Capítulo 10: Alegria Genuína
— Entre “Padre Justin” e “A Velha que Segurava Motosserra”, qual dos dois vocês preferem? — disse Cecília, como se tomasse o posto de comandante.
Algo que me chamou a atenção nesses dois títulos não foi a simplicidade de um e o exagero de outro, mas sim que ambos eram de terror. Por que ela havia escolhido esse gênero?
Não é como se fosse a primeira vez que tivéssemos visto esses filmes… Mas eu achava que era nosso gênero…
Deixe de ser infantil, Scarlett.
— Prefiro o segundo — falei, arrastando as palavras. Me aproximei, colocando-me lado a lado dela. — Pelo título, tem cara de que vai ser aqueles filmes trash. Vai ver é uma comédia disfarçada.
— Filmes trash? — perguntou Daiane, olhando com uma expressão confusa. — O que é isso?
— São filmes de baixo orçamento. Não conhece aquele “Ratdemic”? A pandemia de ratos? É uma das coisas mais ridículas que já inventaram nos últimos tempos — respondeu Cecília, sorrindo como nunca ao lembrar do filme. Um filme que havíamos assistido juntas. — Mas me surpreenderia bastante se esse da velha for um filme de baixo orçamento. Tipo… O que diabos ele estaria fazendo no cinema?
Daiane não respondeu, apenas bufou em resposta. E isso foi o suficiente para que fizesse Cecília comprar os três ingressos quase instantaneamente.
O cinema não estava tão lotado quanto pensávamos, então pegamos uma sessão quase vazia. Havia cadeiras espalhadas por todos os cantos, mas uma tinha me chamado a atenção.
— Cecília — disse, olhando para a tela —, essas duas cadeiras estão reservadas, não é?
Ela olhou para a tela, e logo pensamos a mesma coisa. Duas cadeiras no canto do cinema em uma sessão não tão lotada tinham poucos significados.
— Cacete… Esses jovens de hoje em dia querem foder em todo o canto. Juro que, se escutar gemidos na sessão, eu vou expulsar eles eu mesma — ela disse, cerrando os punhos. — Não estou brincando!
— Pfft! Isso é hilário pacas! Como diabos eles pensam que isso vai dar certo? — gargalhei, apoiando-me em Daiane. — Pirralha, você nunca deve fazer esse tipo de coisa no cinema, viu? É coisa que devemos pôr no particular.
Daiane explodiu. Seu rosto ficou vermelho só de pensar nessa possibilidade, os lábios tremendo diante de tamanha suposição.
Não conseguia falar nada, apenas ficar em modo estático enquanto gaguejava sem parar. Se fosse um desenho, fumaça estaria saindo de sua cabeça agora.
— E-e-e-eu n-n-n-não s-sei d-d… — tentou falar.
— Olha como você deixou a menina! — disse Cecília. — Ela ainda é jovem. Como você pensa em recompensar essa pobre alma e inocente?
— Recompensar? Ela vai é me pagar umas geladas depois. Tenho de aproveitar minha sobriedade enquanto posso!
— Cê chama ela de pirralha, mas, na minha opinião, você é a pirralha aqui — Cecília bagunçou meu cabelo. Um gesto que não sentia em…
Ah…
Não sabia como concluir minhas palavras. Tudo se confundia naquele instante. Sentir seu toque repentino me fez paralisar em uma expressão surpresa.
O coração se explodiu em uma mistura de emoções, e meu peito ardia como uma chama que nunca se apagaria. Era um movimento simples, mas que trouxe várias lembranças à tona.
Algo que não poderia mais recuperar, por mais que… Não, é claro que ela não quer mais nada. Seja realista, Scarlett. Ela nunca iria querer mais nada comigo.
— Vamos? — disse Cecília.
Vamos pra onde?
Não havia escutado tudo o que havia falado. Estava em um transe que me deixou perplexa por alguns segundos, mas foi o suficiente para que perdesse todo o rumo da conversa.
— Vamos…? — respondi, tentando entender toda a situação. — Acho que vamos, sim.
Cecília pegou em minha mão, puxando-me para longe do cinema. Algo que não havia entendido!
Estávamos indo para onde?
— Isso! Nós vamos! — Cecília sorriu, contagiando a mim. Por mais que não soubesse o destino, decidi só aceitar. — Daiane vai cuidar do nosso ingresso até a sessão!
Aquele sorriso era o mesmo de quando ela estava ansiosa para algo. Mas ansiosa apenas para um filme?
Sério, que tipo de boba ela é? Hahaha!
Apenas segui o fluxo, indo para onde quer que ela fosse. Não importava para onde ela iria me lembrar, pois, antes de ex, era amiga. Uma amiga de confiança.
Era algo inquebrável. Mesmo que passasse muito tempo, aquele laço era inquebrável.
O ar-condicionado do shopping era o máximo. Todo o lugar estava congelado pelo frio que fazia. Mas existia um ponto que estava quente.
Meu corpo estava quente, diante de todo o frio. Confortado pelo carinho.
— Aqui, chegamos ao destino — disse Cecília. — O grande supermercado do shopping! Antes de assistir ao filme, precisamos comprar umas porcarias pra comer na hora, não é?
Deu uma piscadela em minha direção.
O supermercado? Hahaha! Eu não estava esperando isso, mas atingiu minhas expectativas. Pode parecer simples, mas já passei horas escolhendo um biscoito para uma sessão de uma hora e meia.
— É… Você está certa. Não há nada melhor do que comprar umas tranqueiras pra comer enquanto assistimos — respondi. — Inclusive, Daiane pediu algo em especial?
— Hmnmmmm… Não, eu acho que não. Acabei prestando pouca atenção nisso — falou, colocando a mão no queixo. — Mas ela deve gostar de doces. Seu rosto não esconde.
Será que eu deveria ter contado pra ela sobre o almoço de pedreiro que ela comeu hoje? Sinto que isso mudaria em muito a opinião de Cecília quanto a Daiane.
…
Não, não preciso dizer. Se é pra ver aquela pirralha sofrendo por não ter o que gosta, eu prefiro não dizer.
Torço muito pra que ela seja amante de salgados! Isso vai ser engraçado pra cacete se for tudo bem pro meu lado.
Entramos no supermercado. Um local cheio de pessoas fazendo compras do mês e alguns outros adolescentes fazendo o mesmo que a gente.
Isso meio que me lembrava os velhos tempos. O tempo em que éramos mais novas e fazíamos coisas do tipo…
Os corredores eram cheios das maiores mercadorias. Desde móveis até mesmo legumes, como um grande atacadão.
Procurávamos um corredor em específico: os biscoitos, salgados e doces variados. Era isso! Nosso destino não era diferente.
E, no final dos corredores, vimos a placa que tanto tínhamos saudades. “Mercearia”.
A felicidade era genuína. Tudo era genuíno.
Poderia esquecer o que havia acontecido? Era um peso que deveria carregar, mas por quanto tempo?
Esses tipos de dúvidas apareciam em minha mente. Mas…
Decidi deixar para lá naquele momento. Era melhor aproveitar o presente.
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