Pareciam realmente velhos amigos botando o papo em dia. Era visível o respeito mútuo daquela amizade, pelo jeito que conversaram. Se fosse pensar mais a fundo, provavelmente ele teria aprendido a linguagem de sinais apenas por seu amigo.

    ― Vamos querer aquele especial do chefe! Essas duas aqui com certeza vão gostar ―  disse Jorge, dando tapinhas no ombro dele.

    Henry deu um sorriso como resposta a ele, então levantou-se e lentamente foi aos fundos, que imaginei ser a cozinha do estabelecimento.

    ― Sentem-se, ele vai preparar ainda a comida. Pode demorar um pouco mas prometo que a dele é a melhor da cidade ― E assim sentamos na mesa mais próxima, como Jorge havia dito.

    Era uma taberna com mesas antigas, mas dava para sentir todo o cuidado que essa dupla de pai e filho tinha com o lugar. Se fosse comparar seria como o estabelecimento ser mais um membro na sua família.

    ― Sei que você deve estranhar, Seven. Um homem como aquele, ferido e mudo, administrando uma taverna ― disse Jorge.

    ― Não, não mesmo! Quero dizer, isso atiça mais a minha curiosidade do que qualquer coisa ― respondi sem jeito..

    ― Ele deve ter se ferido nas linhas de frente, não é mesmo? Aqui, no norte, os Viajantes atacam mais do que qualquer coisa. ― Gaia estava falando algumas coisas que desconhecia, um assunto que provavelmente era necessário de eu saber.

    ― É… você está certa. Aqui em Azaleia, quase todos foram convocados para as linhas de frente. Diria que foi sorte minha ter nascido em Camélia, aquele nobre escolheu muito poucos soldados para enviar. ― Já estava confusa, e agora, com o que Jorge havia acabado de falar, apenas piorou a situação.

    Puxei a manga da camisa de Gaia, da qual me olhou instantaneamente. Meu rosto confuso sobre o assunto parecia ter sido o suficiente para ela me entender, pois chegou mais perto do meu ouvido e sussurrando disse:
    ― Eu te explico depois, esse era um assunto que queria evitar. ― Voltou a conversar com Jorge.

    Fiquei vermelha com essa aproximação repentina, me mantendo desconcentrada da conversa por alguns longos minutos.

    ― Sempre foi assim aqui em Tyrael. Ou você escolhe lutar em torres ou você é obrigado a lutar contra as hordas que saem dela ― Suas palavras demonstravam incômodo ao assunto.


    O almoço já estava na nossa mesa. A combinação de cores do prato contribuía para a fama do local igualmente Jorge havia falado.

    Comi a comida do estabelecimento, e tudo que eu posso fazer é elogiar, foi uma das melhores coisas que havia comido desde que cheguei aqui. Olhei para Henry, que havia se aproximado após seu filho deixar os pratos em nossa mesa, e fiz um sinal de aprovação a ele.

    ― Sua comida é muito boa mesmo! ― disse.

    Ele sorriu, seu carinho por tudo que fazia era realmente incompreensível para mim. O sabor estava delicioso e comi tudo em poucas colheradas, acabando assim o prato antes mesmo que percebesse. 

    Seu filho puxou uma cadeira para ele, sentando-se logo após. Era como se seus olhos nos contasse uma longa história de campos de batalha, e suas mãos, cheias de calos, contavam uma grande história como um cozinheiro.

    ― Devo agradecer a você, Senhor Henry por toda essa recepção ― falou Gaia, mesmo que não tocasse na comida.

    Henry fez alguns sinais para o filho, que logo traduziu o que havia dito:
    ― Papai quer perguntar o porquê você não toca na comida, moça. Não está agradável?

    ― Peço perdão por ter feito uma porção apenas para mim, eu comi antes de vir para cá, então não estou com fome. Vendo como minha amiga reage a sua comida devo imaginar que é boa, por isso agradeço. ― Eu estava fazendo caretas enquanto comia? Que vergonha! Mas ela estava tentando disfarçar a sua condição, então…

    ― Você ainda vai comer isso, Gaia? ― perguntei.

    Ela balançou a cabeça para os lados, então peguei seu prato para comer. Agradecia por Gaia não precisar comer, pois pude aproveitar o prato não só uma vez, mais duas. 

