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    Peguei o ônibus.

    Estava quase vazio, tendo apenas alguns conhecidos da minha faculdade. Afinal, esse ônibus tinha poucos destinos, e a universidade era um deles.

    Seria estranho se não tivesse ninguém de lá aqui.

    — É só mais um dia. Não preciso temer a nada — murmurei, como se quisesse me encorajar. — Talvez hoje tudo dê certo.

    Peguei o fone sem fio que tinha em minha bolsa, colocando-o no ouvido. Um movimento quase voluntário do corpo, tendo em vista que o realizava todos os dias. 

    Cliquei no botão de “Play” no meu celular, e a música começou a rodar. Ritmo calmo, melódico.

    Era perfeito pra relaxar.

    Paguei minha passagem pelo aplicativo de celular e logo me movimentei para qualquer banco que estivesse vazio.

    A cada passo que dava para o fundo do ônibus, pude perceber o quanto era alvo de olhares. Mesmo que fossem quase imperceptíveis, ainda era evidente o ódio penetrando em minha pele.

    Tremia, mas continuava com um sorriso bobo. Fingia não ver os murmúrios, os olhares, os falsos sorrisos. 

    Mesmo que nunca tenha sido minha culpa.

    No final do ônibus, residiam dois lugares vazios perto da janela. 

    Era…

    Ah!

    Tenebroso. Muito tenebroso.

    Mas, de uma boa forma, a música me deixava mais calma. Como se fosse um vício para meus ouvidos.

    Olhei para a janela, sentindo o reconforto da paisagem. Sol da tarde e a pouca quantidade de pessoas na rua.

    Pode parecer até estranho ter poucas pessoas no horário de almoço, mas naquele distrito não havia tantos trabalhadores assim. 

    E esse cenário calmo deixava tudo melhor.

    O ônibus começou a se mover, finalmente!

    Movimentava-me com o ritmo da música. Algo tímido, mas que me deixava na vibe perfeita.

    “Cause I’m a pun-” 

    O fone foi tirado de meu ouvido.

    — Ei, menina — disse. — Você é aquela garota que–

    — Daiane! — gritou outra pessoa. — Já te falamos que ela é perigosa… Não se meta com quem não deve!

    A garota que havia se aproximado logo foi puxada de volta para o grupo de amigas, e a situação estampou uma confusão em meu rosto quase de imediato.

    Mas que diabos de interação foi essa?

    — Então, está bom, né…? — Peguei meu fone, que havia caído quando a tal de Daiane foi puxada, e coloquei em meu ouvido.

    Depois de tanto tempo, uma pessoa tentou falar comigo. Incrível, não é? Mas aquela pessoa…

    — Será que era uma novata? Alguém que conhecesse os boatos nem tentaria chegar perto de uma…

    Uma assassina.

    Era essa a palavra que queria ocultar. Algo que tentava parar de me culpar várias vezes ao dia, mas de nada adiantava.

    Os boatos e notícias não me deixavam viver direito, muito menos esquecer o que aconteceu.

    “Acidente de carro deixa dois mortos e um ferido.”

    “Ela matou eles?”

    “Motorista acorda após longo sono, alegando não saber de nada.”

    “Por que você acha que só a motorista sobreviveu? É óbvio que ela matou eles!”

    Ainda tive o desprazer de escutar esse último cara a cara. Como podem ter feito isso comigo?

    Ah…

    Que droga.

    Eu deveria mudar de cidade, mas ainda continuo frequentando essa merda de faculdade. 

    Por que esse tinha de ser seu desejo…?

    Estava cada vez mais perto do destino, e pude perceber o quão intensos estavam os olhares naquela situação. Pareciam que nem queriam mais esconder todo o ódio. 

    Só começaram a ligar para eles dois após um escândalo. Após terem morrido. Como isso é possível? Eu…

    Eu odeio…

    Odeio tudo isso.

    Gente hipócrita. Não consegue sustentar uma única afirmação.

