Capítulo 36: Me Odeie, Está Tudo Bem
A dor.
Dor de ter aquelas asas arrancadas à força.
Dor de ter sido taxada como “Assassina”.
Dor de um dia, acordar em um lugar diferente de minha casa.
Aguentei todos os dias naquelas ruas frias, jogada para fora de pousadas, atravessando florestas nevadas. Toda a minha infância foi resumida ao ódio de ter nascido assim; aquelas asas e presas condenaram a todos em minha volta.
Eu arranquei minhas asas, cerrei as minhas presas e garanti que minhas orelhas iriam parecer natural.
Tudo para fugir de olhares ruins.
[A Condessa.]
「A Estrela da Esperança lhe abençoa com habilidade de Hemomancia. Em troca, ela tirará toda a confiança que eles têm em você.」
Você não acreditaria em mim se eu apenas te contasse.
Essas Bençãos são uma maldição. Todas elas têm consequências muito piores do que pensam, por isso eu vou destruir a fonte delas. E para isso, vou utilizar justamente os receptáculos que vocês lançaram em terra, eles serão uma arma que será usada contra o portador.
Mas… naquele dia.
Naquele precioso dia.
Você me mostrou algo diferente.
Você me mostrou a felicidade. Mesmo que pouca.
Me odeie se possível, eu não me importo.
E logo, você entenderá o motivo de tudo que faço.
Você será a esperança desse novo mundo, reinará em um trono feito de paz.
Eu não deveria ter trago ela até aqui, eu não deveria ter envolvido Seven nisso. Mas uma hora ou outra eles iriam chegar nela, pois tudo é decidido pelo alto escalão.
Me arrependi instantaneamente.
O que aconteceria se ela simplesmente não entendesse o motivo disso?
Doze heróis, esse é um sinônimo de loucura para cidadãos comuns. Mas, se ela não tem memórias, então ela não é igual a eles.
Por favor, acredite em mim.
— Daiane, o que é tudo isso? — disse Seven.
Estátuas adicionais foram totalmente quebradas e seus destroços remontados por mim. Enquanto aquelas por inteiro eram exibidas em todo o continente.
Eu tentei falar algo, mas minha boca não conseguia acompanhar meus pensamentos. Hesitava em explicar, esperando que apenas seus olhos fossem o suficiente.
Então, não faça todo esse trabalho que tive, ter sido em vão.
Coloquei minha mão sobre o ombro dela.
— Olha, Seven… sei que é difícil acreditar em mim, mas… — Engolia seco. — Sempre foram doze heróis.
— É sério? Mas, no que isso importa?
Eu desabei.
Minhas pernas perderam força instantaneamente.
— Daiane! — Ela logo se agachou em minha direção. — O que foi? Está bem?
— Está tudo bem comigo, foi só um momento de… — Segurei em seu casaco, me levantando com sua ajuda.
— Não me assuste assim! — disse Seven, preocupada.
Sentia como se toda a pressão que havia colocado em mim tivesse sumido em instantes. Era como se eu estivesse em um mar de flores.
Por que…
Por que você tem que ser assim?
Isso me lembra aquela vez…
— A neve está mais forte hoje. — Coloquei a mão sobre a janela do meu escritório.
Um evento que raramente ocorre, mas que dessa vez, atrapalhou totalmente meus planos. Uma súbita mudança de emoções ocorria dentro de mim, indo de felicidade para frustração.
Dessa vez era ainda pior, o Cardeal tinha planos a fazer em Lótus, e por conta desse clima, era o suficiente para fazer ele desaparecer de seus planos.
Ah… isso era pior do que imaginava.
Escutei batidas na porta, então fui até ela. Abri e vi em minha frente o mensageiro de Galileu, o Cardeal.
Antes mesmo de ele falar qualquer coisa, eu já sabia que palavras iriam sair da boca dele. Apenas escutei a repetição da mesma frase, que sempre escutava.