    Pensava se já era a hora de ir embora de uma cidade tão interessante quanto aquela. A minha curiosidade estava a mil e queria entender mais sobre o que eles tinham para me ensinar.

    Estávamos na porta olhando Jorge se despedir de Henry com outro abraço. Me virei e saí do restaurante juntamente com Gaia, da qual parecia bem inquieta. 

    ― Aconteceu algo? ― perguntei.

    Ela soltou uma breve suspirada por sua boca, como se quisesse rir de mim. O que eu havia feito de tão engraçado agora? 

    ― Você parecia… ― Ela não conseguia parar com suas pequenas risadas. ― Esquece, deixa pra lá.

    Que? Agora estava realmente confusa com ela. Isso estava me deixando frustrada e com raiva, era só falar o que tinha para falar e pronto. Dei um pequeno soco em Gaia, não o suficiente para machucá-la, mas para deixar avisado que estava irritada.

    ― Humpf. ― Desviei de seu rosto.

    Ela realmente não poderia parar de rir agora. Já não bastava a sua altura, agora a sua risada era o toque que faltava para chamar a atenção de todos que passavam pela frente da taberna. 

    Tive que aguentar por alguns minutos enquanto Jorge colocava algumas conversas importantes com Henry em dia. E agora Gaia que de tanto rir estava lacrimejando, limpava seu rosto dizendo:
    ― Você é realmente uma graça mesmo, Seven.

    Fiquei toda sem jeito com essas palavras, coloquei meu capuz, totalmente remendado, querendo esconder minha face corada. 

    ― Desculpa a demora! Agora podemos prosseguir, não? ― Jorge estava chegando, e por algum motivo estava olhando para minhas roupas ― Meu deus… Deveríamos passar na alfaiataria antes de iniciarmos nossa viagem novamente? 

    ― Para que iremos lá? ― perguntei.

    ― Obviamente para consertarmos essas suas roupas. Pode deixar que eu pago ― disse Jorge, dando um trezentos e sessenta pelo meu corpo. ― Ester realmente nunca foi boa com costuras, talvez se ela tivesse pedido para mim, teria feito algo melhor.

    ― Me parece uma boa ideia, vamos até lá ― Ela estendeu sua mão para mim 

    ― Mas eu estou me sentindo muito bem com essas roupas. Não sinto a necessidade de trocá-las ― disse.

    ― Então vai ser pelo jeito difícil, não é? ― Parou de estender sua mão. 

    Ela se abaixou e colocou-me em cima de seu ombro, e sem escapatórias não pude resistir. Agora já era a festa de chamar atenção, de tudo que Gaia poderia fazer para contribuir para o constrangimento essa era a pior das coisas. 

    ― Isso é realmente necessário? ― perguntou Jorge.

    ― Relaxa, ela está bem. Apenas mostre o caminho ― respondeu Gaia.

    Ele estava realmente confuso com a situação, mas de algum jeito não fez perguntas por todo o caminho. Quando digo que foi vergonhoso é porque realmente foi, todos estavam olhando uma mulher de dois metros me levando por aí como se não fosse nada.

    Estávamos de frente a uma loja de costura. O sol refletia os tons de rosa das paredes do estabelecimento, dando um destaque para o local por qualquer que passasse por ali.

    Gaia finalmente havia me colocado no chão, e sem escolhas, entrei na loja junto a eles. Era gigantesca e repleta de vestidos e roupas diversas e  tudo parecia tão caro e frágil.

    Quando entramos, uma moça rapidamente chegou perto da gente. Ela tinha cabelos pretos e um coque marcado por uma fita vermelha e suas roupas formais indicavam que era uma funcionária do local.

    ― Como posso ajudar? ― perguntou a mulher.

    ― Faz um tempo que não lhe vejo, Beatrice ― disse Jorge.

    Quem é esse cara? Ele conhece todo mundo mesmo? Não me surpreenderia mais se ele me falasse tudo sobre mim de repente.

    ― Oh, cunhado! Como não percebi você antes?! Bom, suponho que a visita seja para eu ajudar alguma dessas duas mocinhas, certo? ― Seu olhar era macabro, como se olhasse para um manequim a sua frente.


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