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    Eles me devolveram as minhas roupas, me deixando sozinha com Gaia no quarto. Ela ainda estava dormindo então não quis incomodar tanto o seu sono, logo vesti minhas roupas o mais silencioso possível.

    Estavam totalmente destruídas mas, de alguma forma, tinham conseguido costurar uma boa parte, e o que não conseguiram juntaram com alguns panos que deveriam ter encontrado. Minha roupa parecia um Frankenstein do jeito em que estava.

    ― Hnmm ― Ela estava se espreguiçando atrás de mim.

    ― Então você finalmente acordou, Gaia ― disse.

    Minhas pernas ainda estavam fracas por conta dos ferimentos recentes, mas eram o suficiente para me manter de pé. Logo ajeitei um pouco de minha jaqueta, vendo que tinha uma parte do capuz meio rasgada.

    ― …Seven? ― Ela parecia desnorteada e mesmo assim notou-me em pé.

    Ela me puxou para a cama sem que eu me preparasse, me colocando entre seus braços, como se fosse um ursinho de pelúcia.

    Era forte e não tinha como competir, então apenas aceitei o meu destino no momento. 

    ― Trouxe o café da manhã! ― Era Ester, falando de fora do quarto.

    Ela já estava abrindo a porta do quarto sem que ao menos respondesse. 

    ― Não, não abra! ― disse, mas já era tarde demais.

    ― Oh.

    Seu rosto demonstrava bastante constrangimento ao olhar para a situação em que havia me metido. Gaia me abraçava não apenas com seu braço, mas sua perna também estava sobre meu corpo.

    ― Estou atrapalhando algo? ― Ela queria dizer algo com essa frase, e entendia as suas intenções.

    Escondi meu rosto com meu braço direito, tentando esconder meu rosto vermelho de vergonha.

    Ester colocou uma bandeja com comida na mesa do quarto.

    ― Da próxima vez recomendo que tranque a porta ― disse com um sorriso malicioso, saindo do quarto.

    Estava gritando internamente com essa situação que não poderia ficar pior.

    ― Trancar a porta? O que houve? Estou sentindo cheiro de comida ― disse Gaia.

    A dorminhoca parece ter finalmente acordado.

    ― Você é feita de madeira, nem deve comer algo de verdade. 

    ― Não mesmo, mas tenho olfato, sabia? 

    Tirei seus braços de cima de mim, me ajeitando para a ponta da cama, arrumando novamente minhas roupas.

    ― Eh… Um corpo de madeira com olfato? Isso é realmente inesperado para mim.

    Olhei para a cômoda ao lado da cama, onde todo o quarto da pousada tinha, e encontrei meu óculos totalmente fraturado.

    ― Imaginei que não ficaria ileso. Sabe alguma forma de consertar isso? ― disse.

    ― Encontrei ele jogado perto de você toda ferida, não encontrei o resto dos pedaços ― disse, pegando o óculos de minha mão. ― Nossa, mas realmente está destruído, naquele momento nem percebi esses tantos de fratura no visor. Acho que será difícil de restaurar.

    ― Devo imaginar que não tem nenhum lugar aqui perto que vende.

    ― Não, não tem. Você não precisa de um óculos desses por aqui também, não vamos para a neve alta.

    ― Eu sei mas… de alguma forma sinto como se ele representasse algo para mim.

    ― Oh… foi alguém da sua família que lhe deu o visor? ― Gaia estava jogada na cama levantando o óculos quebrado.

    ― Não tenho minhas memórias, já se esqueceu? ― respondi.

    ― Ah…

    Tudo ficou silencioso naquele quarto.

    ― Então, você quer falar sobre o que aconteceu naquele local? ― disse Gaia.

    ― Não sei se estou pronta para falar. 

    ― …

    O silêncio prevaleceu novamente, mas dessa vez era como se ela se sentisse culpada de algo.

    ― Me desculpe por não conseguir te proteger. ― Gaia começou a nossa conversa, novamente.

    ― Não, não! Você tá entendendo errado, não te culpo por nada.

