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    Acabei abrindo meus olhos por um breve momento após sonhar, e em vislumbres vi Karina se alongando antes do sol nascer. Voltei a dormir, não sonhando pelo resto da manhã.

    Por fim, acordei. Cocei meus olhos, tendo eles ofuscados pelo sol no mesmo momento. Após focar, olhei de um lado para o outro, procurando Karina. 

    — Estou aqui, mamãe — disse Karina, em minha frente. Me assustei com sua resposta, mas logo me tranquilizei.

    Ela estava mexendo com as hastes em minha perna, retirando com todo o cuidado. Parecia concentrada naquilo, como se não fosse sua primeira vez cuidando de alguém ferido.

    — O que você tá fazendo? — perguntei, tirando o resto de cabelo que estava atrapalhando meus olhos. 

    — Apenas um procedimento médico. Sou boa nisso, relaxa, pode deitar — respondeu, deitando-me por completo contra a minha vontade. Era desconfortável estar naquela situação, pelo menos não sentia dor em minhas pernas.

    Escutei o metal batendo no metal, indicando que várias das hastes haviam sido retiradas de minha perna. Demorou um pouco para que o processo se finalizasse. 

    — Pronto, retirei — disse Karina, limpando o suor imaginário de sua testa.

    — Vou conseguir andar agora?

    Ela me olhou, confusa com minha pergunta.

    — Não? Vai demorar um pouco mais — respondeu, colocando sua mão em minha perna. — Só esse último procedimento e tudo vai finalizar. Daí é só esperar algumas horas para o efeito da pomada passar e…

    Antes mesmo que finalizasse sua frase, Karina pressionou suas mãos sobre minhas pernas quebradas. Seus olhos brilharam em verde, algo totalmente diferente do que havia visto até então. Karina tinha outra benção?

    Procurei a tela do Complexo, tentando verificar se ele havia avisado algo, mas não tinha nada. Aquilo não era uma benção, então o que era?

    Me desesperei de novo.

    Karina começou a murmurar em uma linguagem estranha, e de seu corpo faíscas verdes começaram a sair em direção ao ferimento. Não consegui impedir, mas sentia muito medo daquilo.

    Não gostei nem um pouco de ver algo desconhecido se direcionando ao meu corpo, piorando a situação quando não era uma benção. Estava curiosa e com medo.

    — Karina, o que é isso? — gritei, tentando entender o que tanto fazia.

    Nada adiantou, Karina continuou recitando frases em uma linguagem desconhecida. Aquelas partículas pareciam formar desenhos, ou melhor, borboletas. Faziam movimentos ritmados e acabavam por chegar à minha pele no final. Dançavam, sem ninguém para impedir elas de concluir sua apresentação.

    Logo fiquei encantada pelo evento que estava acontecendo em minha frente. E o desespero virou admiração. Nunca imaginei ver algo tão lindo quanto o que vi há cinco anos.

    — “…que a glória esteja conosco.” — Seus olhos voltavam ao normal lentamente. Caiu no chão, exausta.

    Já escutei essa frase, mas onde? Uma familiaridade me perseguia, e não podia fugir dessa sensação.

    — Karina?

    — Ah… Oi, mamãe.

    — Você… está bem? — perguntei, mesmo que a resposta seja um pouco óbvia.

    — Estou só um pouco cansada de tanto utilizar a Vida.

    Vida…? — Parecia um pouco com o que havia visto há muito tempo. Esse era o meu segundo contato com esse segmento desconhecido desse mundo.

    — Você não sabe o que é isso? 

    — Meio que não…

    — Boba.

    — O que?!

    — Boboca.

    Estava me irritando.

    — Sua pirralha!

    Karina começou a rir da minha cara e logo se aproximou de mim. Sentou ao meu lado, segurando suas pernas com os braços.

    — Só brincando, mamãe.

    — Responda, então! — disse.

    Vida é… uma heresia da igreja. Guarde segredo do que vou lhe falar… — Fez um sinal com a mão, como se pedisse silêncio. — Ao se concentrar em certos conjuntos de palavras, podemos utilizar uma energia que emana de todos os seres viventes do local.