“Santa Daiane, sinto muito, mas não poderei comparecer ao nosso encontro de hoje. Teremos que resolver essas questões envolvendo Lótus em outro momento, porque agora, estou resolvendo algumas questões familiares”.
Questões familiares… família. Isso é uma merda.
Era sempre essa mesma desculpa, e justamente comigo.
Não podia ficar triste, do contrário, iria apenas demonstrar minhas fraquezas. A minha Dádiva era como uma maldição, então tudo que podia fazer era aguentar essas situações.
Agradeci ao mensageiro e, logo, fechei a porta.
Chegar até aqui foi um grande sufoco, então não vou perder tudo que conquistei por um simples Cardeal mal-humorado.
Arrumei minha bolsa, me preparando para uma longa caminhada. Também peguei meu casaco e o coloquei, arrumando-me perfeitamente para esse tempo mais frio que o normal.
Saí de meu escritório, dando de cara com absolutamente ninguém.
Não era frustrante, mas eu sabia o motivo de as pessoas não aparecerem muito nesta igreja. Exceto pelas pessoas que vinham aqui pela hospedagem… é de graça, afinal.
Decidi ir para o jardim a céu aberto, local que, para mim, considerava um grande refúgio mental. Desde que subi de posição em posição, aquele era o único lugar em que podia ficar tranquila.
Cheguei lá e, surpreendentemente, já havia uma pessoa, sentada abaixo da árvore de cerejeira que havia plantado.
Seven.
Esse era o nome da mulher que consideramos um herói.
O sistema estava correto, afinal, o Altar nunca erra. Mas ainda considerava estranho a falta de suas memórias, levando em conta que os outros não foram assim.
Me aproximei, tomando cuidado com cada passo.
E chegando mais perto, foi quando percebi.
— Então você está dormindo — disse.
Logo me abaixei para perto dela.
— É… até que é bonitinha mesmo. — Coloquei minha mão sobre o queixo. — Mas o que você faz aqui, debaixo dessa árvore?
Ela estava indefesa. Se qualquer ataque acontecesse nesse momento, Seven não teria a capacidade de desviar.
Sentei-me ao lado dela, apoiando minha mão no joelho.
— Você deve ter passado por momentos difíceis, não é? Dá para perceber… — Talvez, inconscientemente, estivesse sentindo compaixão.
— Já faz sete dias que você chegou aqui, e até agora não melhorou. Quem é essa pessoa que você tanto escreve?
Talvez, essa era uma pergunta que não deveria ter saído da minha boca.
“Você pode me ajudar, não é?”
“Então me tire daqui.”
São apenas frases que gostaria de dizer, um dia.
Mas estou presa nesse local, e eu fugir é apenas um jeito simples de declarar a minha morte.
— É, deve ser bom não saber de nada. Você simplesmente só sai por aí, achando que esse mundo está no mais perfeito estado. — Esse foi meu último comentário, pois logo após caí em um sono profundo.
Eles apareciam até em meus sonhos, transformando-os em pesadelos. Aqueles olhares ruins sempre me davam ânsia, repulsa.
A mulher que um dia chamei de mãe, na minha frente, olhando-me com desgosto. E tudo que podia fazer era aguentar as agressões, a negligência e o abuso emocional que sofri.
Meus irmãos rindo de mim, gargalhando após terem feito aquela maldosa ação comigo. E tudo por influência dela.
As suas palavras eram como comandos, e todos obedeciam sem questionar. Uma mulher aclamada por toda a sociedade, que, por detrás daquele leque, tinha presas tão afiadas quanto a de uma cobra.
Esse pesadelo só piorava a cada segundo, e simplesmente não esquecia dele após acordar.
— …ei! — Parecia uma voz me chamando?
— Ei!
Acordei, no susto.
Pelo visto, caí no sono quando menos esperei.
Estava tremendo por completa, e aquelas cenas, frescas em minha memória. Mas de alguma forma misteriosa, parecia estar me acalmando aos poucos.
E cutucando-me, estava Seven, com um olhar preocupado no rosto.
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