Capítulo 26: Por Favor, Volte
— Ela ainda não acordou? — perguntou uma voz, seu tom marcado por uma melancolia evidente.
Olhei para trás, reconhecendo a pessoa com quem mais trabalhei esses tempos: Karolina. Estava cansada, e era óbvio o motivo.
Trabalhava muito, mas muito mesmo. Não lembro de ter visto essa garota dormir nos últimos meses. Afinal, o que ela fez pra resistir tanto?
Enfim…
— Ah… É você — murmurei, levantando-me da cadeira na qual sentava. — O mesmo de sempre. Nada mudou, é como se ela tivesse virado uma casca vazia — disse, limpando os óculos, encostando-me na cadeira logo após. — Eu queria saber o que está se passando dentro dessa cabeça.
— Me surpreende que você siga acreditando que ela ainda vai voltar.
Foram palavras que me pegaram muito desprevenida. É claro que Karolina tinha motivo pra dizer isso, mas não poderia discordar menos dessa sua afirmação.
— O amor move montanhas — respondi, segurando a mão de Seven, que se encontrava em coma na cama à minha frente. — Só me resta acreditar que ele vai ser o suficiente para acordá-la.
Era uma sala escura, localizada no subterrâneo do sul. Marcada apenas por uma luz e pelo soro que dava direto nas veias dela.
Foi desse jeito que ela sobreviveu a esses últimos meses. Incubada num lugar, presa em sonhos que não conseguia acordar.
— Karina está bem? — continuei, mudando de assunto. — Lembro dela ter ido olhar a cidade com Kaori. Por acaso já voltaram?
— “Bem” é uma palavra muito forte. Ainda tô estudando um meio de neutralizar a doença dela, mas é um grande desafio para mim no momento — disse Karolina, chegando mais perto. — Sabe… Temos coisas em comum. Nós duas queremos salvar uma pessoa importante.
— É… — Dei uma pequena risada. — Temos mais em comum do que parece. — Soltei a mão que segurava, checando o soro. — Hmmm… Vou ter que fazer mais depois. Esse não vai durar muito.
Andei até a porta e, antes de ir embora, olhei para ela.
— Vamos? Temos muito a fazer ainda.
— Isso ainda vai dar errado — respondeu, desviando o olhar, abrindo um sorriso logo após. — Duas cientistas malucas trabalhando num projeto juntas! Hahaha… Bem, ainda tenho de te mostrar algumas coisas, Gaia.
Ela andou até a porta, saindo primeiro, e logo após, fechei o quarto.
Aquilo não era uma despedida. Óbvio que não era! É muito impossível se desfazer de sentimentos tão profundos de forma mais fácil.
Mesmo agora, com toda essa situação, parece que eles só se intensificaram. Sabia disso e me sentia uma tola por ter percebido tão tarde.
É horrível viver com isso no peito. Uma pequena agulha que aperta no coração a cada dia.
Mas não era um sinal pra uma desistência, e sim uma seta mandando seguir em frente. Deveria arrumar um jeito de te trazer de volta.
E iria. Claro que iria.
Não existe nenhuma mente brilhante como a minha em todo o cosmos.
Karolina colocava pontos em um grande quadro, interligando algumas informações que já sabíamos.
— Essa merda não faz sentido! — resmungou, rasgando mais um papel que estava colado no mural. — Como diabos vamos ligar A Companhia com o coma de Seven? Só não faz sentido!
Parecia estar tendo problemas…
Hahaha!
— Vocês duas não nasceram com Poderes Divinos, não é? Lembro de Karina ter mencionado isso — respondi, levantando-me da mesa na qual sentava.
— Cacete! O que mais essa garota te contou? — disse, frustrada. — Essa droga era pra ser um segredo de estado!
— De alguma forma, seus poderes são uma variação do meu. Isso aconteceu com Karina. Posso supor que tenha alguma outra benção que está escondida nesse corpo além dos portais, já que são irmãs?
Ela hesitou, mordendo o lábio, como se aquilo fosse um tópico muito sensível do qual não poderia pensar em mexer.
Peguei o lápis em sua mão, anotando numa folha que estava ali perto.
— “Criatividade”.
— Criatividade? O que diabos é isso?
— Quando injetaram o líquido coletado em meu corpo, eles deram o nome de Criatividade à segunda benção alocada. Um poder que me permite criar objetos desejados, mesmo que os materiais não sejam suficientes.
— Uau. Isso é bem útil — respondi, um pequeno sorriso aparecendo em meu rosto.
— Cê tá zombando de mim, né? Deve achar ele uma bosta.
— Claro que não! O poder da criação foi, e sempre será, uma das coisas mais úteis do mundo. Sejam lá quais fossem as condições.
Continuei a anotar sem parar.
— Além do mais, você consegue utilizar O Portão das Marionetes, ou pelo menos uma variável, sem a necessidade de receptáculos! Isso é demais!
— É assim que você chama?
— Ué, e tem outra forma melhor? — respondi, terminando minha anotação e prendendo-a no mural.
— Toca de Coelho, óbvio… — respondeu Karolina, olhando fixamente para o que acabara de pôr no quadro. — … Não é possível.
Karolina saiu correndo da sala em que estávamos, indo direto à outra que estava logo perto. Sua pressa mostrava o quanto essa suposição a afetou, o sorriso de uma cientista maluca estampado na cara a todo instante.
Apenas pude observar sua silhueta sumindo dentro da sala mais uma vez.
— Parece que já ajudei o suficiente — murmurei, rodeando a mesa, indo em direção à saída. — O resto é com ela.
O local era construído da melhor forma possível. Uma base subterrânea que poderia abrigar muitas pessoas, mas, neste momento, existia apenas nós.
Tudo estava uma bagunça! Mas sabe, uma bagunça muito bem organizada.
Na minha frente, um portal se abria, e o destino era óbvio. Muito óbvio.
Entrei naquele portal pela última vez.
Não era uma despedida, mas um recomeço de algo novo, algo com que deveria lidar agora. Se existe uma forma de trazer ela de volta, seria desse jeito.
Só um caminho leva à resposta.
Deveria encontrar uma maneira de chegar à Cidadela.
Antes que pudesse passar pelo portal, escutei passos que vinham do corredor. Eram rápidos e acompanhados por um mais lento.
— Não corre, Karina! — disse Kaori, sua voz marcada pelo cansaço. — Você vai acabar acordando elas!
— A vida tem que ser feliz, poxa! O mundo pode estar acabando, mas sorrir um pouco não faz mal — respondeu, dando passos mais rápidos. — Que acordem, viu?
No mesmo instante, fechei o portal, esperando que elas chegassem até mim.
— É… Talvez eu não precise apressar a minha ida.

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