Capítulo 15: Lenda Urbana?
— Você conhece eles, mamãe? — perguntou Karina. Ela encolheu os braços, esperando uma resposta.
Hesitei.
Havia dito aquilo da boca para fora, sem saber onde tinha visto esse nome. Parei para pensar um pouco, segurando o queixo com minha mão.
Onde…
Foi como se eu tivesse projetado vários momentos à minha frente, selecionando os mais propensos. Porém, nenhum deles se encaixava no contexto. Eu havia esquecido? Esse nome parece ser de grande importância para eu esquecer dessa forma.
Se bem que não recordo minha vida toda, então não posso me culpar tanto.
— Desculpe, Karina. Não me lembro onde já escutei esse nome — disse, bagunçando meu cabelo logo após. — Que droga!
Olhei para o céu, me culpando um pouco mais do que deveria por não lembrar uma mísera coisa. O ciclo se repetia: não lembrar de algo, se culpar por não lembrar de algo, procurar esse algo e se frustrar mais uma vez.
— Fico feliz por não saber disso, mamãe. Lá era muito cruel… — respondeu Karina, colocando a mão em meu ombro.
Cruel?
— Até para você, Karina?
— É… as coisas lá não eram fáceis não.
Me desesperei por alguns segundos. Se fizeram alguma coisa contra Karina, então a melhor opção é destruí-los.
— Eles te machucaram? — Segurei em seus ombros, olhando diretamente para os olhos dela.
— Não, não! Mas eu vi machucarem outras pessoas. Euzinha aqui só matei mesmo! — falou Karina, flexionando seu braço esquerdo.
Fiquei mais aliviada com a resposta.
Coloquei minha mão sobre o coração, respirando fundo. Algumas folhas voaram pelo local, caindo algumas em meu cabelo. Retirei uma por uma, enquanto Karina se levantava.
Ela começou a se alongar. Levantou um pouco de sua calça e começou a flexionar sua perna. Assim como havia imaginado, até mesmo os músculos interiores eram malhados.
Logo após, terminou alongando seus braços. Eram posições que nem conhecia e nem sabia se serviam para esse propósito que é aquecer o corpo para atividades físicas, mas se ela estava fazendo, quem sou eu para questionar…
Mais uma vez, criou um suporte e colocou-me em suas costas. Já estava ficando de saco cheio dessa rotina.
— Oh! Eu vejo algo muito interessante ali, mamãe! — disse Karina, cobrindo seus olhos do sol.
Virei meu pescoço levemente, sem nem ao menos esperar algo tão assustador quanto o que iria aparecer em minha visão. Apenas por um relance, pude ver mais uma torre. Era grande, dividida em três andares.
Se inclinava um pouco para o lado, como se estivesse caindo, mas continuava estática.
Apenas por ver aquela mesma silhueta, lembranças ruins apareceram em minha mente. Os irmãos que morreram por minha culpa.
Por que disso eu tenho de lembrar? Não faz sentido.
Piscavam em minha mente as suas mortes brutais e rápidas, como se eles nunca tivessem chance de ter uma morte digna.
Uma pedra e uma decapitação, nada mais.
— …ãe? — Um pequeno sussurro que me acordou de uma longa faixa de pensamento. — Mamãe?
— Ah! Oi, Karina — respondi no automático. Cocei meus olhos, voltando meu foco para o lado contrário da torre. — Me perdi em pensamentos, perdoe.
— Hehe, desde que não esqueça de prestar atenção na sua filhinha linda aqui, tá tudo bem — falou Karina, dando língua. Ela começou a correr com toda a velocidade em direção à torre. Algo com que não concordei.
— Karina! Para onde estamos indo?! — gritei em desespero.
— Para a torre, ué!
— Espera, espera!
Karina foi parando com tudo, derrapando pelo chão de grama e terra. Suas botas logo ficaram sujas, e algumas partes de sua calça ficaram manchadas.
— Por que você quer ir pra lá? É perigoso.
