Capítulo 35: Os Doze
Eu não consegui falar com Gaia pelo resto da noite, o clima ficou tão estranho que era difícil até olhar para a face dela.
Mas, antes da noite acabar, acabamos decidindo ficar em Azaleia por mais algum tempo.
“Sabe… nós podemos ver os outros dias do festival, né…?”
Essas palavras poderiam ter um impacto maior, se ela pelo menos não dormisse no mesmo quarto que eu. O dia havia passado, e o clima entre nós duas só havia piorado.
Acabei arrumando um colchão de emergência com Daiane, que parecia muito abatida. Coloquei o colchão e arrumei no quarto apertado.
Por sinal, ela não cabia no que havia ajeitado, então tive que ir buscar outro para assim ter sua maravilhosa noite de sono.
Ao abrir meus olhos, pude ver Gaia dormindo ainda.
— Ham… Se… ven… — Gaia falava em meio ao seu longo sonho.
Que tipo de coisa ela deve estar sonhando? E comigo!?
Me agachei ao seu lado e dessa vez, eu iria tomar cuidado para não ser pega por essa ursa. Prendi o nariz dela com minha mão, na tentativa de acordar ela, mas…
Ha, é verdade. Gaia não respira normalmente.
Passei uns dois minutos até perceber esse fato.
Simplesmente mais uma vergonha passada, agora sem ninguém ao meu lado.
Que constrangimento!
Ela se moveu para meu lado e eu instintivamente desviei. Me levantei logo, pois eventualmente poderia acabar presa como uma pelúcia por ela.
— Hmmm… não vá… — murmurou Gaia.
Eu não estou curiosa sobre o que ela está sonhando, eu não estou curiosa…
— Ehe, boba. — Dei língua para ela.
Talvez eu estivesse curiosa sobre o seu sonho.
Era melhor ela descansar o quanto pode, mesmo que eu ainda queira esclarecer algumas coisas. Talvez essa conversa possa demorar para acontecer, e eu espero que demore muito, muito mesmo.
Sinto que se fôssemos resolver esse assunto agora, eu poderia acabar…
— Olá, Seven. — Antes mesmo que percebesse, estava andando no corredor, perdida em meus pensamentos.
E na minha frente estava Daiane, aparentemente em sua personalidade “perfeita”. Mas tinha alguma coisa estranha com ela, e eu não conseguia dizer o que.
— Queria lhe parabenizar por concluir parcialmente a torre. Pedimos desculpas por não conseguir salvar aqueles que morreram lá, mas tivemos certeza de compensar os responsáveis.
Então… eu não havia concluído a estrutura por completo?
Apertei meu punho.
Então a morte deles foi em vão? Foi tudo para eu não conseguir nem ao mesmo terminar aquela torre?
— Espera! Como assim parcialmente? A porta se abriu, você viu! — perguntei em desespero.
— São assuntos mais complexos do que você imagina, mas estamos cuidando deles nesse exato momento. Tudo que você deve saber é… — Ela deu uma pequena pausa, como se estivesse tentando lembrar de sua fala. — … Você fez bem.
Entendia o quão necessário era para Daiane falar assim comigo em público, afinal ela tinha que manter essa compostura. Mas não conseguia me segurar tanto quanto imaginava.
— Como assim eu fiz bem? Mas… — Apenas segurei minhas palavras, evitando causar qualquer tipo de confusão.
E, ainda assim, Daiane continuava com a sua postura séria. Seus olhos escarlates eram tão tranquilos, que não demonstravam uma única emoção. Ela era diferente quando estava a sós comigo.
— Venha, me siga — disse Daiane.
Segurei mais ainda a vontade de desabar.
Acabei indo com ela.
— Sabe, quer ouvir algumas histórias da minha infância? — disse Daiane.
— Inesperado de sua parte, Daiane. Você nunca quis falar sobre isso comigo — respondi, supondo que ela queria descontrair o clima.
Ela riu levemente da minha resposta.
— A resposta é simples, eu não gosto tanto dela. Mas se for o suficiente para lhe entreter, eu posso contá-la a você.
