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    ― Essa pessoa pensou em tudo, deixou caixas com comidas, lençois para fazer barracas e gravetos. Não deve ser a primeira vez que isso acontece ― disse Gaia enquanto acendia a fogueira à sua frente. ― Dessa vez ela acendeu mais rápido. Sabia que o problema não era eu.

    Era uma noite calma e refrescante, estava admirando as estrelas que brilhavam no céu. Era possível discernir cada uma das constelações no espaço, e apenas uma coisa vinha à minha mente: O que será que aconteceu para eu ter sobrevivido a uma queda assim? Isso era impossível, mesmo se fosse a mais fofa das neves.

    ― Go gaa, Hya!

    ― Temos que fazer algo sobre ele ― disse.

    ― Não precisa, vamos apenas torcer para ele voltar antes de armamos a barraca ― respondeu Gaia.

    ― Isso não é meio cruel? 

    ― Claro que não, porque seria? Ele está consciente, sabe o que é certo ou errado.

    Achei sem coração essa fala vindo de Gaia, e se na verdade Jorge quando transformado tenha regredido em sua consciência para a de um bebê mesmo? Não gostava do jeito que falava.

    Olhava para o céu naquele momento, ainda imaginando e pensando mais sobre os mistérios que voavam sobre mim. Gostaria de agradecer a mim mesmo por estar admirando o espaço, pois naquele momento havia começado uma chuva de estrelas cadentes.

    Era lindo, cada um daqueles pequenos meteoritos brilhavam como se não houvesse o amanhã. A noite naquele momento ressaltava ainda mais sua beleza, um evento único, e a primeira vez que o vejo.

    Olhei para Gaia naquele instante, e ela olhava para o céu como eu, sorrindo. Sua expressão… era a primeira vez que a vi fazendo, seus olhos brilhavam como os de uma criança, um evento que seria inesquecível para ela.

    ― Vamos Seven, faça um pedido! Ouvi uma vez que estrelas cadentes realizam desejos. Feche seus olhos e peça alguma coisa! ― Uma superstição boba mas, era algo que Gaia estava me falando com sinceridade, não custava tentar.

    Fechei meus olhos com o bebê em meu colo, várias ideias de pedidos passavam sobre minha mente. Talvez pedir minhas memórias de volta? Voltar para minha casa? Conhecer a minha mãe… Mesmo se fossem minhas prioridades eu só conseguia desejar conhecer você melhor.

    Gaia terminou sua sessão logo após abrir meus olhos, ela parecia satisfeita com a sua ação, como se tivesse realizado um desejo infantil. 

    ― O que você pediu, Gaia? ― disse, enquanto brincava com as mãozinhas do bebê.

    ― Se eu falar vai deixar de ser verdade, é assim que funciona ― respondeu, olhando para o horizonte.

    Havia duas barracas que Gaia havia trazido da carroça que estavam montadas naquele momento. Apenas pensei como ficaria essa divisão? Somos três pessoas.

    ― Gaia, onde você vai dormir? ― disse.

    ― Achei que fosse óbvio, eu não vou dormir ― respondeu.

    ― Ah…

    E se ela me abandonasse novamente? Vai ficar de guarda para poder fugir a noite, e me deixar só? Eu fiz alguma coisa de errado? 

    Antes que minha mente se inundasse de pensamentos pessimistas, Gaia colocou suas mãos sobre meu ombro.

    ― Olha, eu não vou abandonar você novamente. Acho que não pedi desculpas apropriadamente naquela hora então me perdoe ― disse, me puxando para um abraço.

    Como ela sabia o que estava pensando? Essas palavras me traziam um sentimento tão bom, talvez isso era tudo que meu coração queria escutar.

    ― …

    Palavras não saíram da minha boca, não consegui responder ao que Gaia havia dito a mim. Ao invés disso, apenas pude observá-la indo para longe arrumar o que faltava para dormirmos.


    [Uma consequência está sendo desfeita.]

    O bebê estava brilhando, talvez Jorge estivesse voltando a sua forma normal. No desespero o coloquei enrolado em suas roupas na neve, sem saber o que iria acontecer.

    Parecia estar crescendo, como se estivesse passando todas as suas fases da vida novamente, criança, adolescente e por fim adulto, suas roupas magicamente se encaixavam em seu corpo. Ele colocou a mão em sua cabeça como se estivesse sentindo dor naquela região.

    Balançava minha mão direita perto de seu rosto tentando verificar se estava consciente.

