Capítulo 14: Aconteceu
“Eu… Eu te traí!”
Aquelas palavras guardo até hoje. O dia em que você destruiu meu coração foi numa segunda-feira na nossa cafeteria. Mas olha só pra você… Está sorrindo enquanto come minha comida.
Não entendo por que mentiu naquele dia. Ela não era de mentir, e mesmo assim fez. Essa mulher nunca teria a capacidade de trair alguém! Só dela pensar isso já é absurdo… Hahaha!
— Obrigada — disse, meus olhos fixos ao seu bater de talheres. — Faz tempo que não como com ninguém à mesa. Fico agradecida por você… estar aqui.
Scarlett demonstrou surpresa, os olhos arregalando com minha afirmação.
Talvez tenha sido muito direta? Ah, que droga! Passei dos limites?
— Você tem certeza de que… está confortável comigo aqui? — perguntou, seus olhos desviando dos meus assim que percebeu que eu a encarava. Uma reação fofa, parecida com a de um gatinho. — Sei que…
— Pensei que já havia deixado claro que não me sinto desconfortável ao seu lado, Scarlett — respondi, comendo mais uma colher de meu prato. — Você ainda é uma bobona que pensa em tudo, não é?
Foi uma pergunta certeira que afetou no fundo de sua alma. Scarlett deveria estar passando por uma explosão de sentimentos naquele instante. Explosão que transpareceu por meio de expressões.
Expressões que só me indicaram o quanto estava envergonhada ao ser confrontada daquela forma. Muito fofo, confesso! Tão fofa que poderia apertar suas bochechas sem parar!
O resto do jantar foi simples: comemos o resto da comida, deixando apenas algumas sobras que usaria no café da manhã.
Foi simples, mas muito mais delicioso do que nos dias em que comia sozinha. A companhia de outra pessoa sempre era agradável, principalmente quando era…
Alguém que amo.
Mesmo que você não me queira por perto, ainda estarei lhe amando, esperando por sua volta. É isso que decidi fazer.
Até o dia em que volte para o meu lado, estarei lhe apoiando.
— Eu agradeço pela recepção! — gritou Scarlett, prestando reverência. Ela pensava que iria fugir? É isso? — Agora estarei indo para minha casa. Agradeço pela hospitalidade mais uma vez!
Coloquei as mãos em seus ombros, abrindo um sorriso pra lá de assustador.
— Quem disse isso? — perguntei, o mau humor dominando minhas emoções.
— Disse o quê?
— Que você ia embora agora. Isso não existe! Você vai dormir à noite aqui.
Antes que Scarlett pudesse sair pela porta, agarrei-a pela cintura, puxando ela para a altura de meus ombros.
Um movimento surpresa que havia passado semanas treinando! Hahaha! Nunca pensei que poderia carregar alguém assim.
— E-ei, Cecília! O que é isso? Me responda! — Scarlett parecia mais desesperada. Mas não tinha medo e nada parecido com angústia. Aquilo era vergonha.
Pura vergonha.
Cobria seu rosto com as mãos, as bochechas avermelhadas levemente.
— Vamos ver um filme! Hahaha!
A carreguei por todo o corredor. Passei pelo banheiro e pela cozinha com ela em meu ombro, e aquilo não poderia deixar de ser menos engraçado!
— Filme? Que bosta de filme, Cecília? Só me ponha no chão, sua mocreia! — esperneava, batendo em minhas costas com suas leves mãos.
Não machucavam. Se fosse colocar em termos que uso nos jogos… Seria como…
Seria como…
Como se seus socos me curassem.
Pfft!
— Por favor, Scarlett. Só um filminho… — perguntei, os olhos enchendo-se de lágrimas falsas. — E depois… você dorme aqui, né?
Esperava que minhas brincadeiras sempre atingissem a sua barreira. Sentia que, se fizesse isso, pouco a pouco eu a romperia.
E se rompesse, poderia chegar ao seu coração. Alcançar algo que já perdi.
— Tudo bem… — respondeu, fazendo biquinho. — Eu assisto ao filme com você. Mas isso é pra pagar o cinema que estraguei, viu? Nada mais! Logo após, retornarei à minha casa.
— Como se eu fosse deixar, né? Você vai dormir aqui. Sou eu quem tô mandando.
Tirei Scarlett do meu colo, sentando-a no sofá como uma boneca. Ela estava de braços cruzados, uma expressão emburrada se estampava no seu rosto.
— Humpf!
Estava brava. Com certeza, muito brava!
Mas…
Era fofo.
Queria continuar importunando-a até ver mais de suas faces! Argh, eu ainda iria apertar essas bochechas. Eu profetizo!
Sentei ao seu lado, pegando o controle que se encontrava ao lado do móvel. Rapidamente comecei a procurar filmes e filmes…
Como se…
Como se eu não estivesse preparada para fazer isso! É, eu admito, não tinha certeza de que daria certo.
Não sabia que ela ficaria desse jeito bem fofo. Agora estava encurralada, muito encurralada!
…
Ah…
Ainda bem que eu comprei aquilo.
Mas seria necessário fazer isso? Tinha certeza de que usaria só em últimos casos… Quero dizer, esse já é o último caso, né?
Eu acho que sim.
— Scarlett — disse —, eu comprei umas cervejas daquelas. Quer pegar na geladeira?
Os olhos dela brilharam no mesmo instante.
E, em uma piscada rápida, Scarlett já não estava mais sentada no sofá. De alguma forma, ela já se encontrava abrindo a minha geladeira, puxando duas cervejas geladas.
Duas…?
Ela, por acaso, pensa em tomar as duas?
— Você… Não vá exagerar — alertei, levantando-me do sofá. Cheguei mais perto em passos curtos, colocando a mão no que carregava. — Aqui, me dê uma.
Assim que tomei aquela bebida de sua mão, seu rosto ficou triste por um segundo, antes de voltar ao estado feliz.
— É tão importante pra você, assim? Você tinha dito que bebia para relaxar — continuei, abrindo a latinha.
— Poxa… Mas logo agora que preciso relaxar… Tipo, uma pessoa acabou de me sequestrar, sabe? É difícil não ficar calma nesses momentos.
A ironia era clara. Scarlett não deixaria barato o que eu acabara de fazer, assim como não a deixaria em paz por suas brincadeiras.
— Tá, tá. Você é muito dramática, credo! Depois você toma outra. Foque apenas nessa.
Ela assentiu, sentando-se no sofá e abrindo a cerveja. Os goles vieram rápidos, tantos meus quanto dela.
Um cenário simples: duas amigas bebendo enquanto procuram um filme para assistir. Mesmo que uma delas tenha sido obrigada a isso!
Sério… Aquilo era perfeito. Sentia meu peito se aquecer a cada instante, e a cada instante o meu amor crescia mais.
— Queria ficar assim pra sempre — murmurei, baixo o suficiente para que ela não escutasse.
— O que você disse? — perguntou Scarlett, bebendo mais um pouco.
— Nada. Só disse que achei o filme — respondi, clicando no controle. Larguei a latinha, colocando-a no chão.
Ardia. Ardia muito!
Era um fogo que não poderia apagar tão cedo. Infernal, quente e caloroso.
Sentia isso.
Sentia…
— O Resgate do…
Beijei-a antes que pudesse terminar a frase.

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