— …
— Era uma vez… uma pequenina criança de cabelos brancos. — Ela começou a contar sua história, do jeito mais clichê possível. — Mas, estando abandonada em meio às ruas de Camélia, foi adotada certo dia por um casal gentil.
Então, não era a primeira vez que Ester ajudava pessoas nessas situações. Ela tinha uma boa alma, conseguia dizer isso.
— Eles me deram banho, educação e principalmente… amor.
— Consigo dizer que ponto você quer chegar… Compartilho o mesmo pensamento em relação àquele casal.
— Então, você já está melhor, né? — Novamente, deu uma risada doce. — Ester te contou sobre a Benção dela?
— Não. Acabei nem ouvindo a benção dela — respondi.
— Ela tem uma ótima resistência à embriaguez. — Dessa vez, caiu em gargalhadas.
— É sério?
— Sim… Hahaha! Ela me contava histórias de como sempre venceu os campeonatos de bebidas. — De tanto rir, lacrimejou. — E foi em um desses campeonatos que ela conheceu Jorge.
— Ah! Então, faz sentido eles terem feito uma pousada como um negócio familiar. Pelo que ouvi de Gaia, à noite aquele lugar virava um barzinho.
— Haha, é meio que isso mesmo.
Confesso que o clima melhorou.
Pude me sentir mais leve.
Estávamos em direção a uma parte que nunca havia ido em todo esse tempo na igreja. Distante, isolada de todas as outras localidades.
E à nossa frente, uma porta pequena, que não combinava com o local. Ela colocou a mão sobre a porta e logo fechou seus olhos.
— […] “E que a glória esteja conosco.” — Uma sequência de palavras desconhecidas para mim. Mas que nesse caso, a semelhança era clara com algumas que já havia visto antes.
Estava mais curiosa ainda sobre essas “formas de expandirmos o nosso poder além das Bençãos” de que Damien havia falado.
E logo, alguns circuitos, antes invisíveis, começaram a brilhar fortemente em amarelo. Uma visão impressionante, tanto quanto o desenho que eles faziam.
Uma pequena flor de lótus se formava pouco a pouco.
E, ao estar completa, a porta se abriu. Daiane foi logo na frente, sumindo parcialmente na pequena névoa que havia através da porta.
A segui, atravessando a leve névoa, tendo certeza de não perder seus vultos de vista.
Em pouco tempo entendi onde estava, era um corredor. Não tão estreito e nem tão largo, mas o suficiente para conseguir passar sem dificuldades.
Podia ver uma luz no final do túnel, luz essa que logo fez Daiane sumir de minha visão. Então, ali havia entendido que era o final do corredor.
Ao ultrapassar, meus olhos foram temporariamente cegados pela iluminação do local. Tudo era feito por cores relativamente escuras, um local que não combinava mesmo com a decoração de antes.
— Onde estamos, Daiane?
Seus olhos brilhavam mais aqui do que em qualquer outro lugar. Pensei que iria se soltar como sempre fez, mas continuou com seu ar sério.
— Ah, que droga…! — Retiro o que disse, sua postura não estava mais compatível com seu tom anterior.
Ela rapidamente bagunçou seu cabelo, tirando totalmente a impressão nobre que estava passando. Rodeava em círculos, preocupada com algo.
— Maldição… Agora que já te trouxe aqui, não tem mais volta…
Suas palavras não faziam sentido algum, mas levando em conta que tinha ligação com a sala, decidi investigar.
Uma sala com estátuas igualmente vistas na igreja de Camélia. Mas dessa vez, ao invés de cinco, havia doze.
Fiquei paralisada por um instante. Tive certeza de olhar novamente, para ter certeza de que contei certo e de que eventualmente eram as mesmas.
Uma, duas, três vezes. Meus olhos só não queriam acreditar no que estavam vendo.
— Ei… calma… O que é isso, Daiane?
— São os heróis, Seven! É óbvio que são eles!
— Não, mas não assim. Tinham apenas cinco deles, não é?
— Não, não, não […] São muito mais que cinco. Os registros históricos não mostram a existência de apenas cinco — disse Daiane, enquanto roía suas unhas.
Nunca havia visto ela tão ansiosa quanto hoje. Principalmente esse comportamento de agora.
[Fantasia sente a presença de seus iguais…!]
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