.

    Karl rapidamente segurou os braços de Luca enquanto ambos se sentaram.

    — Pai? Isso vai doer?
    — Hmm… não mais do que esse rasgão aí.

    Kael pegou várias coisas da mochila e, antes que Luca pudesse reagir, segurou suas duas pernas no chão, passando um pano por baixo enquanto o sangue pingava.
    — Diga “ai”.
    — Ai?

    Então, Kael jogou um líquido meio avermelhado na pele de Luca. Nesse momento, ele não pensou em mais nada, apenas soltou um grito tão alto que fez Kael tapar os ouvidos. O ferimento, antes bem aberto e evidente, se fechou de forma visível, formando uma cicatriz enquanto algumas áreas ainda estavam abertas. Kael, cuidadosamente, enrolou as partes restantes para impedir que sangrassem mais, evitando que a ferida se reabrisse.

    — O que foi isso? O que você jogou aí? — perguntou Luca, ainda sentindo dor.

    — É uma poção. Ela só funciona em ferimentos normais como esse e expulsa qualquer coisa da sua pele durante a cicatrização.

    — Eu não sabia que existia isso — disse Karl, impressionado.

    — Tantas outras coisas vocês ainda não sabem que existem. Tá, vamos direto ao assunto principal. Vejo que preciso preparar vocês ainda mais. Bem, já estão crescidos e merecem entender melhor.

    — O que você quer dizer com isso, pai? — perguntou Luca, encostado no tronco ao lado de Lótus.

    — O mundo é muito perigoso, muito mesmo. E por não ter dito nada que influenciasse esse pensamento em vocês, mal conseguem atravessar essa floresta sem serem mortos.

    — Então o que temos que fazer a partir de agora? — perguntou Karl.

    — Eu vou treinar vocês. Vocês vão aprender com calma todas as coisas que posso ensinar. Óbvio que esse um mês não será suficiente, então vou ensinar algumas coisas no caminho e, quando a gente voltar, continuaremos.

    Um treinamento com o pai… Eu esperava bastante por isso, pensou Karl enquanto olhava para Kael.

    — É o mínimo que posso fazer por vocês.

    — E as meninas? — perguntou Luca.

    Kael se aproximou de Luca, agachou na frente dele e, em um tom sério, disse:

    — Seja tão forte a ponto de suas irmãs não precisarem lutar por vocês. Não deixem que elas passem pela mesma coisa que a mãe de vocês passou. Ela perdeu tantas pessoas que nem consegue mais contar nos dedos.

    Essas palavras encheram o coração de Luca e o fizeram acreditar nelas.

    — Chega de conversa, perdemos muito tempo parados. Consegue andar, Luca?

    — Consigo, pai. — Luca se levantou e olhou por todos os lados. — Tem um probleminha — disse enquanto coçava a cabeça.

    — E qual é o problema?

    — Nossas mochilas… já eram. A minha e a do Lótus.

    — Ah, não tem problema, ainda temos a minha e a do Karl. Achei que você estaria com fome. — Segundos depois que Kael disse isso, a barriga de Luca roncou de fome.

    — Bom, já está anoitecendo. Que tal fazermos um bife de cobra gigante? — disse Kael animado.

    — Eca! — exclamou com nojo. — Deve ser horrível essa cobra gigante!

    — A gente só vai saber depois que comer. Nunca é tarde para aprender uma nova iguaria.

    E então Kael, sendo um bom cozinheiro de aventuras, começou a preparar aquela carne de cobra enquanto anoitecia. Tirou uma panela de sua bagagem enorme e adicionou alguns ingredientes enquanto cozinhava a carne. Eles haviam preparado uma área confortável para descansarem, rodeada por troncos e destroços de árvores organizados casualmente por Luca. 

    Os troncos formavam um espaço seguro que, visto de cima, parecia um hexágono quase perfeito. Durante esse tempo, Luca continuava afirmando que não iria comer, dizendo que tinha nojo de carne de cobra, especialmente de uma gigante. Karl, por outro lado, não questionava a ideia de comer carne de cobra.