    ― Alooou? ― disse.

    ― As situações que minha esposa me contou sobre você não são nada constrangedoras comparadas as que eu passo com essa benção. Argh, minha cabeça tá girando ― respondeu-me.

    ― Heh, devo imaginar que sim.

    ― Sabe, o pior disso tudo é você ter consciência de suas ações mas não o controle delas. E pelo o que percebi você está em uma bela de uma enrascada ― disse Jorge.

    ― Então você ouviu… é claro que você ouviu ― respondi, apertando a neve com minha mão.

    ― Se você está tendo problemas com a sua amig-

    ― Por favor, não diga nada. ― O interrompi. 

    Ele se ajeitou sobre a neve.

    ― Sabe, eu nunca fui uma boa pessoa que pudesse confortar alguém. Minha esposa sempre reclama disso, que não consigo ser um bom apoio emocional ― disse Jorge, enquanto bagunçava o seu cabelo. ― Mas se foi uma coisa que tenho certeza que aprendi, foi falar o que eu sinto da boca para fora. Sinceramente é libertador poder fazer isso, e o que eu vejo em você é nada mais do que uma menina que tem muito guardado aí dentro.

    Não consegui guardar as minhas lágrimas diante das suas palavras. Meu rosto se cobriu por elas em instantes, parecendo uma princesa indefesa que não conseguiu o que queria. A cada tentativa de enxugá-las parecia mais inútil.

    ― Chore, está tudo bem ― falou Jorge.

    ― O que você fez com ela!? ― Ouvi a voz de Gaia de longe, ela parecia irritada com algo.

    Os passos na neve deveriam ser mais silenciosos, mas os dela estavam barulhentos como se estivesse expelindo sua raiva.

    ― Não fiz nada, estávamos apenas conversando ― respondeu Jorge.

    ― Eu não acredito em você.

    ― Você pode perguntar para ela, se quiser saber. ― Jorge apontou para mim.

    ― Ele te fez algo, Seven?

    Não conseguia responder a sua pergunta. Minhas lágrimas impediam quaisquer palavras de sair da minha boca naquele momento, e esse deve ter sido o gatilho para Gaia ter fechado seus punhos se preparando para bater em Jorge.

    ― Desgraçado… ― murmurou.

    Ela havia levantado sua mão e estava indo em direção a cara de Jorge. Não sabia o que iria acontecer, Gaia tinha um corpo de madeira e poderia ser bem resistente, mas em contrapartida Jorge tinha força sobre humana.

    Segurei em sua calça, tentando impedir o pior dos dois lados.

    ― E-ele não fez nada c-comigo ― Consegui dizer algo, mesmo que gaguejando.

    Ela não me respondeu, do contrário me pegou no colo como se eu fosse um bebê. Definitivamente uma surpresa para mim, não sabia como me sentir.

    ― E-ei! ― disse.

    Continuou não me respondendo, e daquela vez apenas começou a andar até uma das barracas.

    ― Olha, tem outra barraca já montada, use ela ― falou gaia.

    ― Você vai mesmo ficar de guarda, então? ― Puxava a sua roupa, mas não me respondia.


    Gostaria de entender como de apenas eu chorar acabei nessa situação. Jorge já deve estar dormindo nessa madrugada longa, e eu estou aqui, na barraca me apoiando nos braços dela.

    ― Parou de chorar? ― disse Gaia.

    ― Eu acho… ― respondi, a abraçando.

    ― Ele realmente não fez nada com você? ― Não tive a chance de responder sua pergunta. ― Melhor, eu não quero saber sobre isso, apenas durma.

    Ela colocou a mão sobre a minha cabeça, fazendo cafuné, igualmente fiz uma vez com ela. Era quente, mesmo que seu corpo não transmitisse calor. 

    ― Eu fiz algo muito ruim com seu machado, me desculpa ― disse.

    ― Você está realmente trazendo esse assunto a tona agora, não é? Relaxe, já sabia que foi por sua causa, era só um pedaço de metal velho mesmo ― respondeu-me.

    ― Hmpf, então não vai nem perguntar o que houve com ele?

    ― Já devo imaginar o que aconteceu… A sua benção se manifestou. É comum que elas apareçam após um ou dois dias da chegada de alguém novo a esse mundo. ― Fez uma pausa. ― Fico feliz que ele tenha sido de uma ajuda para você.

    Antes que percebesse, já estava caindo no sono aos braços de Gaia enquanto me fazia cafuné.


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