    ― Mas eu me culpo, isso é o suficiente para pedir do fundo do meu coração. Era meu trabalho e não consegui manter o mínimo que era a sua segurança, me deixei levar pelo momento e… ― Parecia bastante hesitante em sua fala.

    Enquanto Gaia se direcionava para a beirada contrária a minha da cama eu me levantei. Fui até ela e sentei ao seu lado, apoiando me em seu corpo.

    ― Sinto muito, não queria lhe causar uma sensação de responsabilidade assim. Deve ser difícil cuidar de uma amnésica qualquer ― disse.

    Ela me tirou do braço em que estava apoiada, me deixando cair em seu colo.

    ― Aí! Isso doi, você não é nada macia mesmo.

    Nessa queda os meus cabelos caíram em meu olho, atrapalhando minha visão. Gaia retirou cuidadosamente as mechas, olhando para mim diretamente.

    ― Sabe, não quis dizer assim. É apenas um modo de dizer após anos fazendo a mesma coisa, mas naquele momento foi a primeira vez que senti essa preocupação ― disse.

    ― N-não me olhe assim! Já disse que não precisa se preocupar com nada. ― Virei meu rosto, envergonhada.

    Sério, porque ela tinha que falar desse jeito? Tinha várias formas melhores sem dizer algo tão estranho assim.

    Ela começou a acariciar minha cabeça em um ritmo lento, mas aconchegante.


    ― Tem certeza que já vai embora? E se acontecer algo de novo? Você vai estar bem né? ― dizia Ester, bastante ansiosa com a minha ida.

    ― Já incomodei demais. Na primeira vez você me viu dormindo em uma calçada e agora eu fiz você pagar um médico para mim, foi muito mais do que o suficiente tudo que fez.

    ― Para onde você está indo? Precisa de dinheiro? 

    Cheguei mais perto dela, tocando a sua mão, e com um sorriso em meu rosto disse: ― Sem preocupações! Eu vou ficar bem, tenho que conseguir dinheiro para ir ao leste e isso vou fazer por minha conta.

    ― O leste? Meu marido vai para lá hoje! Que coincidência não é? Haha. ― É, realmente é uma ótima coincidência até demais.

    Seu marido havia chegado naquele instante, um cara forte e realmente parecia ser gente boa. Sua barba era bastante incomum, ou melhor, engraçada. Ele chegou por trás de Ester, a abraçando.

    ― Prazer, me chamo Jorge. Ouvi algumas histórias da minha esposa sobre você, Seven.

    Eles se olharam da forma mais romântica que poderia ser imaginada e deram um selinho. Confesso, foi vergonhoso ver isso.

    ― Como você está, Amor? ― disse Jorge.

    ― Bem até o momento ― respondeu. ― Estava aqui falando com Seven sobre a viagem que você vai fazer hoje para o leste.

    ― Viagem? Eu não estou saben-

    Imediatamente tomou um soco na barriga. Definitivamente Ester era bastante forte, e com essa situação só confirmava que não deveria mexer com ela.

    ― Você vai pro leste hoje mesmo querido, tem algumas mercadorias para você pegar lá. ― Virou-se rapidamente como se nada tivesse acontecido.

    ― Se ele não vai, eu não preciso ficar aqui e ser um incômodo novamente, não é? ― disse.

    Ainda cambaleando do soco que havia tomado, ele ajeitou a sua postura dizendo: ― Eu vou, eu vou pro leste hoje.

    ― Você deveria só aceitar a carona na minha opinião ― disse Gaia, de trás de mim.

    Ela era a maior daquele local, sendo necessário virar quase todo o pescoço para olhar em seu rosto.

    ― Isso, faça como sua “amiguinha” disse. ― As suas intenções ainda estavam estampadas em sua cara, Ester. Pelo menos era isso que queria dizer para ela.

    Parei por um momento para pensar nessa situação. Não queria incomodar mais ainda eles com essa viagem que seria longa mas ao mesmo tempo poderia ser a nossa única chance. 

    ― No leste é mais fácil de conseguir dinheiro ― cochichou Gaia, em meu ouvido.

    ― Aceito, vamos pegar a sua carona ― disse sem hesitar.


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