    Que vive para despejar seu ódio em cima de quem não consegue se defender. 

    Parou.

    Esperei todos saírem do ônibus para que, enfim, pudesse ter minha saída. Dessa forma, evitaria problemas. Muitos problemas!

    Dito e feito.

    Assim que a última pessoa saiu, levantei-me para ir embora do ônibus. Todos indo na frente, deixando-me para trás.

    Coloquei meu pé na calçada, aumentando o volume da música cada vez mais. Tinha certeza de que coisas daquele tipo não aconteceriam mais, então não existia motivo para deixar tão baixo assim.

    Era grande a universidade.

    A número um do país, para ser mais exata.

    Universidade Fuchsia, esse era seu nome. Mas de que adiantava ter uma bela flor como nomenclatura e nem ao menos lidar com assuntos tão banais?

    Brinco-de-princesa, é? Tch…

    — Que nome idiota — disse baixinho.

    Haviam três prédios naquela unidade, uma vez que a mesma estava espalhada pelo país inteiro. Dentre isso tudo, podia garantir uma coisa: fazer matemática era pedir um passe livre para o purgatório.

    E eu fazia algo próximo disso! A porcaria da Física. A maldita física! Tudo por conta de um desejo meu de aprofundar meus conhecimentos em física quântica.

    Isso era um porre, não é?


    [●●●∘∘∘∘∘∘∘ 34%] 

    Como um vulto, algo parecido com holograma apareceu perto de mim.

    — Ahn? — Tirei o fone, tentando entender se o que havia visto era real.

    Parecido com o que havia visto quando estava bêbada, só que, dessa vez, estava sóbria. Espera!? O que caralhos foi isso que aconteceu?

    Ainda estava bêbada, não é?

    É, só pode ser isso.

    Vai ver ainda não estou sóbria o suficiente. Que droga! Isso vai ser um saco de lidar nas aulas!

    Maldição! 

    Aaah, isso vai atrapalhar tudo! E se, por acaso, eu tiver um coma alcoólico no meio da apresentação do trabalho? 

    Não, quê?

    Coloquei a mão em minha bolsa, não sentindo o manuscrito que deveria estar nela. 

    Cadê a porcaria do manuscrito?

    — Eu esqueci? O quê!? Como? 

    Estava tudo dando errado em tão pouco tempo! Como poderia ser tão… desastrada? Tudo vai desmoronar mesmo!

    Olhei de um lado para o outro, procurando algo bem específico…

    — Achei — murmurei, correndo em direção ao banheiro do campus. 

    Tinha de ser rápido, senão meu coração ia pular pra fora do corpo!

    Corri com todas as forças, passando entre alunos que estavam chegando à universidade por outros meios. Não me importava com os olhares naquele instante, afinal, isso era algo que só eu podia fazer!

    Meus batimentos estavam condizentes com os passos rápidos. Que droga! Que droga! Que droga! Que droga!

    Entrei na parte feminina às pressas, correndo até a pia do banheiro. Minhas mãos estavam tremendo, e tudo parecia pular para fora de minha bolsa.

    — Cadê… Cadê…!? — perguntava, buscando a cartela de remédios. — Ah… Encontrei.

    Faltavam muitos naquela placa de comprimidos, mas de que adiantava pensar nisso?!

    Tirei dois. Não, três!

    E boca na mesma hora. Sem nem pensar, engoli todos os três medicamentos. Não havia tempo de pensar em tomar água ou qualquer coisa parecida.

    Respirava com calma, tentando trazer a calma para meu corpo. Era a melhor coisa que poderia fazer…

    Ah…

    Era mesmo?

    Sempre que fazia isso, uma dúvida constante martelava meu cérebro. Aquilo era certo?

    Era certo engolir tantos remédios de uma vez?

    Era certo…

    — É Scarlett o seu nome, não é? — perguntou, puxando um pouco de minha camisa. — Tentei falar com você no… Espera, você está chorando!?

    Chorando…?

    Não.

    Claro que não estou.


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