    — Por que isso seria uma heresia? É uma forma de curar alguém, afinal.

    — A energia utilizada vem de seres vivos presentes no local do uso. Plantas, animais e até humanos. Tudo que vive tem essa energia.

    Cerrei meu punho, pensando em toda a consequência dessa forma. Damien havia mencionado sobre existir mais coisas além das bençãos, mas não imaginava que seria algo tão horripilante quanto isso.

    — Pelo que imaginei, isso deve causar a morte desses seres vivos de onde a energia é retirada, certo? — perguntei, esperando ouvir um “não”.

    — Sim, é isso mesmo. Você utiliza toda a vida de um ser, levando-o à morte dependendo do quão complicado o feitiço é.

    Levantei, olhando ao redor. Meus olhos não haviam percebido esse pequeno detalhe, mas toda a grama em minha frente havia morrido. Era um círculo perfeito de algo morto.

    Não pude deixar de sentir mais e mais medo. Preferia não ter perguntado, agora que já sabia o que significava.

    — Por isso que a Vida é uma heresia, ela destrói tudo ao seu redor — disse Karina, colocando sua mão em meu ombro.

    — E você usou o que em minhas pernas?

    Karina demonstrou uma expressão de surpresa, antes de voltar ao normal.

    — Só isso que tem a dizer sobre? 

    — Tenho medo desse conceito, é claro, mas não posso mudar algo que já existe.

    Ela sorriu, bagunçando meus cabelos logo após.

    — Sinto que eu puxei isso de você, mamãe — disse Karina, demonstrando orgulho do que acabara de falar. — Curei sua perna utilizando a energia vital da grama.

    — Curou? É sério?! 

    — Sim! Esse é um dos únicos feitiços que aprendi… mas serve para muita coisa. Só precisa esperar um tempo para poder voltar à ativa, afinal, o efeito da pomada não passa tão rápido.

    — Só de saber disso eu fico feliz.

    Por algum motivo, eu não desconfiava de mais nada do que Karina falava. Era como se uma simpatia houvesse surgido e se fincado em meu coração. Os sentimentos de ser uma… estavam cada vez maiores.

    — Que bom, fico aliviada e um pouco… — disse. Sentia um misto imenso de sensações em meu peito.

    — Orgulhosa?

    — É, acho que essa é a palavra certa nesse momento. 

    Karina me puxou para um abraço, forte, mas carinhoso. Seus braços eram muito fortes, tanto que, se apertasse mais um pouco, eu explodia.

    Retribuí o abraço, caindo no sono em seu peito quase de imediato.


    Acordei em um pulo.

    Sentia o vento batendo em minhas pernas, algo que me alegrou muito. Karina estava ao meu lado, lendo um livro que nunca vi na vida. 

    Cada vez mais, ela lembrava Gaia com seus atos.

    Essa pequena lembrança trouxe uma sensação de saudade imensa. Eu desejava encontrar ela, mesmo que fosse apenas seu…

    Não, não, não!

    Vamos parar de pensar no lado negativo.

    Eu vou encontrar ela!

    Me apoiei no chão, tentando levantar naquele instante. Karina viu meu esforço e logo se propôs a ajudar, servindo de suporte para minha caminhada.

    Consegui me manter de pé com a ajuda de Karina, que logo tirou os braços.

    — Eu consegui! — gritei. Estava muito alegre em poder mexer minhas pernas de novo.

    Tentei dar o primeiro passo, mas foi em falso. Perdi o equilíbrio. Vi minha cara se aproximar do chão em segundos.

    Karina me segurou pela gola, impedindo que eu desse de cara com o chão.

    — Calma, mamãe. Não precisa ser tão apressada assim também — disse Karina.

    — Não posso deixar de ficar feliz! Eu posso andar agora! — respondi, animada.

    — Andar é uma palavra muito forte. Você consegue ficar de pé nesse momento — disse Karina, com sarcasmo. 


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