Capítulo 19: Velha Teimosa!
— Que…?
Já tinha tirado as chaves do bolso, preparada para entrar e cozinhar algo bem simples para o almoço. Então, foi uma surpresa e tanto escutar isso vindo dela.
— Posso ajudar, entende? Tenho idade, mas isso não significa que sou atrapalhada na cozinha.
— Você tem certeza disso? Tipo… Não tenho os melhores ingredientes nessas sacolas. Além do mais, odiaria ver a senhora fazer esse esforço todo — respondi. — Se a senhora se sente solitária, que tal comer comigo? Posso cozinhar algo.
Ela negou com a mão.
— Eu quero cozinhar, garota. Não pode me deixar fazer isso? — Parecia certa em seu objetivo, e nada que falasse iria mudar sua mentalidade. — Tch! Você é muito atrapalhada, me dê logo isso aqui.
Maria tomou as chaves de minha mão e abriu a porta de meu apartamento em instantes. Seu jeito rabugento era algo marcante.
As lembranças de outras interações que tive com ela foram algo que veio na hora. Esse seu modo de agir não era de agora! Hahaha…
Lembro-me do dia em que ficou chateada só porque não fui visitá-la quando prometi. Quero dizer, ela tava certa, mas acabou que estava no hospital naquele tempo.
É…
Eu estava dormindo na hora e com alguns tubos na veia. Sabe como é que é, né?
Se bem que ela nunca escutou sobre o acidente. Nunca ouviu falar dos… meus…
Ah…
Ela só achou que tinha saído de viagem sem avisar…
— Garota — disse Maria, pegando algumas sacolas do chão —, você tá chorando?
Suas palavras vieram como facas. E o pouco que escorria do meu rosto logo se tornou uma cachoeira imensa.
Queria evitar chorar!
Eu odiava chorar.
Mas…
Ah…
Não sabia o que sentia em palavras. Talvez nunca consiga, e isso fique dentro de meu coração para sempre.
É o meu fardo.
— Não, não estou chorando. Foi um cisco que caiu no meu olho — respondi, pegando um lenço para limpar. — Bem, eu aceito. Mas só dessa vez, viu?
Limpei um pouco o choro.
Maria não contestou. Era claro que tinha algo de errado, mas ela não perguntou. Não havia o que perguntar.
E, se perguntasse, talvez desviaria da pergunta.
Não queria que outras pessoas se envolvessem em meu problema. Queria passar os dias isolada tentando resolver algo com que meu coração não poderia lidar.
— Esses ingredientes… Tava planejando fazer o quê? — perguntou. — Quantos legumes. Gosta mesmo de sua alimentação, né?
— Quem dera… Esse foi só um agrado que fiz pra mim — respondi, pegando o resto das sacolas. — Só comprei o que meu coração mandou. Ia fazer qualquer receita que aparecesse na internet.
— Nasceu burra, menina? Numa geração de telas e você não tem a mínima noção do que cozinhar — disse, entrando na casa. Antes de pisar no chão, ela tirou os chinelos.
O que era isso?
Não questionei em voz alta. Mas nunca tinha visto alguém fazer isso… E, como não queria problemas, tirei os chinelos e os deixei na entrada.
O caminho foi simples: andamos até a mesa, colocando todas as sacolas, e Maria logo observou todos os ingredientes com intensidade.
Talvez estivesse tentando ler as letras miúdas?
Ah…
— Cadê seus óculos, senhora? — perguntei, colocando a mão na cintura. — Só agora que percebi a falta deles. Por acaso perdeu?
— São só óculos bobos! Não preciso deles para enxergar o que estou fazendo.
— Não seja teimosa. Onde estão seus óculos? — Me aproximei, segurando de leve em seu braço, guiando-a até o sofá. — Vou buscar e daí podemos cozinhar juntas, tá bom?
— Sua bondade me dá nojo, sabia? Sou eu quem queria fazer algo legal — respondeu, cruzando os braços. — Eles estão na cômoda da cozinha. — Puxou as chaves, jogando-as no chão.
— Ei? Isso foi proposital?
— Claro que não. Tá tudo embaçado, garota! Não consegue ligar os pontinhos?
Hahaha… Fazia sentido agora.
— Como a senhora me reconheceu nas escadas? — perguntei, pegando as chaves de sua mão. — Por acaso sou tão reconhecível assim?
Ela descruzou os braços, suspirando.
— Nem um pouco, minha filha. É que cê é estranha mesmo. Só vive murmurando, então, eu já sabia que era você naquelas escadas — respondeu, coçando os olhos. — E você é a única que pega as escadas por aqui! Todo mundo usa a merda do elevador. Ainda não superou seu medo?
Sorri levemente, sentindo a brisa entrar pela sacada. Logo, levantei-me, indo em direção às cortinas. A minha casa estava um pouco bagunçada, então, acabei desviando de alguns empecilhos no caminho.
Fechei as cortinas, impedindo que o vento entrasse. Seria muito melhor cozinhar daquela forma!
— É difícil superar um medo de infância tão fácil. — Dirigi-me até as luzes, acendendo-as. — Não consigo ficar em elevadores por ser um lugar muito apertado… Chamam isso de claustrofobia, sabia?
— Ficou presa no elevador e começou a chorar que nem bebê. Acertei? Você deveria ser uma das princesinhas da mamãe, mesmo.
Ela disse sem filtro. Queria alertá-la do quanto isso era doloroso, muito doloroso.
Meu peito doía só de escutar essa palavra. Mãe é algo complicado para alguém como eu.
— Quem dera — respondi, aguentando a dor em meu peito. — Mas nunca fui uma princesinha da mamãe.
Talvez ela tivesse sentido que disse algo de errado pelo meu tom. Só que, conhecendo o seu jeito, não pediria desculpas.
Hahaha…
Essa velha é uma peça, mesmo!
— Vou indo buscar seu óculos, viu? Vai ser rapidinho. — Vesti meus sapatos, girando a chave da casa. — Se cuida, viu?
— Tá, tá. Vai lá, burrona! — disse, abanando a mão, como se minha presença fosse indesejada.
Mas no fundo sabia que não era.
Saí pela porta, respirando fundo. Precisava me acalmar…
Não podia surtar naquele momento. Só enganar minha mente com outras coisas não era o suficiente… Talvez começar um hobby novo?
Hobby novo…
Ugh!
Senti um calafrio… De alguma forma, pensei numa organização secreta que uma pessoa havia mencionado pra mim.
— Como será que ela tá, hein? — Após parar de apreciar a vista, virei em direção ao apartamento de Maria.
Caminhei até a porta, pegando a chave certa. Logo, coloquei-a na fechadura, abrindo o cômodo.
Um cheiro de incenso logo adentrou por minhas narinas.
— Mas que diabos! — resmunguei, abanando a fumaça com a mão. — Ela, por um acaso, vive desse jeito?
Coloquei meus pés na entrada, olhando para o tapete escrito “Bem-vindo!” no chão. Um vermelho vibrante e estampas que só viriam do tempo dela.
Ugh… Agora, onde estão esses óculos?

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