— Nunca enfrentei uma, estava curiosa pra ver como é que é — disse Karina. Colocou a mão no queixo, tentando se lembrar de algo. — E tem aquela lenda urbana que ficam contando sobre elas que me deixa ainda mais com uma pulga atrás da orelha.
— Lenda… urbana?
— É. — Bateu o punho fechado na mão aberta. — Algumas torres tem vitrais em seus últimos andares que contam uma história. Pelo menos é o que falam.
O que? História? Que porcaria de lenda! Só está deixando mais bizarro essas estruturas.
Agora mesmo que eu não quero entrar lá!
Karina murmurava para si mesma, como se suas ideias viessem a partir desses sussurros. Seu sorriso malicioso deixava claro o que ela queria fazer, e eu não conseguiria impedi-la de concluir seu objetivo.
Karina se ajeitou, abaixando-se até que pusesse suas mãos no solo. Quase caí do suporte com isso. Apoiou suas pernas mais para trás de seu corpo, em uma posição de corredora profissional, ou pelo menos, senti que fosse.
Antes que pudesse correr, escutamos uma voz na floresta.
— Socorro! Alguém me ajude! — Uma voz masculina, choramingando. Sentia dor, possível perceber através dos gritos, murmúrios e pausas longas. Sempre repetindo a mesma frase.
Não falamos nada.
Foi um pequeno choque, afinal, a floresta estava longe de qualquer civilização. Mesmo com isso, a possibilidade de ser uma pessoa não estava longe de ser cem por cento, até porque a nossa localização era perto de uma torre. Pode haver pessoas com a mesma mentalidade de Karina: curiosidade.
Ela virou a sua posição, correndo em direção à voz. Passamos, desta vez, pelo solo. Uma corrida mais a favor do relevo, que parecia estar abençoando o nosso trajeto naquele momento.
Karina correu como o vento, chegando até uma elevação.
Ela olhou para baixo, tentando encontrar algo, porém não encontrou o corpo desconhecido.
— Tem certeza de que é aqui? — perguntei. Virei meu pescoço, tentando procurar também. — Seu senso de direção não é dos melhores, como já havia visto…
— Falando na cara, mamãe? Assim você parte meu coração — respondeu. Logo após, riu, demonstrando que foi apenas uma brincadeira de sua parte. — Achei.
Pulou, segurando-se na parede de terra para amenizar ainda mais a queda.
Ela me tirou de suas costas, fechando os punhos logo após. Andou pouco a pouco até um arbusto, abrindo com tudo.
Não pude enxergar o que estava acontecendo, afinal, continuava sentada, sendo uma inútil de pés quebrados.
— O que você é? — perguntou Karina, sendo rude com a pessoa ferida.
— Como assim o que eu sou!? Não vê que estou ferido?! — rebateu o homem.
— Ugh… Não engana ninguém com esse cheiro — Karina fez uma faca com sua mão, tapando o nariz com a outra.
Karina se abaixou, atacando o corpo que estava ali. Mas, surpreendentemente, não escutei nada. Em segundos, ela foi jogada para longe, derrapando mais uma vez no chão.
Ela olhou para mim, controlando o metal que me segurava e jogando-me junto a ele em uma árvore próxima. Logo o ferro se modificou para se juntar à árvore. Karina havia me prendido ali por proteção, mas do que?
Tive uma visão mais privilegiada dos arbustos.
De lá, saiu uma criatura grotesca e humanoide. Parecia ser um humano misturado com fera… mas não era uma benção, o Complexo não avisou sobre ela.
Karina fez outra faca com sua mão, partindo para cima do monstro no mesmo instante. Saltava como o vento, e vultos eram observados pela criatura confusa.
Focinho de cachorro, garras de tigre e patas de lebre. Escutava apenas os cortes que Karina causava. Um corte central, fatal para humanos, foi causado como golpe final.
Karina se afastou da fera, como se tivesse vencido, mas ao olhar para ela…
O monstro apenas grunhiu, colocando uma de suas patas sobre o peito. Após retirar, algo ainda mais aterrorizante aconteceu: o ferimento havia sumido.
Choque.
Foi isso que Karina havia sentido.
Sabia disso, pois foi assim que me senti também.
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