— Então você quer que eu derrote essa coisa? — disse Damien.

    — Realmente preciso responder essa pergunta? É claro que sim. 

    — Não vou.

    — Ah, vamos né! Você já está aí, com o tempo parado e o monstrengo a sua frente… — Apontei para o Viajante.

    Nessa hora que percebi algo totalmente inédito. Em minha forma que denominaria “espiritual”, eu possuía os meus dois braços, o que realmente me causou um choque.

    — Oh…

    Desde o princípio, lidei com essa falta de forma fácil. De algum jeito, meu cérebro só se acostumou rapidamente, e nesse momento com os dois em meu corpo, eu senti uma leve estranheza.

    Olhava para minhas mãos ainda confusa. 

    — Pffft! — Riu Damien.

    — Ei! O que você tá rindo aí? Vamos, derrote ele logo! Tenha certeza de não machucar muito meu corpo.

    — Tá bom então, Scarlett. Suponho que dessa vez deva fazer o que você quer. — Ele transformou o metal a sua volta em uma grande foice. 

    Devo dizer que me impressiona o seu ato de fazer uma foice, e mais ainda com o fato dele conseguir utilizar minhas bençãos tão facilmente. Ao perceber isso posso dizer que elas são ligadas ao corpo, e não a minha alma ou algo parecido.

    Mas… foice é uma arma de dois braços, não? 

    Antes que pudesse perguntar a ele o motivo, logo a ideia que tive mais cedo veio à tona como verdade. Parecia se garantir em não utilizar nenhum fio metálico que estava no ambiente, pois transformou o que havia em uma prótese para a falta do braço.

    Estava animada, se ele conseguia fazer isso então eu também iria conseguir.

    — Olha, eu não me arrependo nenhum pouco do que fiz. Mas vou lhe ajudar apenas dessa vez e não terá nenhuma outra no futuro. Não é sobre você, mas a minha sobrevivência — disse Damien.

    — Você está usando uma arma diferente dessa vez, não? — Tentei desviar do assunto, pois se fosse preciso, iria chamar ele quantas vezes desse, desde que ele não cometa atos suicidas.

    — Eu sei que você me escutou… — Ele fechou seus olhos, colocando o braço protético para frente.

    E recitando desde palavras até frases desconhecidas, fez com que o tempo voltasse a rodar dentro da barreira, mas de forma super lenta.

    A mão-broca do Viajante estava quase o perfurando, quando em pequeno instante Damien agiu. O monstro teve seu braço amputado em questão de segundos, caindo o pedaço arrancado lentamente no chão.

    Me perguntava como diabos ele fazia isso em meu corpo se nem mesmo eu conseguia…

    E, de uma rapidez inesperada, pulou do chão para a cabeça da criatura. Nem mesmo consegui acompanhar com minha forma espiritual, demonstrando grande velocidade.

    — Scarlett, a Ferromancia é muito mais do que você pensa. Podemos lutar justamente com ela, criando lâminas e entre outros utensílios, ou podemos lutar injustamente com ela.

    Sua foice se dissipou para o chão, enquanto com seu braço esquerdo, o colocava sob a cabeça do monstro. Todo o metal parecia estar fluindo para o mesmo local, e de certa forma adentrando a cabeça do Viajante.

    — Morra. 

    Assim que proferiu estas palavras por sua boca, o Viajante logo caiu ao chão na lentidão anteriormente atribuída. E sem entender nada do que havia acontecido, a barreira havia se dissipado, e o monstro caiu no chão com toda a velocidade.

    Sentada perto de Damien, flutuei em direção à cabeça, onde o metal havia se injetado.

    E quando prestei atenção, tudo fez sentido. Das orelhas, do nariz e boca escorria o líquido metálico. Então era isso que ele queria dizer com vencer injustamente? Bom, se fosse uma luta de honra, consideraria o mesmo.

    — Então, gostou? — disse Damien, fazendo uma pose maneira.

    — Uau, você é bom mesmo. Como você faz isso? Meu corpo nem é tão forte assim.

    — Ah, esqueci por um breve momento de sua condição. Existem formas de expandirmos o nosso poder além das bençãos. É… como eu posso dizer melhor? Ah, além de nossos corpos.

    Oh? Oh! Meus sentidos curiosos estavam aguçados.

    — Qual é?

