Capítulo 25: Eu Te Amo, Mesmo Que Não Lembre Seu Nome
— Ela não disse nada no final de tudo — murmurei, enquanto segurava a cabeça decepada do demônio. Seu rosto manchado de sangue era bem humano para o que dizia ser um anjo. — Que complicado.
Levantei-me da cadeira feita em névoas, jogando aquela parte morta para longe.
— É… Pelo visto, até criaturas mitológicas tem lados humanos. — O sangue se espalhava por meu rosto, marcando ainda mais aquele corpo coberto de cicatrizes. — Mas ainda me senti bem fazendo isso.
Não conseguia sentir nada além de felicidade após tudo aquilo. Era uma grande euforia que invadia o meu ser, deixando o sorriso evidente na minha cara.
Deixei a espada cair no chão, dissipando a névoa que fazia meu segundo braço. A minha mão foi direto ao rosto, tentando desfazer aquele sorriso à força.
Tive sucesso no final de tudo, deixando aquela sensação de lado. Uma euforia que amaria sentir de novo, mas sabia que isso me transformaria em um demônio.
Ou…
Será que já era uma deles?
Eu não sabia. Não sabia se tinha um pingo de humanidade nesse corpo, afinal, não havia nada além de poucas memórias que me foram mostradas.
…
Aquilo era real.
Se existia uma certeza nesse mundo, que sejam aquelas memórias mostradas a mim. Por mais simples que pareçam, o sentimento foi real.
Muito real.
O Anjo não havia mentido nessa parte, ou, ao menos, escondido informações. Era o que havia sofrido e feito.
Um fardo.
Mas qual o sentido de mostrar o meu peso? Fazer-me sentir culpa? Duvidar de mim mesmo?
Talvez… querer me transformar em um monstro.
Um monstro que já tinha certeza ser parte de minha natureza. Algo com que deveria lidar nessa vida.
Quando percebi, já havia me afastado o suficiente para não ver aquele corpo morto mais. Estava num limbo imenso, sem saber se estava viva ou não.
Pra ser sincera, preferia que não tivesse.
Não queria viver mais do que vi. Aquilo foi o suficiente para eu tirar uma conclusão: fui uma pessoa horrível.
Mas, ao mesmo tempo, esse pensamento deixava um sentimento ruim em meu peito. Como se aceitar essa realidade não fosse o suficiente para sair dessas prisões.
Assim como havia sido ordenado.
— Uh…? — murmurei, enquanto enxergava algo estranho no horizonte.
Foi essa pitada de esperança que me fez correr sem que eu pensasse a respeito. Talvez uma forma de fugir? Não sabia, mas só de ter uma chance era o suficiente pra fazer as pernas se moverem contra a minha vontade!
Meu fôlego nunca se esgotava, assim como o cansaço nunca chegava. Era um caminho reto em direção a algo que poderia me salvar ou me levar direto ao inferno.
Algo decidido na mais pura sorte.
E fui me aproximando da estranha estrutura, sem questionar sua silhueta. O sentimento de liberdade se expandia por todo o meu corpo, imaginando um futuro que não iria chegar tão cedo.
Até que…
— Uma porta? — disse, chegando mais perto. — Cacete… É só uma porta.
Não havia nada atrás dela. Como se fosse só algo fincado ali, e nada mais.
Muito antiga. Uma estrutura rústica marcada por desenhos que desconhecia, mas sabia que eram religiosos.
Sua maçaneta marcada no dourado e detalhes que seguiam o mesmo padrão da arte talhada na madeira.
Uma sensação estranha de familiaridade percorreu o meu ser. Eu já tinha visto essa porta antes, mas não sabia quando e como.
E uma dúvida como essa não poderia ser pior!
Não sabia o que fazer diante dela. Tudo nesse lugar era muito estranho, e agora a porta, que deveria ser a coisa mais normal, havia se tornado a coisa mais estranha desse espaço.
Coloquei a mão na maçaneta, e o frio se espalhou por todo o corpo. Quase como um calafrio, o medo do que estaria atrás dela, mesmo que já soubesse o que seria.
Girei-a com calma, empurrando a porta. Meu coração acelerava a cada instante, deixando para trás o frio e dando espaço a uma ansiedade anormal.
Queria saber o que estava atrás. Mesmo que fosse só o espaço vazio mais uma vez.
Aquilo era…
Uma chance.
— Seven? — perguntou a figura olhando pra mim, mencionando um nome que ecoou em minha alma. — É você?
Um ser sem rosto, algo apagado pela minha memória, mas sabia que era importante para esse corpo. Importante pra mim.
Sua estatura alta e cabelos longos e roxos foram algo que me encantou no primeiro momento. E o cheiro de lavanda complementou ainda mais o conforto que sentia ao olhar para ela.
Não conseguia falar. O choque de reencontrar alguém tão importante para mim foi… muito mais do que poderia suportar.
Mesmo que não conseguisse lembrar o seu rosto.
— Não me lembro do seu nome — murmurei, colocando a mão nos lábios, manchando-os de sangue. — Eu…
Sentia culpa.
Por que não conseguia lembrar de nada? Afinal, esse sentimento de conforto era real?
Alguma coisa era real?
Tudo que vivi foi perdido, por que outro motivo deveria continuar lutando?
A resposta dessa última era óbvia. Não havia motivos para continuar de pé, mas algo ainda me segurava nessa realidade.
Caí de joelhos, colocando a mão no rosto, manchando-o ainda mais. O vermelho ainda me seguiria se fugisse.
Essa cor ainda me assombraria.
Isso eu tinha certeza…
Mas…
— Está tudo bem — disse a figura, uma voz doce que inundou o meu peito. — Você vai ficar bem.
Já se encontrava perto de mim, envolvendo-me num abraço caloroso. As lágrimas já inundavam o chão antes mesmo que eu percebesse.
Como se todos os meus pecados fossem levados embora num simples gesto. Aquilo não era um abraço vindo de qualquer pessoa.
Não mesmo!
Eu…
— Só queria entender como cheguei a esse ponto. Como me tornei essa pessoa horrível… — falei, envolvendo-me no abraço. — Queria lembrar seu nome, seu rosto, seu toque. Mas tudo que vem à minha mente são os momentos horripilantes que fiz outras pessoas passarem.
Quase como se eu fosse um incômodo. Alguém que não foi planejada por ninguém e nem desejada por qualquer um.
Eu queria…
— Você fez bem. Tudo vai ficar bem, viu? — disse o ser, seus cabelos caindo em meu rosto. O cheiro de lavanda ficou ainda mais forte. — Meu nome e rosto não são importantes agora. Tudo que você tem de saber é: seja forte. Você vai encontrar a saída desse local.
A saída…?
Eu…
Se posso ficar pra sempre nesses braços, por que iria querer encontrar uma saída? Não faz sentido…
Não…
— Eu…
— Você precisa, Seven. Só assim podemos nós nos encontrarmos de novo — O rosto, antes desaparecido, foi se fazendo aos poucos, mostrando uma expressão de angústia, carregado por lágrimas de saudades. — Eu quero te encontrar mais uma vez.
Ah… eu queria lembrar seu nome mais do que nunca naquele momento.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.