    — Está pronto! — anunciou Kael, com sua panela pendurada sobre a fogueira quente no centro do hexágono.

    Ele serviu um prato para Karl e outro para si mesmo. Estranhamente, assim que sentiu o cheiro da comida, Lótus acordou agitado, perguntando que comida era aquela. Seus olhos estavam um pouco confusos, como se ainda estivesse tentando lembrar o que havia acontecido, mas naquele instante, ele nem sequer se lembrou de que estava apagado. Apenas pegou seu prato, sem hesitar, e começou a comer junto com os outros, como se fosse algo completamente natural.

    — Pai… isso está… uma DELÍCIA! — afirmou Lótus alegremente.
    — De fato, pai, está tão gostoso que eu nem imaginei que pudesse ter esse sabor.
    — O que é isso? — questionou Lótus.
    — Ah, isso… é uma espécie de animal que encontramos por aí, nada demais — respondeu Kael.
    — E você, Luca? — perguntou Kael, rindo disfarçadamente. — Não vai comer, não?

    Engolindo seu orgulho e morrendo de fome, Luca pediu um prato. Ao ver aquele ensopado sendo servido, começou a cogitar a ideia de não provar, mas desistiu. Finalmente, colocou o primeiro pedaço de carne na boca e ficou surpreso: era realmente saboroso. 

    O tempero equilibrado e a maciez da carne desmentiu todas as suas expectativas. Não era loucura de Lótus por ter batido a cabeça em algum lugar, nem o gosto peculiar de Karl por comidas estranhas. Era fato: o prato estava delicioso, e Luca não pôde deixar de admitir que Kael sabia o que fazia quando se tratava de cozinhar cobras gigantes.

    — Afinal de contas, o que aconteceu e onde estamos? — perguntou Lótus.
    — Amanhã eu te conto. Por agora, descanse um pouco. Pois é, eu vou dormir. Boa noite.

    Kael deitou-se em um canto e simplesmente apagou, como se nada pudesse impedi-lo, como se tudo estivesse perfeito e harmônico. Ele encarou o fato de ter enfrentado uma cobra gigante como algo comum, algo que fazia frequentemente. Mas o que mais se poderia esperar de um homem com 1,90 m, uma esposa e filhos para cuidar? Para os meninos, Kael era incrível e continuava a ser. Sua postura tranquila, apesar de tudo, transmitia uma sensação de segurança e confiança.

    A fogueira queimava e se desgastava aos poucos… emitia um brilho suave na escuridão… O som do crepitar das madeiras caindo…



    — Ei, Karl — cochichou Luca, encostando-se perto de Karl — quero aprender como é que ele usa aquela espada. Na verdade, eu quero sentir a emoção de lutar de igual para igual com outra pessoa.

    — Ah, eu acho que prefiro não lutar. E, se por acaso lutasse, não daria chance ao meu oponente de achar que poderia me vencer, igual ao pai.

    — Você vê ele assim? Para mim, ele sempre parece estar se divertindo, desde que a gente não esteja em perigo.

    — Mas é justamente isso que eu quero dizer. Quando estamos correndo perigo, ele luta sério, é quase implacável. Eu quero ser assim.

    — Achei legal, e olha que coisa, né? O Lótus já dormiu.

    — Ele deve estar exausto de tanto tempo que passou dormindo.

    Ambos soltaram uma risada espontânea e se abraçaram antes de dormir.
    — Eu amo você, irmão.
    — Eu também te amo, Luca.

    Os dois foram dormir e descansaram desse dia cheio de diversas emoções contraditórias. Às vezes, uma aventura assim poderia aproximá-los mais do que qualquer um imaginaria.

    Eles acordaram cedo no dia seguinte, arrumaram as coisas e conseguiram recuperar algumas delas: umas vestimentas de Luca e Lótus que tinham ficado em cima de algumas árvores destruídas.

    Eles caminharam até chegarem aos grandes campos de grama, um lugar maravilhoso, onde o vento soprava livremente e o horizonte não tinha fim.

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