    — Por que você acha que vou te falar? Eu não estou aqui para isso. — disse Damien, agora se levantando das costas do monstro. — Vamos, ainda temos alguns bons andares para resolver.

    Ah, os andares da torre… pelas informações passadas essa aqui terá por volta de cinco. 

    Se todos forem iguais a esse? Não acredito nessa possibilidade, prefiro acreditar que será mais fácil.

    Damien andou, mas por conta dos ferimentos, acabou fazendo lentamente. Chegando nas escadas, as subiu, onde levaria o mesmo para o andar superior.

    Ao chegarmos, tudo só parecia a mesma cópia do anterior, onde uma sala quase dominada pela escuridão, se iluminava fracamente por uma janela gradeada. 

    — Onde estão os monstrengos? — perguntei, olhando para todos os lados. — Não vejo nenhum.

    — Hah, ainda confusa com isso?

    — Não é óbvio? Quero ir embora daqui.

    — Então se prepare para um show de horrores — Damien, que já havia retraído o metal do Viajante anterior, transformou o mesmo em pratos…?

    — Que esquisito.

    — Hahaha! Você não sabe de nada. — Ele bateu os dois pratos um no outro.

    Neste momento, não poderia descrever melhor do que o som mais infernal que já ouvi na vida. Passou por todos os lados tal som, e em resposta o abismo respondeu a altura.

    Podia ver surgindo ao fundo, várias mãos vindas dos chãos, paredes, tetos. Era impossível não ver as suas peles podres, e os músculos totalmente expostos.

    — Zumbis.

    — Uau, nem parece que não tem nada dentro dessa cabeça aí — disse Damien, transformando o metal em sua arma e no braço antes visto. — Essa aqui não é eficiente para isso… — Logo, a sua foice virou uma longa espada, ultrapassando o tamanho de meu corpo.

    — Como você vai se movimentar com isso? Me parece grande demais.

    — Você é idiota por acaso? Eu não vou. 

    Ele estava segurando com uma mão, e logo apoiou em seu ombro. Olhando mais de perto, percebi os truques que estava usando.

    Então ele estava usando a Ferromancia para manter a grande espada em sua mão… inteligente, mas demandará muita concentração de sua parte.

    — Olha, é muito mais simples do que parece.

    E colocando a mão para frente, recitou palavras em uma língua desconhecida novamente. Seus olhos exalavam energia e seu corpo soltava raios. 

    A cada passo para frente da grande horda, pequenas ondas de eletricidade eram expelidas em direção aos zumbis.

    E, sem demorar muito, todos eles saíram da terra. Os localizados no teto caíram ao chão, e mesmo quebrando toda a sua carne, não conseguiam parar de andar por seu instinto.

    Damien jogou sua espada em direção da horda, e passando entre todos aqueles zumbis, a grande espada os cortava facilmente.

    Mas, a velocidade dele naquele momento não era o suficiente para acompanhar o surgimento dos zumbis.

    — Voc–

    Antes que pudesse completar minha frase, outra espada de mesmo porte havia surgido no meio da multidão. Dessa maneira, ele pode lidar contra tudo que havia surgido em sua frente.

    O tempo não parecia passar, por um lado Damien estava ficando cansado e a sua concentração falhava após algumas horas, e por outro os zumbis não paravam de surgir.

    — Que droga…! Haha — disse Damien. — Eu não pensei que seria assim.

    Ele fechou seus olhos novamente, e dessa vez a sala foi iluminada. Uma grande mão formada por raios surgiu de uma pequena nuvem carregada dentro da torre, nuvem essa que não estava ali a alguns instantes atrás.

    Essa mão uma hora se multiplicou, e quando Damien apontou para baixo, todas elas seguiram o seu comando, esmagando a horda.

    Posso comparar esse momento a um show, de tanto que o andar estava claro e oscilante por conta dos raios.

    Após acabar seu esmagamento coletivo, Damien dissipou todo o ferro controlado, caindo ao chão como placas de metais e até mesmo a grande espada. 

    — Então é aqui que vamos acabar? — perguntei.

    — Achei que era óbvio. Você que lide com os outros andares a só, eu não vim para ser babá de ninguém.

    Sem cerimônia alguma, voltei ao meu corpo em um piscar de olhos. Fiquei atordoada por um momento, mas após recuperar minha consciência, percebi que ainda faltavam três andares.

    Damien já havia partido, deixado apenas eu e meus pensamentos naquele local macabro.


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