Estava sentada na beira do abismo, um local onde céu e chão eram a mesma coisa, e ao meu lado estava aquele ser.

    ― Por que abrir esse guarda-chuva aqui? A água não lhe alcança ― disse.

    ― Eu tenho meus motivos, criança. Assim como você anda com esse óculos o tempo inteiro na sua cara ― respondeu.

    ― Eí! Não fale assim, ele tem sentimentos.

    Não havia corrente de ar naquele local, era extremamente vazio e solitário. 

    ― Então é aqui que você vive? Parece ser um bom lugar para passar a eternidade ― disse.

    ― … Não mesmo, sinto falta dos meus tempos no auge, isso sim era bom ― respondeu.

    ― Você nunca me contou sobre você. ― Talvez ele não seja tão mal assim quanto pensei, é melhor apenas tentar manter uma amizade. 

    ― Nunca contei a ninguém. Pode ser que na história meu nome já esteja soterrado pela areia.

    ― Sei que estava bastante brava naquela vez, não queria lhe culpar de nada. 

    ― Já passei diversas vezes por situações assim na vida, uma vez a mais não vai afetar tanto assim o meu mental ― exclamou, olhando para o abismo.

    Por algum motivo não consegui segurar a minha risada. 

    ― Tsk, tudo bem pode rir um pouco do velho aqui. ― Ele mesmo estava rindo naquele momento. Sua risada era bem pausada, compatível com alguém de idade.

    ― É tranquilo aqui, poderia ficar aqui para sempre. ― Olhava para o horizonte infinito, era cativante para meus olhos. ― Mudando um pouco de assunto, como você se chama? Sabe, se fizer isso regularmente eu desejaria conhecer pelo menos o seu nome.

    ― Fazer o que? Você quem vem para cá quando menos espero.

    ― Não fuja da pergunta ― disse.

    ― Não tenho um, passou-se tanto tempo desde que fui chamado de alguma coisa que eu simplesmente esqueci. Que tal você criar algo? 

    ― Não tenho capacidade para isso. ― Balançava minhas pernas pela beirada em que estava sentada.

    Seu guarda-chuva foi fechado, parece que finalmente ia me mostrar o que eu vim fazer naquele lugar.

    ― Sabe Seven, descobri recentemente que você manifestou suas bençãos e respectivamente suas dádivas. ― Colocou a sua maleta onde estávamos sentados, revelando um grande balanço flutuando na imensa escuridão.

    Téc, téc! Abriu a sua maleta, retirando uma grande papelada da bolsa.

    ― Então eu vim trazer algumas coisas para você ― disse estendendo a mão com uma parcela dos papéis.

    Peguei aquilo e não parecia haver nada de muito interessante para mim por um motivo muito simples.

    ― Senhor, eu não consigo ler esses símbolos.

    ― …

    Ele não me respondia. Esse seu chapéu além de esconder seus olhos também escondia o quão folgado era.

    ― Senh-

    ― Não sei do que está falando, ele claramente é legível para você.

    Olhei para a papelada e de alguma forma todos aqueles símbolos foram trocados por desenhos e figuras meio infantis, sendo uma ofensa até para mim. Essas pinturas não eram aleatórias, elas tinham um certo padrão da qual percebi imediatamente, então virei a ele e disse: ― Você está querendo me ensinar a usar elas, não é?

    ― Na mosca! Vamos tentar um pouco agora.

    Ele estalou seus dedos e todo o local em que estávamos mudou como se fosse uma folha sendo virada em meio a um livro. Estávamos agora em uma sala fechada com quatro paredes metálicas, incluindo seu teto.

    ― Vamos ferromante! Tire-nos dessa sala.

    ― E como diabos faria isso? ― perguntei.

    ― Pense, a imaginação é a sua melhor amiga.

    Assim fiz, fechei meus olhos na tentativa de imaginar uma saída para o local.

    ― Não! Assim não, você só está pensando na saída em si. Molde o metal, Seven! ― Gritava na tentativa de me encorajar.

    O metal em minha mente era maleável, cavalos, armas, animais de estimação. Conseguia fazer cópias metálicas de todas essas coisas em minha mente, mas, isso era o suficiente? Abri meus olhos para a parede em minha frente e ela simplesmente moldou em um piscar de olhos, talhando uma porta no mesmo instante.

    ― Isso! Você fez bem dessa vez. ― Deu alguns tapinhas na minha costa.

    ― Eu consegui? Eu consegui! ― Pulei de felicidade várias e várias vezes.

    Minha visão se fechava, era como se estivesse caindo de algum lugar.

    ― Acabou nosso tempo juntos, até a próxima vez ― disse ele acenando.


    Ouvia alguém gritando perto de mim, aquilo me incomodava. Estava cansada e tudo o que queria após um pesadelo assim era paz.

    ― Ela está acordando! ― Me incomodava o seu alto tom de voz. Era uma que não conhecia, uma voz masculina.

    ― Apenas faça silêncio, por favor ― disse.

    Sentia meu corpo totalmente debilitado, mas não por estar ferido e sim enfaixado. Atrapalhava meus movimentos e consequentemente a minha visão.

    ― Vocês me enfaixaram até a cara ― murmurei.

    Escutava passos vindo de um corredor. Estava supondo que todo aquele local onde estava era um quarto.

    ― Ela acordou mesmo!? ― Era a voz de Ester.

    Então estava na pousada que tinha saído a não muito tempo, uma pessoa desconhecida que não tinha visto antes e toda enfaixada. O pior dessa história foi pensar em uma coisa.

    ― Quem me trouxe até aqui? ― perguntei.

    ― Foi uma mulher muito alta, ela não se identificou.

    ― E onde está?

    ― Desculpe, não escutei muito bem a sua pergunta.

    ― A pessoa que me trouxe, eu quero saber onde ela está. 

    Eles ficaram calados por um certo tempo, até começarem a murmurar um para o outro. Algo tinha acontecido, mas o que? Essa falta de informações me deixou ansiosa, imaginando que algo de ruim tinha acontecido com Gaia.

    ― Bem…

    Estava demorando mais ainda para dizer o que houve. Minha mente pensava em várias possibilidades de acontecimentos. Esquecendo que Gaia era apenas uma marionete de madeira em seu corpo tangível, não é como se ela se cansasse ou algo assim.

    ― Ela pegou no sono a algumas horas. Tentamos impedir que ela fizesse isso mas não fomos escutados, acabou dormindo do seu lado.

    Que? Se bem que agora que fui perceber, mas essa cama parece ser grande demais para ser uma de solteiro. Movimentei meu braço direito para apenas minha mão dar de cara com a barriga de Gaia.

    ― Essa era uma situação que não tinha imaginado.

    Havia pensado que fantasmas não dormiam, então só podia significar que ela não era um. Enquanto pensava nisso ela se mexia em seu sono, e dessa vez sobrou para mim. Fui abraçada por seus dois metros de altura, naquele instante estava sendo esmagada por uma dorminhoca.

    Não doía, talvez fizeram mais do que colocar as ataduras, mas ainda estava me mantendo estática nessa situação. 

    ― Meu deus, você tem que descansar mais um pouco! Vou tirar ela imediatamente de cima de você ― disse o homem.

    ― Qual o seu nome, moço? 

    ― Eu me chamo Mikhael, sou médico.

    ― Então foi você que me enfaixou. 

    ― Correto.

    ― Sabe, eu até te agradeço, mas isso está começando a me atrapalhar. ― Levantei meu braço com várias ataduras.

    Parece ter percebido o que estava falando pois imediatamente saiu de sua cadeira para retirar algumas de minhas ataduras.

    Finalmente pude enxergar novamente com meus olhos. O quarto em que estava era exatamente igual ao que tinha quando estava aqui, mas como era uma pousada o suposto era ser idêntico. Levantei-me e encostei na cabeceira.

    Estava de manhã, esse horário não batia com a linha do tempo que imaginava. Minha mão, agora desenfaixada, conseguia se mover perfeitamente. Podia enxergar várias cicatrizes de cortes ao redor de meu braço, uma situação já esperada, sentia que estava ferida.

    ― Então, quanto tempo eu dormi?

    Novamente começaram a cochichar longe de mim. Não escutava nada do que diziam mas estava curiosa o suficiente já.

    ― Você dormiu por cinco dias, querida ― disse Ester.

    ― Cinco dias? Meu deus, a missão que eu tinha aceitado! ― Saí rapidamente da cama.

    Mas ao levantar não tive forças o suficiente para aguentar o meu peso, assim caindo imediatamente assim que me coloquei de pé. O médico ao meu lado até tentou me segurar, mas acabei indo para o chão mais rápido que o seu tempo de reação.

    ― Erm, onde estão minhas roupas? ― Tentei evitar que falassem sobre o que havia acabado de acontecer.


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